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6. AS EDITORAS DA SERRA GAÚCHA: ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

6.2 O cenário editorial da Serra Gaúcha

6.2.2 As chances de um escritor publicar

Todos os quatro entrevistados afirmam que sempre existe a possibilidade de um escritor publicar um livro. Todos os autores concordam que as chances de publicação são maiores que antigamente, no entanto, é difícil para um autor publicar o seu primeiro livro em uma editora comercial, ou seja, ter os custos de publicação pagos por ela. Casas editoriais de porte médio e pequeno dificilmente assumem todos os riscos de publicação de uma obra, pois, na maioria das vezes, não possuem capital financeiro suficiente para arcar com essas despesas. Conforme informações coletadas, o custo para a editora torna-se muito alto, pois além do trabalho de revisão e gráfico, por exemplo, ainda há gastos com a impressão, que é muito cara, visto que o mercado gráfico é regido por altos impostos.

A Editora Belas Letras, por exemplo, opera com dois selos principais, Belas-Letras e Quatrilho. O primeiro é o da editora comercial e o segundo refere-se à prestação de serviços.

Em uma editora comercial, o autor não desembolsa qualquer valor financeiro: a editora paga todos os custos e o autor recebe um percentual sobre o preço de capa dos livros vendidos. Já no selo da prestação de serviços, o autor paga pela publicação. A diferença entre esses dois modelos é que em um deles o risco maior é da editora, e no outro o risco é do autor. A editora comercial faz um investimento e espera retorno. Desse modo, quando ela recebe os originais para avaliação, está em jogo se o livro vale o investimento que deverá ser realizado. Os livros que não se pagam e não têm relação de conteúdo com o selo são retirados do rol de possíveis publicações da editora. Por outro lado, na prestação de serviços, a editora não realiza essa triagem, porque os riscos ficam por conta do próprio escritor. Nesses dois perfis de editora, os riscos são transferidos de um para outro (do autor para a editora ou vice-versa). Nesse sentido, as leis de incentivo são extremamente importantes, porque eliminam os dois riscos, do editor e do autor. A maioria das editoras funciona dessas duas maneiras; caso isso não acontecesse, alguns escritores nunca teriam a chance de publicar, pois as editoras não assumiriam os riscos.

Segundo os entrevistados, as chances de um escritor publicar não têm relação unicamente com a qualidade do texto, que é o mínimo que ele precisa ter. A editora comercial toma muito cuidado com aquilo que avalia, porque o risco é enorme. No selo comercial, as editoras assumem os riscos, mas fazem uma série de análises, como quantos fãs o autor tem na internet e quantos exemplares o livro precisa vender para pagar o investimento.

Portanto, é muito difícil, nos dias atuais, um escritor publicar um livro sem ter que pagar toda a edição ou, ao menos, parte dela. A obra tem que realmente ser de alta qualidade (sob a percepção de seu editor) para que isso ocorra, além de atender às necessidades do mercado do livro e contar com um público leitor potencial. Na Editora Maneco, por exemplo, a primeira edição dos livros publicados geralmente é bancada pelo próprio autor ou por investimentos de terceiros. Se o livro obtiver uma boa aceitação por parte dos leitores e se os exemplares estiverem praticamente esgotados, a editora paga a segunda edição. Para que isso aconteça, o editor destaca que a editora faz parcerias com as escolas da região e leva o escritor até lá para que haja divulgação da obra e venda dos exemplares.

A editora Vírtua, por sua vez, cobra o custo de produção (que, segundo o seu editor, é menor que o de outras editoras, porque ele trabalha sozinho), mas o próprio autor negocia o pagamento da gráfica, quando possível. O editor cobra 50% do valor de entrada e, ao finalizar o trabalho, o envia para a gráfica, e o escritor paga o restante. O editor destaca que 34 títulos foram publicados nesse sistema pela editora, em três anos. Para os livros de pequena tiragem (até 100 exemplares), ele consegue oferecer produção própria, é um processo artesanal, mas que chega bem perto da qualidade de grandes gráficas. O sistema de pagamento é o mesmo.

Em relação à publicação de poesia, os editores afirmam que esse segmento tem um público bastante restrito, o que faz com que as editoras fiquem bem mais cuidadosas e criteriosas na hora de investir. Um romance fantástico, por exemplo, é mais procurado pelos leitores, o que poderá encorajar a editora a investir nessa publicação. Além disso, a publicação de prosa parece receber mais atenção dos programas públicos de financiamento de literatura.

Dentre os entrevistados, um editor afirma que ainda não conseguiu assumir integralmente os custos de qualquer publicação. Ele relata que já recebeu textos que, se tivesse condições, teria publicado e acredita que teria obtido bons lucros, mas a ausência de capital financeiro na editora impossibilitou tal investimento. Para ele, se a literatura em geral já tem um público bem restrito, na poesia isso se acentua mais ainda. Para uma editora publicar uma obra de poesia, é preciso que o autor já seja reconhecido por seu trabalho. A editora precisa ter muita segurança para bancar uma obra desse gênero. No caso das pequenas editoras, por exemplo, torna-se impossível pagar os custos de uma obra de poesia, pois não é possível vislumbrar uma recuperação do investimento realizado.

Apenas um editor afirma que publica poesia sem que o autor pague pela edição. No entanto, ele destaca que a editora precisa se certificar de que a obra trará retorno financeiro. A decisão de pagar ou não os custos da edição dependerá do texto que o escritor apresentará para a editora.

Um dos editores destaca que, há algum tempo, a única maneira de consumir poesia se dava através de um livro. Hoje, é possível encontrar poesia no Facebook, em jogos americanos e até em muros. Ou seja, a poesia não morreu, ela só utiliza outras plataformas para se manifestar. Para tornar a poesia novamente publicável e rentável, é preciso entender que não é mais só a poesia que vai atrair o leitor, é necessário transformar os livros em objetos de desejo. Um exemplo sobre como tornar o livro de poemas um objeto de desejo é o projeto literário realizado entre a editora Belas Letras e o escritor gaúcho Carpinejar. Nesse projeto, a editora comprou uma antiga máquina de escrever e a enviou para o escritor, que, durante cem dias, escreveu cem poemas de amor à máquina, posteriormente publicados em um livro. Observa-se que o objetivo da editora não é apenas publicar e comercializar um livro de poesia, mas criar expectativa no leitor para que ele compre seu exemplar. O editor responsável pelo projeto acredita que há um caminho para a publicação de poesia nesse viés, mas é preciso ser criativo e atrair os leitores. O entrevistado destaca que os poetas em geral não têm a noção de que isso é necessário para a nova poesia, porque eles ainda estão muito presos à ideia de escrever e enviar o material a uma editora. A poesia tem viabilidade bem menor do que tinha

antes, mas, através de um projeto, de uma releitura do que seja a poesia, é possível que a editora pague pelos gastos de sua publicação.

Os editores destacam que as leis de fomento à cultura que alguns municípios da Serra criaram colaboraram para aumentar as chances de publicação de muitos escritores. Ao serem premiados nos concursos, os autores recebem recursos financeiros para pagar os custos de edição do seu livro. Nesse sistema, tanto a editora quanto o escritor ficam isentos de investimentos financeiros no processo de publicação das obras. No entanto, após ter seu livro publicado, cada escritor fica encarregado de distribuir e vender os exemplares, pois, conforme já apresentado, as editoras não se comprometem com tais atividades.

Todos os editores entrevistados concordam que as leis de incentivo à publicação criaram um mercado até então inexistente. Além disso, viabilizaram a publicação para autores que talvez jamais conseguiriam publicar, seja por falta de condições financeiras ou de uma editora que aceitasse pagar os custos de sua publicação.

Mesmo assim, apesar de viabilizar a edição de livros de muitos autores, alguns editores destacam os pontos que precisam ser melhorados em relação à provisão de recursos públicos para publicação de obras. Eles acreditam que ainda ocorre mau uso da verba pública, por conta da falta de planejamento das prefeituras, o que se percebe na maneira como elas organizam todo o processo dos concursos. Por exemplo, determinada prefeitura disponibiliza R$ 35 mil para a organização de um livro, mas, às vezes, o custo efetivo é de somente R$ 5 mil. No entanto, como o dinheiro é público, as gráficas e editoras superfaturam o orçamento. Um editor relata que já trabalhou em uma editora cujo dono mandava aumentar o valor do orçamento quando a produção do livro estava vinculada a programas públicos de incentivo à produção cultural. Acredita-se que o gerenciamento desse dinheiro poderia ser melhor organizado. Uma alternativa seria aumentar o número de projetos contemplados ou diminuir o valor por projeto premiado e repassar o restante do dinheiro para outras áreas, ou seja, o processo deveria ser melhor gerenciado por parte dos governos municipais. Acredita-se, ainda, na necessidade da conscientização dos prestadores de serviço, pois muitos deles veem isso como uma maneira de ganhar dinheiro fácil e, quando o livro está pronto, apenas fazem a entrega dos exemplares e esquecem o autor.

Outro editor também destaca que os processos de seleção dos textos contemplados precisam ser qualificados, pois há muitos textos financiados cuja qualidade literária é questionável, na sua opinião. Ele pontua que nos concursos há textos ótimos (poucos, raros), medianos e ruins (a maioria). Frequentemente, os textos considerados regulares acabam entrando no rol de premiações, o que de certa forma, ainda que seja a porta de entrada de muitos

autores, dilui a qualidade geral da produção serrana. Em muitos casos, a premiação para determinado escritor poderá contribuir para impulsionar sua carreira, ou para extingui-la. Entretanto, apesar de observar que existem muitos textos ruins sendo premiados, o editor acredita que, daqui a algum tempo, a Serra Gaúcha irá crescer nesse aspecto e melhorar as avaliações dos textos. Ele defende, inclusive, que se em determinado edital não houver obra que detenha qualidade (ainda que "qualidade" seja um critério inevitavelmente atravessado pela subjetividade do avaliador), ninguém seja contemplado.

Apesar dos altos orçamentos propostos por algumas editoras locais e da grande quantidade de textos premiados considerados de baixa qualidade, conforme apontaram alguns dos editores do sistema, acredita-se que o financiamento público ainda é fundamental para o contínuo desenvolvimento da paisagem literária serrana. É preciso buscar soluções para qualificar as diferentes etapas dos concursos, para que seja feito o uso consciente, adequado e efetivo das verbas públicas disponibilizadas para a publicação literária, de modo que os resultados sejam ainda mais oportunos e para que o sistema literário em questão siga se fortalecendo. Portanto, para alguns editores, o financiamento público é uma excelente iniciativa, mas deve ser repensado.

Vale mencionar que os entrevistados acreditam que é muito bom para as editoras serranas publicar autores oriundos da região, uma vez que dessa forma contribuem para manter e renovar o cenário literário regional. Entretanto, o que realmente importa é a qualidade do texto literário; nenhuma editora irá pagar os custos da edição só porque o escritor pertence à mesma região de origem que ela. Conforme os entrevistados, o que realmente faz a diferença é a qualidade do texto e a existência de um público leitor interessado na obra e no seu escritor.