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6. AS EDITORAS DA SERRA GAÚCHA: ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

6.2 O cenário editorial da Serra Gaúcha

6.2.4 O mercado literário da Serra Gaúcha

Os editores, em sua maioria, afirmam que não há um mercado literário consolidado na Serra Gaúcha. Sob o ponto de vista mais pessimista, não existe um mercado, porque há a necessidade de vários profissionais de cada área e, na Serra, algumas áreas ainda não estão estabelecidas de forma plena. Um editor explica seu posicionamento ao afirmar que há uma pequena oferta de livrarias na região. Para ele, ainda não existe um mercado, mas há potencial para o seu surgimento e consolidação. Conforme o entrevistado, a oferta de livrarias é ponto de partida para que se observe o mercado literário, mas, se não houver livrarias, não há leitores, e sem leitores não há mercado.

Além disso, ele destaca que algumas áreas encontram-se defasadas, como a de marketing para escritores. Estes escrevem, publicam e não sabem o que fazer com os livros, não sabem como chegar aos leitores. Para existir efetivamente um mercado, ele defende a necessidade de maior profissionalização, principalmente das livrarias, das editoras e dos escritores.

Apesar das considerações anteriores, os editores acreditam que a Serra está muito mais avançada que outras regiões do estado. Para eles, no Rio Grande do Sul, apenas Porto Alegre já galgou avanços maiores em termos de desenvolvimento de um mercado literário. Em síntese, a maioria dos editores acredita que não há um mercado consolidado na região, mas considera que ele está em formação.

Outro fator apontado como problema para a consolidação de um mercado literário local é a centralização do sistema literário no Sudeste do país. Há um consenso involuntário entre escritores, editores e leitores de que é preciso que as obras e seus autores se insiram em mercados literários maiores, como Rio de Janeiro e São Paulo, para que possam ficar conhecidos. Nesse sentido, parece que o sistema literário regional é apenas um mecanismo de impulso, pois para ser um escritor de sucesso é necessário alçar âmbitos maiores. Na visão dos editores, é necessário criar novas vias e redes, que precisarão ser articuladas de modo rizomático para que o cenário literário local se movimente e continue se desenvolvendo.

Os editores também destacam a necessidade de os escritores apresentarem uma postura diferente ao publicar uma obra. Eles ressaltam que há falta de planejamento em relação ao mercado literário por parte dos escritores. Segundo os relatos, eles ficam ansiosos para publicar o livro e acabam esquecendo a fase de pós-lançamento. É preciso que eles entendam as três etapas do processo: escrever, publicar e vender. Existem escritores que escrevem para si mesmos e provavelmente nunca venderão muitos livros. E há também aqueles que escrevem para os outros e que poderão conquistar o mercado. Entretanto, o escritor precisa ter consciência de qual é o tamanho do outro: será que ele escreve para 50 pessoas ou para 1 milhão de pessoas que terão interesse no livro? Alguns editores acreditam que falta profissionalismo por parte dos escritores da região, pois, quando eles escrevem, precisam ser conscientes sobre para quem estão escrevendo e qual é o interesse legítimo que as pessoas podem ter naqueles livros que eles estão produzindo.

Para Escarpit (1969), há quatro escalões de sucesso: o falhanço, quando a venda do livro é uma perda para o editor e para o livreiro; o semi-sucesso, quando o livro equilibra o seu orçamento; o sucesso normal, quando a venda corresponde aproximadamente às previsões do editor; e o best seller, quando a obra ultrapassa os limites previstos de venda, além do normal.

Tanto os editores serranos, quanto Escarpit (1969), acreditam que o sucesso de um livro está diretamente relacionado ao número de leitores que poderão se interessar por determinada obra. Inicialmente, os leitores de uma obra são os familiares e amigos mais próximos do escritor. Após esse estágio inicial, vem o trabalho do escritor em construir sua carreira literária e angariar leitores para a sua produção.

Portanto, segundo Escarpit (1969) e os editores entrevistados, é necessário que os escritores compreendam para quem escrevem e tenham noção do tamanho do seu público, para, assim, atuarem de maneira eficiente na divulgação, distribuição e venda de livros, especialmente nos casos em que a editora não se compromete com esses processos.

Os editores defendem que é preciso aumentar o consumo de livros na região. Segundo a opinião de um editor, o mercado literário na Serra estagnou há pelo menos três anos. Por isso, tem-se buscado alternativas para criar novos leitores e manter os já conquistados. Na Serra, segundo pesquisas de mercado desenvolvidas pelas editoras locais, os leitores leem um livro de determinado escritor e não buscam outras obras de mesma autoria, pois não há essa cultura na região. É preciso intervir na cultura regional, que, conforme os entrevistados, se resume a trabalhar e pagar contas, sem ter tempo para o lazer. E quando se tem esse tempo, o livro normalmente é uma das últimas opções de lazer a serem escolhidas. Infelizmente, estamos em um país onde não existe o hábito de comprar livros e entender isso como um ato para benefício próprio. Pensa-se, muitas vezes, que é algo supérfluo. Por isso, é preciso trabalhar de modo que se consiga manter os leitores e conquistar novos. Escarpit ressalta que:

A produção e o consumo de livros literários estão ligados à estrutura política na medida em que são atividades voluntárias, que traduzem a existência, em certas pessoas – escritores ou leitores – de uma necessidade de um certo tipo de comunicação. Essa necessidade pode ser limitada exteriormente por fatores institucionais – propaganda, política, polícia, religião – ou por fatores que atuam de modo direto, favorável ou desfavoravelmente, sobre o desejo e a capacidade de comunicação das pessoas – analfabetismo ou educação, miséria ou alto nível de vida. De qualquer forma, não pode haver produção literária original em um país se não existe uma população de escritores suficiente para alimentar essa produção e se não existe uma população de leitores suficiente para permitir o consumo que a justifique doutrinal ou economicamente. O grau de sucesso do livro literário nos diferentes países depende, pois, em última análise, das instituições políticas e sociais do país, do grau de instrução e de lazer de seus habitantes e da situação demográfica – da existência, no país, de uma população capaz de fornecer um número suficiente tanto de leitores como de escritores. As duas categorias se interdependem. Esquece-se frequentemente que o escritor, primeiro, é leitor, é uma emanação do meio literário, e por este sustentado não só moral como economicamente. Se num país não há leitores suficientes para manter o escritor, haverá menos escritores, pois só poderão dedicar- se a escrever os que tiverem recursos necessários para trabalhar sem remuneração, ou, no caso de uma economia dirigida, tiverem sua subsistência assegurada pelo Estado ou por outro organismo (ESCARPIT, 1976, p. 65).

Escarpit explica como a população de escritores e a de leitores depende uma da outra. Apesar de tratar o assunto em nível nacional, é possível transferir algumas de suas considerações para pensar o cenário literário regional. Os editores afirmam que é necessário aumentar o número de leitores na região em questão, pois o mercado literário regional está estagnado. No capítulo 4 desta tese, foi possível observar que há muitos escritores produzindo na Serra, no entanto, poucos são os que conseguem sobreviver de sua escrita – a maioria exerce

outra profissão para pagar suas despesas. Em uma análise que não leva em consideração a qualidade estética das obras, isso possivelmente se deve ao fato de não haver leitores suficientes na região para absorver todos esses escritores que estão publicando. Por isso, talvez, haja tantos autores com apenas uma publicação. A ausência de público que absorva a grande quantidade de livros que surgem no mercado regional dificulta a publicação por editoras comerciais, bem como a profissionalização dos escritores e a circulação das obras.

Além disso, os editores atentam para questões culturais da região de imigração, principalmente italiana, que supervaloriza o trabalho e a aquisição de bens materiais, em detrimento da emancipação intelectual e artística. Certamente, essa seria outra pesquisa a ser desenvolvida, entretanto, o que se observa, conforme afirmações de escritores e editores da região, é que a população de modo geral não tem o hábito de ler como atividade de lazer, mas apenas com fins específicos, como adquirir conhecimento acerca de determinada área, resolver alguma prova etc. Esse também parece ser o lugar que a literatura ocupa no cenário nacional, conforme as opiniões dos entrevistados.