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A infraestrutura geral do texto: plano geral, tipos de discurso e sequências

CAPÍTULO 4 – A ELABORAÇÃO DO MODELO DIDÁTICO

4.3 Análise das autobiografias

4.3.1. A autobiografia de Machado (2006)

4.3.1.1. A infraestrutura geral do texto: plano geral, tipos de discurso e sequências

O plano geral do texto apresenta-se organizado em capítulos, seguindo uma sequência temporal dos fatos e acontecimentos da vida da autora, da seguinte forma:

• No 1o capítulo, “Ora direis, ouvir histórias”, a escritora relata sua origem; seu

nascimento; sua família; os lugares onde morou em sua infância.

• No 2o capítulo, “Primeiras histórias”, ela relata o incentivo à leitura que seus

pais lhe davam; seus avós e seus tios contando causos e suas histórias, mesmo antes que ela soubesse ler; relata como aprendeu a ler e enumera suas leituras favoritas.

• Já no 3o capítulo, “Felicidade clandestina”, relata sua passagem pelo colégio; o

contato que teve com autores famosos; as discussões sobre leitura em sua família; a vontade de “domar” as palavras; as cartas que escrevia ao namorado que morava em Vitória-ES e a incerteza do caminho que deveria seguir quando começou a desenhar e a pintar.

• Em “A palavra escrita”, 4o capítulo do livro, a autora discorre sobre o seu gosto

pela leitura, sua passagem pelo colégio misto (pela 1a vez), onde fez sucesso com os meninos; o início de sua carreira no mundo das letras; a entrada na universidade; sua ida para o Museu de Arte Moderna; o 3o ano da faculdade, quando se ofereceu para trabalhar num jornal como repórter; a arte de continuar pintando; o início dos anos 1960, quando trabalhou como voluntária,

alfabetizando operários da construção, pelo método Paulo Freire; a sua formatura, em dezembro de 1964.

• No 5o capítulo, “A palavra chama”, Ana Maria relata que estava terminando o

mestrado e se preparava para ir à Espanha, com uma bolsa de estudos, quando conheceu seu futuro marido; casou-se e teve seu 1o filho; sua atividade nessa época era a de traduzir, além de continuar pintando e iniciar a atividade de fotografar; sua resistência à ditadura; o Ato Institucional n 5; sua prisão; o exílio; a ida para a editora Abril, para escrever as histórias da revista Recreio; a sua imensa paixão pela língua portuguesa e sua separação.

• No último capítulo “Como uma onda no mar”, a escritora conta sobre o resgate das histórias de sua infância, com a ajuda de sua mãe e o começo de uma história prodigiosa na literatura infanto-juvenil; suas dificuldades e, também, o seu sucesso com a venda de livros e muitos prêmios recebidos em função de seu trabalho, além de seu novo casamento.

Quanto ao tipo de discurso predominante, temos o discurso de relato interativo, da ordem do narrar, de caráter disjunto-implicado, isto é, o agente-produtor, o interlocutor, e o espaço/tempo em que acontece a ação de linguagem estão explícitos, embora afastados do tempo dos acontecimentos da ação, como o trecho a seguir: “tudo o que eu queria era aprender logo a ler, para entrar naquele mundo. Acabei aprendendo muito cedo, com menos de cinco anos, mas não lembro como foi” (MACHADO, 2006, p. 16, grifo nosso).

Além da presença de discurso de relato interativo, observamos também alguns segmentos de discurso teórico com verbos no presente do indicativo e ausência de uma referência ao agente-produtor e ao espaço-tempo da produção, revelando, dessa forma, uma relação de autonomia ao momento do qual o texto se origina. A presença desse segmento ao longo do relato deve-se a uma necessidade da autora em responder a uma pergunta: de onde viemos? E, assim, iniciar a sua história a partir da história de sua família, conforme indica o segmento abaixo:

As grandes civilizações orientais, em sua sabedoria, têm no culto aos antepassados e no respeito aos ancestrais uma de suas pedras de toque. Para os romanos, esse culto se materializava no fogo sagrado que toda família devia manter aceso em casa, oferenda aos deuses lares – de onde vêm as palavras lar e lareira, sinônimos de aconchego familiar, em casa gostosa. Índio faz questão de saber onde estão enterrados os crânios dos que o precederam. (MACHADO, 2006, p. 3)

Há inserção de segmentos de discurso interativo, em discurso direto, marcados por turnos de fala e, frequentemente, realizados por tempos do verbo no presente ou por uma forma de futuro perifrástico, além de frases interrogativas e exclamativas, como em:

– Desculpem, vocês estão me confundindo com Maria Clara Machado... Eu sou professora universitária, trabalho com Teoria Literária, não entendo nada de criança.

– Por isso mesmo.

– Quem mais está nesse projeto? – Bom, aí do Rio tem o Joel Rufino...

– A Sônia mandou dizer que não vai aceitar um não. E que a Ruth já topou. – Sonia Robatto?

– Claro! Ela é que está editando a revista. (MACHADO, 2006, p. 55-56)

A presença de segmentos de discurso interativo é efetivada a partir da sequência dialogal estruturada em turnos da fala assumidos pela enunciadora ou por personagens postos em cena ao longo da história, como é o caso do trecho acima apresentado que se trata do diálogo entre a enunciadora e alguém da editora Abril, convidando-a para participar de uma revista de histórias infantis que seria editada por Sonia Robatto.

Além de segmentos de sequência dialogal, o texto apresenta, também, inúmeros segmentos de sequências descritivas, com o objetivo de guiar o olhar do leitor sobre alguns aspectos do conteúdo temático e fazê-lo ver com detalhes o que lhe é apresentado, como em:

Na carroceria, em cima de colchões, trouxas, malas, móveis, sacos de mantimentos, caixotes de livros e capoeiras cheias de galinhas e patos, encarapitavam-se os homens e as crianças. Lá ficávamos dois meses, amontoados numa casa de quatro quartos e ampla varanda, com crianças se espalhando para dormir em esteiras e redes por todo canto. Tinha mar na porta, árvores no quintal, mata nos fundos, riozinho para pescar, carroça, animais, frutas. E um monte de livros, que ninguém dispensava levar uma boa provisão e era um troca-troca de dar gosto... (MACHADO, 2006, p. 14- 15)

A sequência descritiva acima destacada faz-nos visualizar, com detalhes, o caminhão com a mudança da enunciadora e o local onde passou a morar. A sequência descritiva permeia o gênero autobiografia, pois é a partir dela que a autora consegue mostrar ao leitor como eram seus parentes, a escola onde estudou e os lugares por onde passou.

Aparece também outra forma de sequência, os scripts, segmentos do conteúdo temático que pertencem à ordem do narrar e apresentam-se nos acontecimentos ou ações constitutivos da história narrada dispostos em uma sequência cronológica sem qualquer processo de tensão, como neste segmento: “jantávamos cedo, à luz do dia. Depois, em volta

de uma fogueirinha, ouvíamos e contávamos histórias. Em noites de luar, saíamos para caminhar na praia e fazíamos concurso de quem contava a história mais bonita” (MACHADO, 2006, p. 15).

Observamos que o texto todo é organizado em scripts: por se tratar de uma autobiografia, os acontecimentos se sucedem em ordem cronológica dos fatos.

Em suma, temos:

a) predomínio de tipo de discurso implicado de relato interativo; b) segmentos de discurso interativo em discurso direto;

c) segmentos de discurso teórico; d) scripts;

e) sequências descritivas.

Após a análise do plano geral, dos tipos de discurso e das sequências, na seção seguinte passaremos à análise dos mecanismos de textualização.