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As diferentes formas linguísticas e a expressão literária

5. OS ESCRITORES DA SERRA GAÚCHA: ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

5.2 As entrevistas: escritores no sistema literário da Serra Gaúcha

5.2.4.2 As diferentes formas linguísticas e a expressão literária

A maior parte dos escritores não acredita que as diferentes formas linguísticas (especialmente os dialetos italiano, alemão e polonês) atrapalhem a expressão literária. Eles destacam que o seu uso pode ser bastante enriquecedor para o texto literário e para o leitor, linguística e culturamente. Entretanto, eles se preocupam com os autores que se propõem a escrever um livro em dialeto, pois acabam assumindo um risco muito alto em relação à circulação do texto literário. Alguns respondentes declaram, por exemplo, que dificilmente alguém de Porto Alegre lerá o livro, se ele estiver todo escrito em dialeto, apenas as pessoas que entendem o idioma farão essa leitura. Então, nesse caso, a língua poderia tornar-se um empecilho para a circulação do texto em âmbitos maiores. Há autores que explicam que um livro escrito em linguagem gaúcha possivelmente terá um âmbito de circulação maior que um livro que esteja escrito em dialeto italiano ou que sofra a sua influência. Os autores concluem que isso se deve ao fato de existir um número maior de leitores que conhece e que se identifica com a linguagem e cultura gaúcha.

Alguns entrevistados manifestaram a sua opinião em relação ao uso de expressões em dialeto no texto literário escrito em língua portuguesa. Sobre o tema, os autores destacam que é possível fazer uso dessas expressões, mas isso precisa ser bem feito, pois, do contrário, poderá dificultar a compreensão dos leitores. Na opinião desses escritores, se a obra for consistente e madura, a linguagem poderá ser um diferencial do texto. Há ainda aqueles que defendem o uso de notas de rodapé contendo a tradução dos termos em dialeto, para facilitar a vida do leitor que não conhece o idioma.

Há autores que consideram as diferentes formas linguísticas uma dificuldade para a expressão literária. Esses autores discutem a questão da elaboração de diálogos, o que, para eles, é bastante complexo. A primeira escolha que um escritor precisa fazer, especialmente o ficcionista, é qual padrão linguístico seguir: um padrão linguístico gramatical (se é que isso existe) ou se vai escrever como as pessoas falam (o que pode ser um risco do ponto de vista de apreciação do leitor). Além disso, o escritor precisa pensar que o registro da fala pode perder sentido na escrita, porque na fala há muitas interrupções, repetições etc., o que pode tornar o texto escrito cansativo e ineficiente. Reproduzir a riqueza da fala popular na escrita em variados meios é muito difícil, e é preciso que o escritor preste muita atenção para elaborar um texto dessa natureza.

Alguns autores afirmam publicar os seus textos sem se preocupar em traduzir as expressões em dialeto, pois a maioria das pessoas da Serra conhece o idioma e, se tiver dificuldades, poderá perguntar para alguém no seu trabalho, no seu bairro ou na sua rua, que, com certeza, saberá o que a expressão significa. Percebe-se, aqui, que esses escritores assumem que os seus textos circulam essencialmente na região serrana. Para muitos autores, os dialetos, as expressões gauchescas e o falar urbano caxiense enriquecem o texto literário. Para eles, esses são elementos intangíveis que os influenciam, porque, como escritores, estão sempre atentos, absorvendo as influências da cultura local. Então, em vez de erguerem uma barreira contra isso, decidiram introduzir expressões regionais nos seus textos, a fim de promover uma identificação do público leitor e admitir, mesmo que inconscientemente, as influências regionais que recebem. Entretanto, o contrário também existe: muitos escritores não introduzem o elemento regional em suas obras, mas publicam literatura policial, por exemplo, pois reconhecem que também há público leitor na região para esse gênero, que nem sempre envolve temas ou linguagem regionais.

A grande maioria dos escritores (68%) esclarece que as diferentes línguas no âmbito da Serra não influenciam a sua produção literária. Apesar de, em alguns casos, tratarem de temáticas regionais, os seus textos são escritos em língua portuguesa.

Já 32% dos respondentes afirmam que há influência em seus textos das diferentes línguas no âmbito da Serra. A língua italiana e o dialeto vêneto são os principais idiomas citados por esses autores. Ressalta-se que na maioria dos casos essa influência contribui para o escritor compor as suas personagens, conforme eles próprios destacaram durante as entrevistas. Há, também, escritores que já publicaram textos em língua italiana e/ou tiveram algumas de suas obras traduzidas.

Uma minoria reconheceu a influência da língua polonesa e alemã em seus textos. Nesses casos, os autores ressaltam que expressões desses idiomas aparecem no texto literário, escrito em língua portuguesa, para ajudar a compor suas personagens e a ambientação da narrativa.

Destaca-se a existência de escritores que afirmam utilizar o dialeto italiano em seus textos para fazer a manutenção da língua. Eles acreditam que fazendo isso contribuirão para que o dialeto vêneto não caia no esquecimento da comunidade local.

Para um escritor que deseja conquistar o seu público leitor, pode ser arriscado escrever em uma língua que não seja a oficial do lugar onde ele vive. O uso de expressões de outras línguas, quando bem utilizadas, pode ser um diferencial da obra literária. No entanto, são poucos os escritores que fazem esse uso de forma que agregue valor à obra, e não a desmereça.

É preciso ter certeza do que se está fazendo, para que a língua não se torne um empecilho para os leitores ou para que as personagens não fiquem estereotipadas e previsíveis.

É necessário observar que cada vez menos escritores estão escrevendo em dialeto italiano ou buscando trazer referências da língua para o seu texto. Os escritores entrevistados, em sua maioria, não pensam em escrever em outra língua que não seja a portuguesa. Por fim, sabe-se que há muitos imigrantes (senegaleses, haitianos etc.) se instalando na Serra. A vinda desses imigrantes poderá ocasionar mudanças linguísticas bem significativas na região e isso, a longo prazo, provavelmente aparecerá na literatura serrana.