• Nenhum resultado encontrado

2. O APARECIMENTO DOS LIVROS

2.2 O livro no Rio Grande do Sul

Entre 1895 e 1930, nos governos de Júlio de Castilhos e de seu sucessor Borges de Medeiros, o Rio Grande do Sul passou por um rápido desenvolvimento, através do aumento de instituições bancárias, o surgimento de faculdades, a expansão da educação de nível básico, além da criação da Varig, em 1927.

Segundo Hallewell (2012), desde 1880 houve atividade editorial no Rio Grande do Sul, entretanto, os editores rio-grandenses imprimiam muitos livros sem autorização dos editores legítimos e sem pagar os direitos autorais. Tem-se notícia da editora Americana, localizada em Pelotas, que publicava livros de baixo preço e em formato de bolso. Dentre suas principais publicações, estão obras traduzidas de Dostoiéviski, Maupassant, Bourget, entre outros.

Em 1928, a editora Globo deu início a um programa editorial regular. Embora a pirataria de livros já não existisse mais, as pesquisas mostram que a de periódicos era frequente, pois não havia dinheiro para comprar material inédito. Assim, os textos eram traduzidos de outras línguas e publicados nos jornais.

Inicialmente, a Globo surgiu como uma pequena livraria e papelaria, fundada em 1883, por um imigrante português, que executava alguns trabalhos sob encomenda. Um jovem,

chamado José Bertaso, começou a trabalhar na Globo, tornou-se sócio e, em 1919, proprietário da empresa. A partir de 1922, a editora começou a publicar vários livros de artistas locais: “de certo modo, essa era a contrapartida gaúcha ao movimento modernista de São Paulo” (HALLEWELL, 2012, p.434). Foi através de Mansueto Bernardi, idealizador e diretor da Revista do Globo, que alguns títulos traduzidos foram publicados, fazendo com que a empresa conseguisse um pequeno avanço para alcançar um mercado mais amplo. Bernardi contribuiu para a formação de um grupo de artistas gráficos, tradutores e revisores.

Após a saída de Bernardi da Globo, em 1931, algumas de suas ambições, como torná- la uma editora de âmbito nacional, começaram a se realizar. Henrique d’Ávila Bertaso assumiu o setor editorial, e a direção da revista ficou a cargo de Erico Verissimo, na época, um jovem escritor.

Até a década de 1930, no Brasil, o consumo de livros era um privilégio apenas da elite, visto que a maior parte dos exemplares comercializados vinham da Europa (Portugal e França), e a produção de livros no país ainda era limitada. A crise econômica mundial, no início da década de 1930, mudou esse cenário. As exportações de café caíram drasticamente, o que fez com que o valor dos mil-réis sofresse desvalorização. O custo dos livros franceses, por exemplo, aumentou 600%. Os altos preços fizeram com que as importações diminuíssem, e a quantidade de livros importados caísse drasticamente no país. Agora, o livro brasileiro tornava-se competitivo no mercado.

Era a grande oportunidade para uma editora nacional de ficção traduzida. A Livraria Globo aproveitou-a. Outros logo acompanharam – a Athena Editora, do Rio, por exemplo (...). a Globo, porém, tendo saído na dianteira, iria manter uma situação de proeminência nesse campo até a década de 1950. Para compensar a sua posição geográfica, tão distante das duas cidades centrais onde se encontravam os concorrentes, já em 1943, Bertaso empreendeu uma viagem para abrir escritórios no Rio e em São Paulo e recrutar agentes distribuidores em Salvador, Recife e Natal (HALLEWELL, 2012, p. 440).

Grande parte do sucesso da editora foi a tradução de histórias policiais de livros norte- americanos. Bertaso procurava traduzir livros que poderiam tornar-se verdadeiros best sellers. Para Hallewell, o fato de a editora Globo publicar tantos textos traduzidos do inglês marca o declínio da influência cultural francesa no Brasil e o surgimento da influência dos EUA. Apesar de a maior parte de seus textos serem traduções da língua inglesa, a editora continuou publicando textos traduzidos de outras línguas, como do alemão, do italiano e do francês. Em relação à publicação de autores nacionais, entre 1930 e 1940, a editora tinha lançado apenas dois autores importantes: Vianna Moog e Erico Verissimo.

Em 1936, o Rio Grande do Sul contava com uma editora estruturada e reconhecida nacionalmente. Para se ter uma ideia, a sede da Editora Globo contava com

um edifício próprio de três andares e tinha quinhentos empregados. A venda de livros e o trabalho tipográfico continuavam sendo seus principais interesses – a oficina possuía agora vinte linotipos – mas a parte editorial já estava muito bem implantada, com uma produção de cerca de quinhentos títulos. Érico Verissimo foi aos poucos se afastando da Revista, cuja direção transferira a De Souza Júnior, para tornar-se consultor editorial de Henrique. Foi desse modo que entrou, na indústria do livro no Brasil, a figura do editor profissional, que funcionava como editor da obra sem ser dono da editora. O papel pioneiro de Verissimo nessa função veio a generalizar-se somente décadas mais tarde. (...) Somente em 1972 foram criados, no Brasil, cursos de editoração, implantados em algumas faculdades de comunicação” (HALLEWELL, 2012, p. 441).

A década de 1940, segundo Paulo Rónai, é considerada “a idade de ouro da tradução no Brasil” (RÓNAI apud HALLEWELL, 2012, p. 445). Isso se deve ao fato de a Segunda Guerra Mundial provocar a prosperidade no mercado de livros. O trabalho de revisão das obras traduzidas, na Globo, passava por dois estágios: a revisão técnica para a verificação da correspondência do texto traduzido com o original e uma revisão para assegurar a sua fidelidade ao original, bem como a qualidade da língua portuguesa. Entretanto, esse era um trabalho com altos custos e acabou sendo extinguido com a virada econômica do fim da Segunda Guerra Mundial. A editora Globo abandonou esse expediente em 1947.

A Globo não publicou apenas ficção e literatura em geral. Livros didáticos também fizeram parte de suas edições. A criação do Ministério da Educação, em 1931, desencadeou a grande reforma na educação do país, o que atraiu o interesse da editora em publicar livros nesse segmento. A reforma Capanema, dez anos mais tarde, tornou todos os seus livros para o nível secundário desatualizados. A partir de então, a editora passou a se concentrar apenas em livros didáticos destinados ao ensino superior. Na década de 1970, a editora voltou a publicar livros para o ensino primário e secundário e, novamente, as reformas lhe trouxeram grandes prejuízos. Em 1980, apenas um décimo de seu catálogo era de livros didáticos. Além disso, poucos autores estrangeiros tiveram mais de uma obra traduzida. A Editora passou a se dedicar à publicação de livros técnicos e obras de referência, como dicionários.

No de seu centenário (1983), apenas 45% das ações da Editora Globo estavam sob a posse de três netos de José Bertaso.

Uma reestruturação administrativa, iniciada em 1980, dispensou as subsidiárias Globo Distribuidora, JB Propaganda e Cia. Sul-Americana de Direitos Autorais, reduziu a área da sede e da livraria no centro de Porto Alegre (...) e começou a construção de uma nova sede (...), na avenida Brasil, no Rio de Janeiro, para onde já havia se mudado em 1979.

O destino final da Editora Globo foi sua aquisição em outubro de 1986, pela Rio Gráfica, editora (principalmente de revistas) da formidável organização de mídia Rede Globo (HALLEWELL, 2012, p. 454-455).

Nessa época (1986), a editora já tinha publicado 2.830 títulos. Atualmente, a editora é sediada em São Paulo e conta com 520 títulos em seu catálogo. A Editora Globo não é a única que contribuiu para o desenvolvimento de um ambiente de produção, publicação e circulação de obras, entretanto, ela é a única editora do século XIX que conseguiu se estabelecer no mercado literário nacional, por isso a sua relevância para a observação, de modo geral, do cenário do livro no Rio Grande do Sul.

A história do livro no Rio Grande do Sul atrelou-se à política quando o poeta Augusto Meyer, em 1937, foi designado, por Getúlio Vargas, o responsável por criar o Instituto Nacional do Livro (INL), “mediante reforma do Instituto Cairu” (HALLEWELL, 2012, p. 435). Meyer cuidou do INL até 1954 e entre 1961 e 1967.

O INL tinha o objetivo de criar uma enciclopédia e um dicionário para o Brasil, entretanto, isso nunca se concretizou. Outro objetivo era o de publicar obras raras ou importantes para a cultura luso-brasileira, mas esse projeto também acabou sendo suspenso. Posteriormente, o INL ficou responsável por criar uma bibliografia nacional, trabalho que a Biblioteca Nacional não conseguiu realizar. Entre 1938 e 1972, ambas as instituições tentaram, cada uma da sua forma, produzir essa bibliografia. Surgiram, então, a Bibliografia Brasileira e a Bibliografia Brasileira Corrente, mas nenhuma delas se aproximou do Boletim Bibliográfico Brasileiro, criado em 1967, trabalho particular de Áureo Ottoni (na época, funcionário do INL). O general Umberto Peregrino (diretor do INL, entre 1967 e 1970), transformou a Bibliografia Brasileira, inicialmente de caráter anual, em mensal. Após a saída do general do INL, sua publicação foi suspensa.

O governo Vargas, por sua vez, outorgou ao INL as tarefas de cuidar do livro no país e desenvolver as bibliotecas públicas. Em 1937, foi atribuído ao INL:

o controle direto do governo sobre os livros que poderiam ser legalmente publicados ou importados. Passados dois anos sem que o INL tomasse quaisquer medidas concretas nesse sentido, essas atribuições foram transferidas para um serviço de censura criado especialmente para isso, o Departamento da Imprensa e Propaganda (DIP) (HALLEWELL, 2012, p. 438).

Em 1990, o INL foi extinguido durante o governo do presidente Fernando Collor de Mello. Ele sobreviveu apenas como Departamento Nacional do Livro, um setor da Biblioteca Nacional, preocupado com a edição de livros brasileiros traduzidos no exterior.

Conforme Hallewell (2012), fora do eixo Rio-São Paulo, Porto Alegre tem sido, há muito tempo, o único centro editorial de importância nacional. Além disso, o Rio Grande do Sul conta com a feira do livro de Porto Alegre, que é a mais antiga feira de livros do país, com

uma ampla distribuição de obras e com escritores considerados importantes para o cenário literário nacional, como Luis Fernando Verissimo, Luis Antônio de Assis Brasil, Martha Medeiros, Fabrício Carpinejar, entre outros.

A história do Estado no meio editorial certamente contribuiu para alcançar esse destaque no âmbito literário nacional. Além da Editora Globo, há muitas editoras que fizeram e fazem parte desse cenário, destacando-se aqui Editora Selbach (1931-1960), Mercado Aberto (1980 – n.c.), Editora Movimento (1970), L&PM (1974), Sagra-Luzzato (1967), Sulina (1946) e editoras universitárias.