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A primeira autobiografia de Lu, escrita aos 10 anos

CAPÍTULO 4 – A ELABORAÇÃO DO MODELO DIDÁTICO

5.1. Apresentação do gênero autobiografia aos alunos

5.1.6. A primeira autobiografia de Lu, escrita aos 10 anos

Nosso sexto sujeito de pesquisa foi denominado por nós de Lu. Ela nasceu em 31 de março de 1998. Filha de pais de baixa renda, também morava na favela até o final de 2003. É uma menina interessada que gosta muito de estudar. Vive com os pais biológicos e tem um irmão.

Aos 7 anos iniciou o ensino fundamental na escola Rosa Tomita.

Em 2008, quando participou do projeto, “Pequenos Grandes Escritores”, como enunciadora de sua autobiografia, Lu, que já gostava de ler, ficou encantada com a leitura da autobiografia de Ana Maria Machado (2006), pois foi a partir das leituras entre a família e de seu gosto pela leitura e escrita que a autora tornou-se umas das mais conceituadas escritoras brasileiras de literatura infanto-juvenil. A partir daí, Lu sonha em ser escritora de contos infantis e passou, também, a participar do projeto Decolar, pelas habilidades que tem em ler e criar histórias, indo atrás de seu sonho.

Abaixo apresentamos a transcrição do primeiro texto de Lu, cujo original é reproduzido no Anexo XI. Foram mantidas as características originais do texto:

Nascida na maternidade Santa casa, 1998 dia 31 de março às 23:58 hs eu vinha ao mundo naci em São José dos Capos uma cidade que eu gresi e me desenvouvi.

Filha de José Nazario Santos Filho e de Roseli Arruda Santos, irmã de Weillam Felipe Arruda Santos.

Quando eu nasci meu nome Ra para ser Milema mas na hora do parto minha mãe colocou meu nome de Lu. Quando eu era bebê com 1 ano falei minha primeira palavra pa que sigunifica pai //.

O tempo passo e chegou uma época que meu pai ficou desempregado, a firma que ele trabalhava faliu então teve que fechar, so que a a firma fecho e não deu o dinheiro para o meu pai foi muitos dias de deficudade, até que um

dia meu pai comeso a fazer bicos e conheceu um home que chamou ele para trabalhar em uma firma, meu pai aproveitou a oportunidade e foi trabalhar. Eu alenbro áte hoje quando o meu pai recebeu seu primeiro pagamento ele compro uma boneca para mim e um videogueime para me ermão, a boneca era mas crande do que eu mau eu cosiguia pegar ela no colo //.

Com 5 anos entrei no pré pois estavacom mau sorte peguei uma profo que

parecia uma bruxa de TAM rum que ele é, sabe no dias dos profo minha mãe

deu um livrão de receitas para ela pois ela teve a cara de pal de dizer para minha que ela não cozinhava //.

Com 6 anos tive que fazer o presinho mas uma vez peguei uma profo chamada Cristiana ela era mais legal que a Cline, foi ai neste ano que eu aprendi a escrever //.

Com 7 anos me chamaram para mim estudar na Escola Rosa Tomita, no meio do ano da profo Patricia me ensinou a ler foi uma das coisas mas legal que eu fis na 1a serie eu já sabia ler, na 2a serie peguei a mesma profo que do mesmo jeito que eu aprendi a ler e aprendi a escrever de letra de mão. Na 3a série peguei uma profo Chamada Vera que me ensino a melhora mais. Na 5a serei fiquei com a profo Marli um profoque me emsinou tudo //.

Em todas as férias que tenho brinco de escolinha e peso quando vou ter responsabilidade e ser conhecida como uma das melhores escritora de livros efantiu.

Lu esta foi minha autobiografia //.

Iniciamos a análise do texto de Lu pelo plano geral, que pode ser assim descrito: I – Os dados pessoais, a cidade onde nasceu e cresceu, o nome de seus familiares e o nome que teria.

II – O desemprego de seu pai.

III – A pré-escola aos cinco anos e sua continuidade. IV – O início na Escola Rosa Tomita e sua continuidade. V – As brincadeiras de escolinha e o sonho.

Como podemos observar, a autora divide seu texto seguindo uma ordem cronológica dos fatos e acontecimentos de sua vida, servindo-se de organizadores temporais.

Notamos que o uso da 1a pessoa do singular e do plural são marcas que mostram a presença da enunciadora no texto. O predomínio dos verbos no pretérito perfeito e imperfeito e dos organizadores temporais é outra marca que garante a sequência dos fatos no relato e que, juntamente, asseguram a coesão verbal do texto. Essas ocorrências caracterizam o discurso de relato interativo, portanto, percebemos que Lu mobilizou características do gênero autobiografia, e as disponibilizou ao seu leitor, como em: na 3a série peguei uma profª chamada Vera que me ensinou a melhorar mais. Na 5a série [eu] fiquei com a profª Marli, uma profª que me ensinou tudo e com 6 anos [eu] tive de fazer o prezinho, mas dessa vez

[eu] peguei uma profª chamada Cristiana, ela era mais legal que a Cline, foi aí, nesse ano, que eu aprendi a escrever.

Notamos, também, alguns segmentos com unidades que remetem à própria interação verbal, tempos verbais no presente, juntamente com marcas de primeira pessoa, de caráter conjunto implicado, do mundo discursivo do expor, caracterizando discurso interativo, como em: em todas as férias que [eu] tenho [eu] brinco de escolinha e penso em quando vou ter responsabilidade e ser conhecida como uma das melhores escritora de livros infantis.

Outra ocorrência observada são os segmentos de scripts, predominando o relato que representam uma sequência nos acontecimentos constitutivos na autobiografia de Lu, sem evidenciar nenhum processo de tensão, como em: quando eu nasci meu nome era para ser Milema, mas na hora do parto minha mãe colocou meu nome de Lu. Os scripts predominam no gênero autobiografia.

Nos mecanismos de coesão nominal, destacamos algumas anáforas nominais, pronominais ou por apagamento do pronome, como em:

Com 7 anos me chamaram para estudar na escola Rosa Tomita, e no meio do ano a profa Patricia me ensinou a ler, foi uma das coisas mas legais que eu fiz na 1a serie, eu já sabia ler, na 2a serie [eu] peguei a mesma profa e do mesmo jeito que eu aprendi a ler [eu] aprendi a escrever, com letra de mão.

Na 3a série peguei uma profª chamada Vera, que me ensinou a melhorar

mais. Na 5ª série fiquei com a profª Marli, uma profªque me ensinou tudo.

Essas ocorrências são comuns em textos pertencentes ao gênero autobiografia.

Em relação aos mecanismos enunciativos presentes no texto de Lu, constatamos a voz da enunciadora durante o relato e a voz da professora em discurso indireto, em pois ela teve a cara de pau de dizer para minha que ela não cozinhava.

Destacamos no texto, ainda, uma ocorrência de modalização deôntica, em tive que fazer o prezinho mais uma vez. A enunciadora revela a obrigatoriedade de fazer o prezinho novamente, não deixando explícito por quê. Todavia, sabemos que, há bem pouco tempo, as crianças só entravam no ensino fundamental a partir dos 7 anos. Nesse sentido, com 6 anos ela teve de fazer novamente a pré-escola, seguindo normas do mundo social.

Encontramos também marcas de subjetividade representadas por adjetivos de ordem axiológica, como em Cristiana, ela era mais legal e foi uma das coisas mas legais que eu fiz, características presentes no gênero autobiografia.

Concluímos a análise do primeiro texto de Lu da seguinte forma: ela mobilizou marcas do gênero autobiografia ao fazer uso da primeira pessoa, dos tempos verbais pretérito perfeito e imperfeito, dos organizadores textuais, marcando a ordem cronológica dos fatos, e além disso, a autora conta sua história desde o nascimento, conforme ilustra a Tabela 5.6.

Capacidades

de linguagem Produção inicial

Capacidade discursiva

Plano geral

do texto O plano geral segue uma ordem cronológica dos fatos O texto conta com 406 palavras Tipo de

discurso

Discurso de relato interativo predominante Discurso interativo Tipo de sequência Predominância de scripts Capacidade linguístico- discursiva

Conexão Organizadores temporais: 10 ocorrências Coesão

nominal

Ocorrência de 8 anáforas pronominais e 16 ocorrências por apagamento do pronome; 1 nominal e 1 por repetição Coesão

verbal

Presença dos tempos verbais no pretérito perfeito (41) e imperfeito (11) = 52 ocorrências

Presença dos tempos verbais no presente = 8 ocorrências Vozes Presença da voz enunciadora

Modalizações Marcas de subjetividade

1 ocorrência de modalização deôntica

2 marcas representadas por adjetivos de ordem axiológica TABELA 5.6. Capacidades de linguagem adquiridas por Lu.

Fonte: elaborada pela autora.

Encerramos a análise do primeiro texto dos seis alunos que realizaram todas as atividades, conforme explicitamos na metodologia. Entretanto, deixamos de apresentar as análises escritas de mais seis alunos que realizaram a primeira produção, tendo em vista que eles não fizeram todas as atividades da sequência didática, incluindo alguma reescrita e produção final, sendo assim, não poderíamos comparar as duas autobiografias, inicial e final, após a realização da sequência didática. Ao verificar os problemas desses textos, constamos que são tão recorrentes como nos textos analisados, portanto, não haveria prejuízo na sequência, pois os principais problemas dos outros textos foram contemplados.

Essa primeira análise nos forneceu pistas para um trabalho de intervenção que permitirá elaborar uma sequência didática, organizada em módulos de aprendizagem, adaptada às reais capacidades dos alunos (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004).