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A primeira autobiografia de Lipe, escrita aos 10 anos

CAPÍTULO 4 – A ELABORAÇÃO DO MODELO DIDÁTICO

5.1. Apresentação do gênero autobiografia aos alunos

5.1.3. A primeira autobiografia de Lipe, escrita aos 10 anos

Lipe, nosso terceiro sujeito de pesquisa, nasceu em 16 de janeiro de 1998, em São José dos Campos-SP. Filho de pais pertencentes à classe popular, morou na favela do Morro do Regaço, durante sua infância, um lugar com alto índice de violência.

É aluno da escola Rosa Tomita desde o 1o ano.

Participou em 2008 do projeto “Pequenos Grandes Escritores”, como enunciador de sua autobiografia, com muito entusiasmo. Seu compromisso foi tão grande em relação à sua participação que sua mãe relatou que mesmo doente ele não quis faltar às aulas.

Abaixo apresentamos a transcrição do primeiro texto de Lipe, cujo original é reproduzido no Anexo V. Foram mantidas as características originais do texto:

• Eu nasci dia 16/01/1998 e nasci em – São José dos Campos // e gostode – falar das minhas familhas e domeu pai e da minha mãe e nasci no os pitor do jardim São José dos campos e o meu nome é Lipe.

• A minha familha é muito feliz com – a minha familha e a doro de a – judar as pessoas da minha familha e as minhas tias eu fasso as – coisas para élas.

• O meu pai nasceu em são José dos – Campos ele a dora faser muitas coisas e ele gosta de brincar comigo – e com o meu irmão, com a minha – irmão e ate com todos.

• A minha mãe nasceu em São José – dos Campos e a minha mãe meajuda– a faser as tarefas e gosta de brincadeiras e ate com os meus irmães e a familha daminha mãe gostão de mim e – ate a minha vo gosta de mim e o – meu avo gosta de mim //.

• Quando nos viemos para o jardim – São José dos Campos no morava – La nomorro de rejaso e o prefeito – o brigou para nos sair dela e ate em trou policias de para choque //.

• A minha infancias éra muito legau quando eu tinha 5 sinco anos eu já – sabia andar como eu fu creseno – eu fui andando mais ainda.

• eu fui para o pre com 8 ito – anos mas daí voufalar mais um poucro do meu prezinho e dos mus – amigos é marcelo e felipe, Luiz Felipe – e mais outros mais e aminha – professora éra Marta. e ela era – muito legau //.

• Mas eu sai dopre e fui para – es cola E. ME. F. “Profa Rosa tomita”

com 9 novi anos//.

• A minha a legrias ele ficar com os meus pais e nuca queria sair – de perto da minha mãe.

• A minha tristesa é que o meu – pai nuca para trabralha para – comprar as coisa que fauta – da minha case.

• O meusonha é ser trabolhador e ser bombreiro para a judar – aspessouas que tem asidente – e a pagar os fogo que é incedio. • ésa istoria foi que eu comte – para vosis foi muito ele quante – esa

istoria foi um final felis.

Foi o primeiro texto autobiográfico de Lipe, cuja planificação pode ser assim descrita: I – Os dados pessoais.

II – A relação familiar. III – A mudança de bairro. IV – A infância e a pré escola V – A entrada na escola

VI – Retoma a relação familiar; o sonho e a avaliação da sua história.

Como vimos acima, o autor organizou seu texto em partes, de acordo com as escolhas dos fatos e acontecimentos que fez, para escrever sua autobiografia.

Observamos segmentos de discurso de relato interativo marcados pela presença da primeira pessoa, o enunciador, Lipe. Em relação aos tempos verbais, observamos marcas referentes ao pretérito perfeito e imperfeito, assegurando a temporalidade no relato. Entretanto, não constatamos organizadores temporais que ajudam na coesão verbal do texto, com exceção do quando, como podemos notar nos dois segmentos a seguir: quando nós viemos para o jardim São José dos Campos –nós morávamos lá no Morro de Rejaso e o prefeito obrigou-nos a sair de lá, até entraram policiais de choque e a minha infância era muito legal, quando eu tinha 5 cinco anos eu já sabia andar, e conforme eu fui crescendo eu fui andando mais ainda.

Observamos também segmentos de discurso interativo, destacando-se frases com verbos no presente do indicativo e pronomes de primeira pessoa que revelam a implicação do enunciador que tenta expor os seus sentimentos em relação ao pai e ao sonho que tem para

ajudar as pessoas, como podemos observar em: a minha tristeza é que o meu pai nunca para de trabalhar para comprar as coisas que faltam na minha casa e o meu sonho é ser trabalhador e ser bombeiro para ajudar as pessoas que têm acidente e apagar o fogo que é incêndio. A alta frequência de verbos no presente compromete o discurso predominante da autobiografia. Além desses segmentos, outros se destacam.

Lipe apresenta em seu texto segmentos de scripts, uma organização linear, sem nenhuma tensão, como em: a minha infância era muito legal, quando eu tinha 5 cinco anos eu já sabia andar, conforme eu fui crescendo eu fui andando mais ainda.

Nos mecanismos de coesão nominal, os sintagmas e pronomes, Lipe repete-os no texto, como no caso de família, cinco vezes, das quais três no mesmo parágrafo. Essas ocorrências são características do uso oral da língua. Quanto às anáforas pronominais ou por apagamento do pronome, elas são observadas, como em: e as minhas tias, eu faço as coisas para elas. O pronome eu é constantemente repetido no texto, como em: a minha infância era muito legal, quando eu tinha 5 cinco anos eu já sabia andar, conforme eu fui crescendo eu fui andando mais ainda. Isso demonstra que o aluno não faz uso do apagamento do pronome, portanto, a coesão nominal fica comprometida. Essas marcas pertencem às características que evidenciamos ao analisar as autobiografias de Machado (2006) e Teixeira (2006).

Ao analisar o texto destacamos nos mecanismos enunciativos a presença da voz do enunciador, que mostra quem se responsabilizou pelo que foi enunciado, numa relação de implicação, marca do gênero autobiografia.

Observamos marcas de subjetividade, de ordem axiológica, que expressam a opinião do autor de modo objetivo, como em: a minha família é muito feliz, quando o enunciador se refere à sua família e o que ela representa para ele. Em a minha infância era muito legal percebemos a felicidade que o autor sentia em sua infância. Já em a minha professora era Marta, e ela era muito legal observamos a admiração de Lipe pela professora. Concluindo, o autor encerra seu texto dizendo que sua história terminou bem: essa história foi um final feliz.

Como vimos o aluno permeou o seu texto com marcas subjetivas, dando vida ao relato e demonstrando sua sensibilidade.

Finalizando a análise, constatamos que o autor mobilizou algumas marcas do gênero autobiografia, como sua presença no texto com o uso de pronomes de primeira pessoa e tempos verbais no pretérito perfeito, mostrando seu caráter retroativo; a alta frequência de verbos no presente e o número reduzido de organizadores temporais prejudicou o relato. Além

disso, constatamos no texto problemas na coesão nominal, essenciais na autobiografia; o texto conta ainda com marcas de subjetividade, próprias do gênero, como indicamos na Tabela 5.3.

Capacidades

de linguagem Produção inicial

Capacidade discursiva

Plano geral do texto

O plano geral não segue uma ordem cronológica dos fatos O texto conta com 323 palavras

Tipo de discurso

Discurso de relato interativo

Discurso interativo (alta frequência compromete o relato) Tipo de sequência Segmentos de scripts Capacidade linguístico- discursiva

Conexão 2 organizadores temporais (quando) comprometendo o relato Coesão

nominal

4 anáforas pronominais e 4 ocorrências por apagamento do pronome e 3 anáforas nominais (coesão nominal prejudicada) Coesão

verbal

Presença dos tempos verbais no pretérito perfeito (17) e imperfeito (6) = 23 ocorrências

Presença dos tempos verbais no presente = 20 ocorrências Vozes Presença da voz do enunciador

Marcas de subjetividade

4 marcas representadas por adjetivos de ordem axiológica

TABELA 5.3. Capacidades de linguagem adquiridas por Lipe. Fonte: elaborada pela autora.