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2. O APARECIMENTO DOS LIVROS

2.1 O livro no Brasil

O surgimento do livro na América está relacionado à chegada dos padres Jesuítas. Acredita-se que eles trouxeram a primeira prensa de impressão. A obra Printing in Colonial Spanish America mostra que não havia um mestre impressor que se interessasse em viver em terras tão remotas, de modo que os jesuítas acabaram ensinando os índios a produzirem livros por xilografia. Conforme Hallewell (2012), isso pode ter acontecido também no Brasil, no entanto, não há estudos que comprovem essa hipótese.

Hallewell faz tal afirmação baseado em algumas evidências, como o vasto acervo de livros que os colégios Jesuítas possuíam. Segundo a História da companhia de Jesus no Brasil, escrita por Serafim Leite, algumas escolas jesuítas tinham prelo próprio, no qual imprimiam livros. O primeiro livro impresso de que se tem notícia no Brasil é Vocabulario de la Lengua Guarany (1722). Na época, todavia, o território no qual a obra foi impressa pertencia ao Paraguai.

Apesar de os jesuítas libertarem os índios do jugo espanhol em 1640, Portugal, país que passava por dificuldades econômicas, organizou um movimento de destruição da Companhia de Jesus. Marquês do Pombal, que dirigia os negócios de Portugal, entre 1750 e 1777, decidiu extinguir a indústria tipográfica, porque ela era herança dos jesuítas e uma fonte

de poder. Para Hallewell, a grande perda que o Brasil sofreu com a dissolução da Companhia “pode ser sentida na destruição de suas bibliotecas: quinze mil volumes se perderam no Colégio em Salvador, outros cinco mil no Rio de Janeiro, além de mais de doze mil apenas nos colégios do Maranhão e do Pará” (2012, p. 80).

Anos antes, entre 1630 e 1655, os holandeses tentaram introduzir a impressão no Brasil, período no qual ocuparam o Nordeste brasileiro. As exigências de administração da colônia provocaram a necessidade de uma prensa. No Recife, o tipógrafo responsável era Pieter Janszoon, que faleceu ao chegar no Brasil, em 1643. Houve várias tentativas de se encontrar outro impressor, no entanto, não havia tipógrafo algum disposto a morar em terras tão distantes. Acredita-se que a prensa trazida pelos holandeses foi a primeira que chegou ao Brasil. A partir de informações encontradas, os pesquisadores afirmam que esse prelo funcionou entre 1703 e 1706. Tem-se a notícia de que, em 1706, foi proibida a impressão de livros e papéis avulsos na tipografia em questão.

Após a expulsão dos padres Jesuítas, as terras ficaram de posse dos portugueses, que censuraram qualquer expressão de pensamento independente. Hallewell faz considerações importantes sobre Portugal naquela época. Leia-se:

[...] o pequeno país empobrecido que emergiu de seu cativeiro “babilônico” de sessenta anos e da luta e dezoito anos em prol da independência (1640-1668) foi a mais fraca, a mais pobre e a mais atrasada de todas as potências marítimas da Europa Ocidental. Foi também o país mais dominado pelo clero: mesmo o triunfo dos restauradores se deveu (como já dissemos), em grande medida, à iniciativa dos padres (e especialmente dos jesuítas) no fomento do apoio popular na luta contra o domínio espanhol. Os autos de fé continuariam por mais um século. A censura tríplice sufocou qualquer expressão de pensamento independente, até realizações inovadoras no tocante ao estilo ou à tradição literária. Quase a única obra contemporânea de algum mérito literário foram os Sermões, de Antônio Vieira (que foi mais brasileiro do que português) (HALLEWELL, 2012, p. 83).

Durante muitos anos, o Brasil não pôde contar com prensas. A impressão de material era proibida na colônia portuguesa, visto que sua única função era fornecer matéria-prima para Portugal, que passava por dificuldades econômicas. O isolamento do Brasil de todas as influências externas era muito importante para os portugueses, pois, dessa maneira, eles conseguiriam manter o controle social, intelectual e, principalmente, econômico da colônia. Todos os escritos originais que surgissem, por menores que fossem, precisavam ir para a Europa para serem impressos ou, então, permanecer na forma de manuscrito.

Para Martins (1998), o que se sabe sobre a introdução da imprensa no Brasil é muito confuso e não pode ser encarado como verdade absoluta, pois há diferentes versões sobre o assunto. Hallewell (2012) e Martins (1998) destacam que, a partir de 1747, há provas definitivas da existência de uma prensa no Rio de Janeiro. Isso pôde ser observado a partir da descoberta

de folhetos publicados naquela época. O responsável pela primeira tipografia no Brasil foi Antônio Isidoro da Fonseca, um dos principais tipógrafos de Lisboa, responsável pela impressão de alguns livros na colônia portuguesa.

Levando em consideração a falta de trabalhadores alfabetizados, a escassez de matéria- prima (o papel) e a censura do governo português, o livro produzido no Brasil tinha custos muito altos, de modo que não poderia competir com o preço dos livros vindos da Europa. Dessa maneira, alguns autores que almejavam imprimir seus livros acabavam fazendo isso em Portugal. A escassez de tipógrafos, que não tinham o menor interesse em vir para a colônia portuguesa, também foi um fator agravante na produção de impressos. Nesse período, as maiores cidades do Brasil não eram atraentes aos tipógrafos, pois eram “destituídas de qualquer forma efetiva de vida e de significação social e intelectual em virtude da irresistível concentração de população, produção, riqueza e poder em torno das grandes propriedades rurais” (HALLEWELL, 2012, p. 88).

Em 1792, havia apenas duas livrarias no Rio de Janeiro. A vinda da família real para o Brasil contribuiu para mudar esse cenário. Nesse período, foi criado o Museu Nacional, o Banco do Brasil, a Academia de Belas-Artes, entre outros. Em 1816, o número de livrarias aumentou para doze na capital. Apesar de D. João ser a favor, naquele momento, de uma imprensa livre, a censura era ainda muito forte, o que contribuiu para que países, como a Inglaterra e a França, a partir de 1814, investissem na edição de livros e periódicos em língua portuguesa, que chegavam ao Brasil através dos portos.

Por volta de 1808, Antônio de Araújo Azevedo trouxe outro prelo para o Brasil com a permissão do governo. Os pesquisadores afirmam que as impressões realizadas nesse período são consideradas obras-primas e de alta qualidade, à altura das impressões realizadas em Londres e Paris.

A inauguração do novo prelo ocorreu no mesmo ano, através da publicação de um folheto de 27 páginas. Conforme Hallewell (2012), em quatorze anos foram impressos mais de mil itens, um número bem considerável, tendo em vista que Portugal levou trinta e dois anos para produzir a mesma quantidade. O autor destaca que “grande parte desses itens da Impressão Régia brasileira era constituída de documentos do governo, cartazes, volantes, sermões, panfletos e publicações secundárias” (2012, p. 114). Com o passar dos anos, a censura exercida por Portugal e o monopólio da impressão na capital (Rio de Janeiro) tiveram o seu fim.

Para Martins (1998), “a Imprensa Régia era o núcleo da nossa Imprensa Nacional e instalação oficial e definitiva da tipografia em nosso país” (p. 306). Ela foi a única imprensa existente no Rio de Janeiro até a proclamação da Independência, em 1822. Destaca-se, ainda,

que a Imprensa Régia publicou algumas obras literárias, como Marília de Dirceu (1810), Uraguai (1811), mas grande número de suas impressões corresponde a livros nas áreas do direito, economia, política e ciências e outros impressos. Martins (1998) acredita que, de certo modo, a Imprensa Régia prepara a Independência do Brasil. Conforme o pesquisador, o surgimento da imprensa nacional não corresponde à liberdade de pensamento, já que “de uma certa forma ela serviu para cerceá-la” (MARTINS, 1998, p. 309).

Sobre a impressão de textos na época da Imprensa Régia, Moreira e Azevedo afirmam:

quem desejava imprimir qualquer manuscrito apresentava-o antes com um requerimento à junta diretora, e só depois do despacho é que podia imprimi-lo; se o manuscrito dizia respeito à religião, à legislação ou à política, era a junta autorizada a manda-lo rever por pessoas de profissão competente, dirigindo-lhes para este efeito ofício em nome de Sua Alteza Real, e exigindo seu juízo e aprovação por escrito, à vista da qual se mandava imprimir com as correções necessárias, precedendo licença da Secretaria do Estado (MOREIRA e AZEVEDO apud MARTINS, 1998, p. 309).

Todas essas exigências não impediram que chegassem ao Brasil livros e jornais “subversivos”. Por exemplo, o jornal Correio Brasiliense, primeiro jornal brasileiro, ainda impresso em Londres, era lido no país, inclusive pelos meios oficiais. Havia outros jornais que eram editados no país, mas não eram tão populares quanto o primeiro. Dentre eles, destacam- se: Gazeta do Rio de Janeiro, O Patriota e a Idade d’Ouro do Brasil, O Investigador Português, entre outros.

Martins (1998) afirma que, “instalada abertamente a primeira oficina, transformando o Brasil, de colônia que era, em capital provisória do reino, nada mais poderia impedir, antes tudo solicitava, a multiplicação das tipografias, a intensa circulação espiritual que forçosamente deveria ocorrer” (p. 312). A consolidação da imprensa contribuiu para que periódicos se multiplicassem por todo o país. Surgiram os grandes jornais, tornando esse meio de comunicação um importante instrumento de progresso. Além disso, chegavam ao Brasil livros e papéis que propagavam princípios liberais. Algumas publicações de documentos e textos esparsos nas cidades da província também começaram a ocorrer. Acredita-se que o primeiro romance brasileiro com algum valor literário publicado no Brasil foi O filho do pescador (1843), de Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa (HALLEWELL, 2012, p. 177), no Rio de Janeiro. Ao longo dos anos, foram surgindo prelos nas províncias, e obras literárias também passaram a ser publicadas nesses lugares.

A impressão de livros continuou com altos custos, por isso, muitos autores continuaram a imprimir as suas obras em Portugal. Além disso, a metrópole também oferecia um mercado de circulação maior para as obras.

Os escritores ainda não conseguiam viver de suas publicações, mas, com a ajuda do governo, alguns deles passaram a trabalhar em cargos públicos, o que possibilitava que se dedicassem à produção escrita. Esse era o estímulo de D. Pedro II à produção literária nacional. Livros técnicos, literários, didáticos, nas áreas das ciências, da história e da medicina etc., começaram a ser publicados em maior escala. Ao longo dos anos, novos escritores surgiram com suas publicações, editoras, livrarias, programas governamentais, entre outros, contribuindo para a disseminação do livro no Brasil e para a formação de leitores. Apesar da tentativa realizada pelos padres Jesuítas de promover a impressão de textos, a produção, não apenas de livros, mas de materiais em geral, enfrentou muitos obstáculos, que foram impostos pelos portugueses.

A chegada de prensas ao Brasil não foi apenas importante para o desenvolvimento da produção literária, para o aparecimento de escritores e de um público-leitor, para o progresso do mercado literário, enfim, para o desenvolvimento de um sistema literário. Conforme os estudos apresentados, a produção de material impresso também contribuiu para a disseminação das ideias de liberdade, o que corroborou para a Proclamação da Independência do Brasil, em 1822.