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A realidade no Projeto para uma psicologia científica.

O sentido de realidade em Freud

1.1 Freud e a função do real.

1.1.2 A realidade no Projeto para uma psicologia científica.

Publicado apenas nos anos 50, após ser descoberto entre os documentos e as cartas pertencentes à correspondência entre Freud e Fliess, é possível inferir do conteúdo das missivas que Freud esteve envolvido com a elaboração dos conceitos com a escritura do Projeto para uma psicologia científica ao longo de todo o ano de 1895. Na carta datada em 20 de Outubro desse ano, Freud afirma:

“Tudo pareceu encaixar-se, as engrenagens se entrosaram e tive a impressão de que a coisa passara realmente a ser uma máquina que logo funcionaria sozinha. Os sistemas de neurônios; os estados livres e ligados de Qn; os processos primário e secundário; a tendência principal e a tendência de compromisso do sistema nervoso; as duas regras biológicas da atenção e da defesa; as características de qualidade, realidade e pensamento; o estado do grupo psicossexual; a determinação sexual do recalcamento; e, por fim, os fatores que determinam a consciência como função da percepção – tudo ficou e continua correto até hoje!” (Freud, 1950[1895]/1986, p.147).

Na carta de 8 de Novembro desse mesmo ano, Freud afirma ter engavetado os textos sobre psicologia para desenvolver outros trabalhos que requeriam urgência. No entanto, algumas passagens da carta fornecem indícios de que não apenas os compromissos profissionais levaram ao engavetamento do esboço de uma psicologia científica, como também a constatação de problemas conceituais presentes no artigo, que nunca foi enviado para publicação. Ele escreve a Fliess: “Desde que pus a ΦΨω de lado, sinto-me abatido e desencantado; creio não estar de modo algum à altura de suas congratulações” (p.151).

Ainda que engavetado e nunca publicado, o sistema que Freud expõe no Projeto é apontado por comentadores de sua obra como sendo de grande relevância para compreensão de suas ideias posteriores, não apenas na qualidade de documento histórico de suas ideias, mas também em um sentido sistemático-conceitual. No que diz respeito diretamente a nosso objeto de investigação, essa obra apresenta pela primeira vez o regime do que será posteriormente denominado como princípio do prazer e também os primeiros esboços teóricos sobre a instalação do teste de realidade. Além

disso, Dayan (1985) aponta que é no Projeto que se encontram as premissas da distinção entre realidade psíquica e realidade material na obra de Freud, sendo o conceito de realidade de pensamento (Denkrealität) apresentado aqui, um percussor do que viria a ser posteriormente o conceito de realidade psíquica.

No texto em questão, encontra-se desenhado o primeiro modelo explicativo do aparelho psíquico e os princípios de seu funcionamento. Baseado nos pressupostos da escola de Helmholtz e de Du Bois-Reymond, que buscavam estabelecer explicações em termos exclusivamente físico-químicos para o funcionamento do organismo (Monzani, 1989), já na introdução do texto é possível encontrar a adesão a esse parâmetro, anunciada na seguinte forma: “A intenção é prover uma psicologia que seja ciência natural; isto é, representar os processos psíquicos como estados quantitativamente determinados de partículas materiais especificáveis, tornando assim esses processos claros e livres de contradição.” (p.347). Seguindo esses preceitos, o Projeto é sustentado por dois elementos básicos que lhe servem de alicerce: o neurônio |N|, unidade mínima constituinte do aparelho e que é animado por uma quantidade |Qn| que deve obedecer às leis gerais do movimento, mas cuja natureza não é indicada ao longo do texto.

Freud anuncia que a decisão pela inserção do fator quantitativo como um dos elementos básicos para o modelo está diretamente relacionada às observações advindas da clínica das neuroses, casos de histeria e neurose obsessiva nos quais “a característica quantitativa emerge com mais clareza do que seria normal” (p.347). Essa excitação neuronal representada pelo fator quantitativo não é uma propriedade fixa e estável dos neurônios, mas uma atribuição móvel, em estado de fluxo, e que está submetida a duas leis de funcionamento. O princípio inicial de regimento do fluxo de Q é denominado princípio de inércia, princípio que especifica que toda a quantidade que entrar no sistema neuronal deverá sair através de descargas motoras, tal como o modelo do arco reflexo determina. No entanto, quanto mais a complexidade do organismo for aumentando, o sistema neuronal passa a receber estímulos de dentro do próprio organismo que reclamam satisfação para que ele possa se manter vivo, tal como a nutrição, reprodução, respiração. O sistema neuronal não pode lidar com o estímulo exógeno do mesmo modo como o estímulo endógeno, já que não é suficiente e possível livrar-se da quantidade advinda de dentro do organismo de forma total. Isso ocorre devido ao fato de que os estímulos endógenos só cessam após ser satisfeitos diante uma ação do organismo no mundo externo – uma ação específica – que demanda do sistema uma quantidade de energia para ser realizada. O sistema deve agora reter alguma

quantidade para poder trabalhar na ação específica quando os estímulos endógenos reclamarem por ela. Entretanto, ainda que comece a existir essa diferenciação, que exige a manutenção de uma certa quantidade no interior do sistema, essa quantidade não poderá sofrer grande incremento. Ou seja, ainda que o sistema consiga tolerar alguma quantidade em seu interior, ela não pode ferir e se afastar muito do que estava estabelecido pelo princípio anterior, exigindo que a quantidade se mantenha constante e ao nível mais baixo possível. A esse novo princípio Freud denominou princípio de constância.

Quanto aos neurônios, Freud os caracteriza como possuindo duas extremidades: receptora e de descarregamento, de modo que não haveria neurônios específicos para recepção e outros para descarga da quantidade, sendo cada neurônio um “modelo de todo o sistema nervoso, com sua dicotomia de estrutura” (p. 350). A quantidade advinda tanto de dentro quanto de fora do organismo que alcançar o sistema nervoso passa do polo receptor ao polo de descarga dos neurônios que estão em conexão uns com os outros, formando assim uma espécie de tecido de comunicação neuronal através do qual a quantidade poderá fluir. No entanto, como a presença dos estímulos endógenos necessita de uma quantidade permanente dentro do sistema para a realização da ação específica que leva à satisfação, é preciso que os neurônios possam contar com um mecanismo para a retenção, e não apenas para a passagem livre da quantidade. Essa função será operada pelas barreiras existentes nos contatos entre os neurônios, as barreiras de contato.

Nesse momento, Freud insere uma diferenciação funcional nos elementos que compõem o tecido neuronal do sistema, tornando assim mais complexa as suas atribuições. Embora cada neurônio seja igual ao outro morfologicamente, eles serão divididos em duas classes de acordo com suas funções: os neurônios que deixam passar a quantidade “como se não tivessem barreiras de contato” e que se mantêm inalterados após esses processos, e os neurônios em que as barreiras de contato são atuantes, permitindo a passagem da quantidade com dificuldade ou parcialmente e que são transformados após o trajeto de passagem das quantidades ter sido realizado. Esses dois tipos de neurônios irão formar sistemas distintos dentro do aparelho: os neurônios que são permeáveis à passagem da quantidade irão compor o sistema da percepção, enquanto os neurônios que são modificáveis após o contato com as quantidades irão formar a memória do aparelho. Para Freud, a explicação para as funções de percepção e memória era algo que não poderia faltar em uma teoria científica do aparelho psíquico e

ele tentará dar novos contornos a essa explicação em outros textos, mas principalmente em Uma nota sobre o bloco mágico, de 1925.

Assim, o aparelho pensado por Freud será formado por sistemas neuronais com funções diferentes de tratamento dos estímulos. Aquele composto por neurônios permeáveis, com barreiras de contato inativas, e constantes em sua forma foi denominado sistema Φ, o sistema da percepção, que estará voltado para trabalhar as quantidades advindas do mundo externo. Quanto ao outro sistema de neurônios, aquele destinado à memória do aparelho, será chamado sistema ψ, composto pelos neurônios cujas barreiras de contato estão ativas e que por isso se tornam diferentes após a passagem da quantidade. Essa modificação permanente nos neurônios do sistema de memória foi denominada conceitualmente de Bahnung (facilitação ou trilhamento) e são os caminhos abertos após a passagem da quantidade. Entretanto, os caminhos abertos não têm a mesma valência para o sistema, de modo que se impõe uma diferenciação entre eles. Segundo Freud, de acordo com a magnitude de uma impressão e a quantidade de vezes que ela se repete no sistema, destacam-se espécies de caminhos preferenciais a serem trilhados pela quantidade quando o aparelho é excitado novamente. Ou seja, além de existirem vias de facilitação na memória, o sistema conta também com diferenças de valor entre esses caminhos, para que não sejam indistintos. Segundo Freud, esse sistema de memória estará destinado a receber quantidades do sistema Φ, através dos neurônios pallium (ou manto), e de dentro do organismo, através dos neurônios nucleares, não estando em contato direto com o mundo externo.

Mas, além de ser capaz de descrever memória e percepção, Freud afirma que uma teoria do funcionamento psíquico deve também poder responder o que seria a consciência. De acordo com Freud, a seara da consciência deverá ser aquela responsável pela atribuição de qualidades em um aparelho no qual os demais sistemas trabalham apenas com quantidades. No entanto, logo de saída, Freud já anuncia a dificuldade que encontra ao tentar teorizar sobre a consciência e que apenas conseguiu responder a alguns aspectos muito básicos da questão com o seu modelo teórico.

“A consciência nos dá o que se convencionou chamar de qualidades – sensações que são diferentes numa ampla gama de variedades e cuja

diferença se discerne conforme suas relações com o mundo externo.

Nessa diferença existem séries, semelhanças etc., mas, na realidade, ela não contém nada de quantitativo. Pode-se perguntar como se originam as qualidades e onde. Trata-se de perguntas que exigem um

exame extremamente atento e que aqui só pode ser abordado superficialmente.” (Freud, 1950[1895]/1996, p. 360, grifos do autor).

No modelo de Freud, o funcionamento da consciência será contemplado pelos neurônios que formam o sistema ω, aquele capaz de converter a quantidade em qualidade (sensações conscientes), até então ausente nos outros sistemas. Para Freud, é necessário que um sistema no aparelho esteja responsável por atribuir as qualidades de uma impressão, visto que, segundo ele, elas não serão inerentes aos estímulos advindos do mundo externo:

“Onde se originam as qualidades? Não no mundo externo. Lá segundo o parecer da nossa ciência natural, à qual também devemos submeter a psicologia aqui [no Projeto], só existem massas em movimento e nada mais” (Ibid., p. 360).

Tampouco as qualidades ou sensações conscientes poderiam vir do sistema de memória, cuja função é a de rememoração, processo que é desprovido de qualidades. Apesar de relacionar-se à percepção, a consciência também não poderia ser confundida com ela, pois de acordo com Freud isso contrariaria a concepção de o sistema de consciência estar em níveis mais altos do sistema nervoso. Nesse modelo descrito por Freud, as sensações conscientes não são, portanto, equivalentes aos dados do mundo externo ou algo que é responsabilidade e produto do sistema de percepção. Torna-se então necessário criar um novo sistema para explicar o funcionamento da consciência.

As características da consciência segundo Freud seriam a mutabilidade do conteúdo, seu caráter transitório e a combinação de qualidades percebidas, mas ele observa que a sensação consciente só poderia ocorrer mediante níveis muito baixos de quantidade. Freud presume que os neurônios que constituem o sistema da consciência não recebam muita quantidade, e que estejam expostos aos denominados períodos de excitação, um fator temporal do estímulo e do movimento neuronal dos outros sistemas:

“Os órgãos do sentido não só funcionam como telas de Q, a exemplo de todos os dispositivos de terminações nervosas, mas também como peneiras; pois só deixam passar estímulos provenientes de certos processos de um período particular. É provável que eles então transfiram essa diferença a f, por comunicar ao movimento neuronal períodos que diferem de algum modo análogo (energia específica); e são essas modificações que passam através de Φ, via ψ, até ω, e aí onde estão quase desprovidos de quantidades, geram sensações conscientes de qualidades. Essa transmissão da qualidade não é

duradoura; não deixa rastro e não pode ser reproduzida.” (Ibid., p. 363).

Não há muitos dados mais a respeito da ideia de período de excitação5 no texto, mas sabemos que somente os neurônios do sistema ω seriam capazes de decodificar esse caráter temporal proveniente da estimulação. Ou seja, para os outros sistemas cujos neurônios são aptos a trabalhar com quantidades, o período da excitação seria monótono e sua função seria transmiti-lo para o sistema ω, o único capaz de decodificar essa informação, podendo criar as qualidades sensoriais. Em nota de rodapé mais adiante (p. 365), Freud novamente refere-se ao período da seguinte maneira:

“(...) nem os “processos” do mundo externo nem os “estímulos” que passam através dos “aparelhos de extremidades nervosas” para Φ, nem as catexias em Φ ou em ψ possuem “qualidade”, mas apenas uma

característica qualitativa – um “período” – que, quando chega a ω, converte-se em qualidade.” (Ibid., p.365).

Há mais uma classe de sensações conscientes que seria sensível ao período e ao aumento de quantidade em ψ, que são as sensações de prazer e desprazer. Nesse caso, o sistema ω seria sensível ao aumento ou diminuição de quantidade no sistema ψ, o que seria significado como desprazer e prazer, respectivamente. A consciência possui então uma função central nesse sistema, uma vez que ajuda na sua regulação ao indicar o desprazer.

Freud anuncia que “não se pode tentar explicar como é que os processos excitatórios dos neurônios ω levam à consciência” (p.363). Apenas um paralelo entre as atividades do sistema com os fenômenos da consciência seria possível, mas não seria possível a dedução de um por outro. Tal como Freud já havia afirmado no texto das Afasias, haveria uma dependência concomitante, mas não uma determinação causal linear:

“Segundo uma avançada teoria mecanicista, a consciência é um mero apêndice aos processos fisiológico-psíquicos e sua omissão não acarretaria alteração na passagem psíquica [dos acontecimentos]. De acordo com outra teoria, a consciência é o lado subjetivo de todos os eventos psíquicos, e é assim inseparável do processo mental fisiológico. A teoria aqui elaborada situa-se entre essas duas. A consciência é aqui o lado subjetivo de uma parte dos processos físicos do sistema nervoso, isto é, dos processos ω; e a omissão da                                                                                                                          

5

Em Esboço de Psicanálise (1940[1938]/1996), escrito por Freud, essa ideia do período está presente: “É provável, contudo, que aquilo que é sentido como prazer ou desprazer não seja a altura absoluta dessa tensão, mas sim algo no ritmo das suas modificações” (p.159).    

consciência não deixa os eventos psíquicos inalterados, mas acarreta a falta de contribuição de ω.” (Freud, 1950[1895]/1996, p. 363).

É possível constatar como esse problema de construir uma teoria da consciência irá permanecer ao longo da obra freudiana até um de seus últimos textos metapsicológicos Esboço de Psicanálise (1940[1938]/1996), no qual afirma que o fato da consciência “desafia toda a explicação ou descrição” (p.171). De todo modo, temos novamente um modelo de aparelho psíquico no qual a formação psíquica não está subsumida a atividade neurológica. Segundo Monzani, embora no Projeto o aparelho psíquico esteja:

“(...) ancorado e mesmo enraizado em seus contornos na realidade neuronal, enquanto totalidade, ele escapa dessa identificação. Em outros termos, esse lugar não é mais “estritamente assimilável ao espaço dos tecidos do sistema nervoso”, o que provoca a emergência, então, de uma dimensão de lugar que não se confunde com a realidade neuroanatômica. Assim, de agora em diante, toma corpo a ideia da possibilidade de articular um discurso que leva em conta a dimensão do lugar sem que isso necessariamente implique localizar esse lugar.” (Monzani,1989, p. 135).

Assim como no texto das Afasias, novamente a explicação localizacionista é abandonada, e a percepção da realidade não será apenas uma função neurológica pura. Se retornarmos ao sistema ω, veremos como ele é responsável por uma função importante nesse sistema no que diz respeito às relações com a realidade, já que ele produzirá os chamados sinais de realidade. A importância desses sinais deve-se a já referida tendência do aparelho a alucinar.

Como já explicamos anteriormente, enquanto para a estimulação que provém de fora do organismo este pode realizar uma descarga no tipo arco-reflexo, para os estímulos oriundos de dentro do organismo, isso não é possível. Isto porque os estímulos endógenos são gerados constantemente e atingem o sistema ao se transformar em estímulo psíquico após a obtenção de um determinado limiar de excitação. Essa espécie de acréscimo constante foi denominada somação. Já nesse texto, Freud anuncia que, quando a Q se faz presente no aparelho através do sistema de neurônios ψ, elas constituem as vontades, “o derivado das pulsões” (p. 369). Contra essas quantidades provenientes de dentro do organismo, não haverá tela protetora que possa reduzi-las (algo possível para estímulos exteriores ao organismo e os órgãos sensoriais) e também

não será possível evitá-las através do mecanismo de fuga, exigindo que se efetue uma ação específica para poder escoar a energia crescente.

Diante desse cenário de excitação constante e crescente, a tendência inicial do aparelho é descarregar toda a energia através do aparelho motor, como através do chorar por exemplo. Essa descarga produzirá um alívio, mas não o suficiente para que o processo de somação cesse, exigindo que algum trabalho seja feito no mundo externo para obter a satisfação. Mas, para isso, é necessário a presença da ajuda de um outro ser humano, uma vez que o organismo ainda não consegue fazê-lo sozinho na primeira vez em que isso ocorre, devido à extrema dependência da criança em seus primeiros anos.

Feito este trabalho no mundo externo, por alguém que poderá oferecer o objeto para que a satisfação seja alcançada e o estímulo cesse momentaneamente, o processo da somação é finalizado. Freud enumera três consequências oriundas desse processo, denominado experiência de satisfação, que são a descarga permanente que causava o desprazer no sistema ω, o surgimento na parte do pallium do sistema ψ do investimento dos neurônios que correspondem ao objeto da satisfação – produzindo uma memória desse objeto –, e o surgimento no pallium das informações sobre a descarga do movimento reflexo (uma imagem motora) que ocorre após a ação específica. O quarto resultado da experiência de satisfação advém como um desdobramento das três consequências imediatas ao processo, já que, ao surgirem no sistema ψ, os investimentos de um objeto de satisfação e da imagem motora que ocorreu após a ação específica, esses neurônios investidos estarão em conexão por simultaneidade. Esta conexão estabelece entre esses neurônios uma via de facilitação, um trilhamento, produzindo alguns vínculos preferenciais de passagem da energia entre os neurônios do sistema de memória.

Esses neurônios investidos de energia no pallium sofrem um desinvestimento quando ocorre a satisfação. Entretanto, quando em nova situação de necessidade e de processo de somação resultantes da estimulação endógena, o aparelho tende a reinvestir esses neurônios do pallium referentes ao movimento reflexo e ao objeto de satisfação, que estão em conexão. Dessas representações, Freud supõe que a primeira a ser reinvestida seja a imagem do objeto pertencente à primeira vivência de satisfação, seguida pelo investimento da imagem motora. O organismo colocaria então em ação esse movimento reflexo, mas, como o objeto está ausente na realidade externa, fazendo- se presente apenas enquanto representação ativada pelo investimento dos neurônios do

pallium associados aos neurônios do movimento, não há possibilidade de haver descarga de energia.

“É provável que a imagem mnêmica do objeto seja a primeira a ser afetada pela ativação do desejo. Não tenho dúvida de que na primeira instância essa ativação do desejo produz algo idêntico a uma percepção – a saber, uma alucinação. Quando uma ação reflexa é introduzida em seguida a esta, a consequência inevitável é o desapontamento.” (Freud, 1950[1895]/1996, p. 372).

Portanto, há nesse modelo a suposição de que, em estado de desejo, a tendência primordial do aparelho psíquico é a alucinação dos objetos de satisfação, sem diferenciar os objetos da memória dos objetos de percepção. Se relacionarmos o que se afirma no texto do Projeto com o que veremos no próximo capítulo, isto é, na análise