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Totem e tabu e os três sistemas de pensamento.

O sentido de realidade em Freud

1.3 Totem e tabu e os três sistemas de pensamento.

“A experiência nos ensina que o mundo não é um aposento de crianças.” Freud, A Questão de uma

Weltanschauung.

Passemos agora à análise do texto de Totem e Tabu (1913), fundamentalmente da parte III intitulada Animismo, magia e a onipotência de pensamentos, quando Freud apresenta três sistemas de pensamento: as fases animista, religiosa, científica e as relaciona com o conhecimento da realidade. Uma vez que esse texto apresenta com mais detalhes as fases animista e religiosa, importaremos também as descrições feitas por Freud em O futuro de uma ilusão (1927) e na Conferência XXXV – A Questão de uma Weltanschauung (1933[1932]) para aprofundar o terceiro sistema, chamado de científico.

Segundo Freud, essas são três visões de mundo pelas quais a humanidade teria passado ao longo de sua história e que, por motivos que explicaremos mais adiante nesse trabalho, podem ser repetidas no desenvolvimento de cada indivíduo. Como veremos a seguir, assim como as teorias infantis, estas visões de mundo expressadas pelas fases do pensamento também estão relacionadas ao desejo e às pulsões. Freud inclusive afirma que “o protótipo de todos esses sistemas é aquilo que denominamos de revisão secundária do conteúdo dos sonhos” (Freud, 1913[1912-13]/1996, p. 78). Veremos também de que forma os sistemas se relacionam com o princípio de prazer e o princípio de realidade.

Freud segue a tese de Schopenhauer para quem “o problema da morte se encontra no começo de toda filosofia” (Freud,1913[1912-13]/1996, p. 98) e afirma que foi possivelmente em torno desse problema que o primeiro sistema de pensamento, denominado animismo, teve origem (Freud, 1913[1912-13]/1996, p. 88) ainda que sua resposta tenha sido uma negação. Para essa visão de mundo, afirma-se a imortalidade dos seres, todos possuidores de uma alma, que é uma substância imaterial, móvel, que garante a continuidade da vida e pode habitar animais, plantas, fenômenos naturais,

objetos inanimados e o homem. A essência da alma continua sendo a mesma, não importa o ser ou objeto que ela venha a habitar.

Ainda de acordo com essa visão, as almas (ou espíritos) poderiam ser boas ou más, e a direção dos eventos naturais e o destino estariam sob seu controle. Uma vez que não existe ainda a concepção de que as almas tenham sido criadas ou estejam submetidas ao comando de um ser poderoso, a quem devam obediência, coube ao próprio homem, a fim de conseguir controlá-las e se defender, desenvolver meios para realizar esse domínio: as palavras e atos mágicos. Essa tentativa de controlar os espíritos, e assim influenciar o curso dos eventos, fez com que a visão anímica do universo não fosse apenas uma teoria puramente especulativa como também uma forma de proceder para influenciar e controlar a natureza, de modo que esses atos mágicos seriam, “o mais antigo precursor da tecnologia de hoje” (Freud, 1933[1932]/1996, p.161). Seriam dois os tipos de magia empregados. A magia por semelhança, ou imitativa, em que a realização do ato mágico é semelhante ao resultado que ela espera produzir com ele; assim, por exemplo, se o homem deseja chuva, irá executar um ato de modo a levar a natureza a imitar a sua ação: “se desejava chuva, ele mesmo derramava água; se queria exortar a terra a ser dadivosa, mostrava à terra, nos campos, uma vívida execução do ato sexual” (Freud, 1933[1932]/1996, p. 162). Há também a magia por afinidade, ou contiguidade, como, por exemplo, o canibalismo, em que comer parte do corpo significaria incorporar as qualidades daqueles que foi ingerido.

Como já mencionamos, essa teria sido uma fase em que ainda não há deuses, apenas os demônios ou almas, que serão controlados pelos próprios homens. Dessa prática e visão de mundo, Freud infere que esta é uma fase em que os homens possuem grande autoconfiança em suas palavras e ações, além de supervalorizarem o poder de seus pensamentos e desejos. A etapa de animismo precederia a fase religiosa, mas, mesmo com o advento desta, ainda permanece em alguns modos de pensamento:

“Os senhores sabem como é difícil algo desaparecer após haver alguma vez conseguido expressão psíquica. Assim, não se supreenderão ao ouvir dizer que muitas das expressões do animismo persistiram até hoje, na maior parte segundo o que chamamos superstição, paralelamente e por trás da religião. E, mais ainda, dificilmente os senhores poderão rejeitar o raciocínio de que a filosofia de hoje conservou alguns aspectos essenciais do modo animista de pensamento – a supervalorização da magia das palavras e a crença segundo a qual os fatos reais do mundo tomam o rumo que nosso pensamento deseja impor-lhes.” (Freud, 1933[1932]/1996, p. 162).

Na Conferência XXXV – A Questão de uma Weltanschauung (1933[1932]), Freud novamente tece considerações a respeito das visões de mundo outrora apresentadas em Totem e Tabu. Ele acresce que são obscuras as razões que motivaram a passagem da fase animista à fase religiosa na história da humanidade, além de afirmar a existência da hipótese de que sua forma primeira de manifestação teria sido o totemismo8.

No sistema religioso de pensamento, passa-se da crença na existência das almas e demônios como os responsáveis pelas manifestações naturais que poderiam ser controladas pelos homens através de seus gestos mágicos à eleição de um animal e, posteriormente, de seres com forma humana, que serão adorados e tornados deuses. O sacramento desses seres exige a obediência a mandamentos éticos e deveres morais que, ao serem cumpridos, garantem aos homens a proteção contra as ameaças do destino. Dentro do próprio sistema religioso haveria uma evolução que consiste em passar da crença em vários deuses para a crença em um único deus, normalmente um deus do sexo masculino.

No que concerne ao problema da morte, pode-se deduzir que algum grau de vulnerabilidade já foi admitido pelos homens, dado que para esse sistema de pensamento já existe a necessidade da criação de seres superiores a quem cabe obediência de seus mandamentos éticos em troca de proteção. Desse modo, diferentemente da fase anterior, em que a morte é negada, aqui ela é reconhecida. Entretanto, a morte será reconhecida com a condição de não representar a extinção total da vida.

                                                                                                                         

8Ainda que não se saiba as razões da passagem de um sistema a outro, há hipóteses sobre a razão da invenção do sistema de pensamento e quais problemas humanos ele tenta resolver. Em Totem e Tabu (1913[1913-12]), Freud faz uma apresentação das hipóteses antropológicas para a origem do totemismo e as classifica em três grupos: teorias nominalistas, sociológicas e psicológicas. A hipótese nominalista estaria representada pelas teorias de autores como Garcilasso de la Vega, Max-Müller, Herbert Spencer e Andrew Lang que, através de diferentes argumentos, afirmam que o surgimento do fenômeno totêmico se deu pela necessidade dos clãs estabelecerem nomes que tornassem possíveis sua diferenciação. Já as hipóteses sociológicas para a explicação da origem do totemismo estariam representadas pelas obras de Durkheim, Reinach, Frazer, que admitem que o sistema totêmico seria uma primeira forma de organização social, que a disposição dos clãs de acordo com os totens auxiliaria as trocas econômicas, que poderia ser considerado como primeiro sistema religioso de que se tem notícia além de já fornecer uma noção de hierarquia para os grupos. Finalmente, as hipóteses psicológicas estão expostas nas teorias de Wundt, Wilken, Rivers e Frazer. Figuram aqui as teorias do totemismo como crença na transmigração das almas, também no totem como um lugar de proteção para as almas.

Nessa obra, Freud apresenta a hipótese da psicanálise para o totemismo, baseada no mito da morte sacrificatória do pai do clã.

Freud afirma em O Futuro de uma Ilusão (1927/1996) que o pensamento religioso tem a tríplice função de acabar com os terrores da natureza, harmonizar os homens aos seus destinos e compensá-los pelos sofrimentos da vida, inclusive o sofrimento trazido pela convivência com os outros homens na civilização (p.26). A religião está entre um dos métodos de que o homem lança mão para contornar o sofrimento e que está citado por Freud em O mal-estar na civilização. Na lista de métodos que elencamos no início desse capítulo, a religião se encontra, segundo Freud, entre os métodos que procuraram negar as condições da realidade que causam sofrimento e tentam recriar a realidade de modo a corrigi-la. Isso faria da religião uma das formas de delírio, um delírio de massa.

Assim como no caso da passagem da fase animista para a fase religiosa, na Conferência XXXV – A Questão de uma Weltanschauung (1933[1932]) Freud também afirma que, por mais que as causas que levaram à passagem da fase religiosa à fase científica não estejam totalmente esclarecidas e que “as diferentes forças que concorreram para o despertar do espírito científico não foram rastreadas” (1933/1996, p.164), o espírito científico teria sido estimulado pela observação da natureza e por se ter começado “a tratar a religião como um assunto humano e a submetê-la a exame crítico” (1933/1996, p.162).

Na concepção de Freud, o pensamento científico estaria marcado pelas seguintes características: é um pensamento que procura evitar influências afetivas e individuais quando observa a realidade; realiza um exame mais rigoroso do senso de percepção no qual irá basear suas teorias; desenvolve aparelhos e métodos que tornam possível examinar com mais acuidade os fenômenos que não estão acessíveis à percepção normal; elabora experiências para identificar variáveis que compõe o fenômeno. Todo esse método desenvolvido pela ciência teria como objetivo conhecer o verdadeiramente o mundo real:

“Seu esforço é no sentido de chegar à correspondência com a realidade – ou seja, com aquilo que existe fora de nós e independentemente de nós, e, segundo nos ensinou a experiência, é decisivo para a satisfação ou a decepção de nossos desejos. A essa correspondência com o mundo externo real chamamos de ‘verdade’.” (Freud, 1933/1996, p.166).

Dentre os três sistemas do pensamento, a fase científica seria a única “que nos pode levar a um conhecimento da realidade externa a nós mesmos.” (1927/1996, p.40),

pois, diferentemente da religião, a ciência estaria disposta a rever suas concepções e conhecimentos e submetê-los à crítica, enquanto a religião, por seu caráter delirante, não conseguiria fazer essa avaliação.

Além disso, a ciência seria o único entre os sistemas de pensamentos que não caberia propriamente bem na definição de visão de mundo que Freud apresenta na Conferência de 1933. De acordo com essa definição, a visão de mundo (Weltanschauung) é um tipo de construção de pensamento destinada a resolver enigmas fundamentais sobre o funcionamento do universo e sobre a própria existência humana. Desse modo, ela forma uma interpretação global que conforta e dá segurança aquele que nela acredita, além de prover o sujeito de um conhecimento prático para conduzir suas ações em momentos cruciais da vida. As dúvidas sobre a natureza, sobre a vida e a morte e também sobre os sentimentos humanos seriam solucionadas por uma visão de mundo, razão pela qual conseguir uma teoria como essa estaria entre os principais desejos humanos, já que ela permite uma pacificação dos medos ao dotar os eventos contingenciais de algum sentido (Freud, 1933[1932]/1996). Desse modo, ainda que o animismo tenha como seu principal ponto de partida o problema da morte, esse sistema não visa apenas essa questão e sim respostas globais para a existência como um todo: “o animismo, o primeiro a ser criado, é talvez o mais coerente e completo e o que dá uma explicação verdadeiramente total da natureza do universo.” (Freud, 1913[1913- 12]/1996, p. 89). A religião também se encaixaria nessa definição de visão de mundo, por ser um sistema que também elaborou uma concepção a respeito da criação e funcionamento do universo, dotou o destino humano de sentido apaziguador e também equipou os homens de um sistema moral.

No entanto, o caso da ciência seria um exemplo atípico de visão de mundo. Ainda que forneça explicações para diversos fenômenos da natureza e do universo e equipe a humanidade para se defender de diversos problemas, essas explicações são provisórias e parciais, constituindo uma visão de mundo com traços negativos. Ao exercer a crítica, submeter-se à verdade e rejeitar as ilusões do pensamento, a ciência seria uma Weltanschauung bastante singular (Freud, 1933[1932]/1996).

Essa diferenciação entre a ciência e as outras duas visões de mundo não se deve propriamente ao seu método ou ao tipo de explicação a que chegam. Há uma marca que as distingue que é anterior a esses procedimentos e mais fundamental: a sua origem psíquica. A diferenciação mais profunda, e que acaba sendo determinante nos resultados diferentes a que chegam os três sistemas de pensamento em relação ao conhecimento do

mundo e o modo de proceder diz respeito aos desejos da humanidade. O pensamento animista e o pensamento religioso teriam sua origem em antigos e fortes desejos, algo que não ocorre com o pensamento científico. Os desejos que o pensamento científico abandona são a ilusão de onipotência do pensamento animista e a ilusão de ser amado e protegido por um deus-pai protetor, que caracteriza o pensamento religioso.

Freud explica que a onipotência do pensamento e do desejo humano passa por um desenvolvimento ao longo do tempo. Na fase animista, os homens se acreditariam totalmente onipotentes, acreditando que todos os acontecimentos devam ocorrer tal como eles desejaram. Na fase religiosa, ainda que um pouco dessa onipotência tenha sido moderada, já que boa parte da onipotência agora é atribuída ao deus, os homens ainda se sentem com algum poder, pois são capazes de agradar e respeitar esse deus para, assim, conseguir seu amor e garantirem sua proteção. Seria apenas na fase científica que o desejo de onipotência seria abandonado:

“Na fase animista, os homens atribuem a onipotência a si mesmos. Na fase religiosa, transferem-na para os deuses, mas eles próprios não desistem dela totalmente, porque se reservam o poder de influenciar os deuses através de uma variedade de maneiras, de acordo com seus desejos. A visão científica do universo já não dá lugar à onipotência humana; os homens reconheceram sua pequenez e submeteram-se resignadamente à morte e às outras necessidades na natureza. Não obstante, um pouco da crença primitiva na onipotência ainda sobrevive na fé dos homens no poder da mente humana, que entra em luta com as leis da realidade.” (Freud, 1913[1912-13]/1996, p. 99).

Segundo Freud, a crença na onipotência dos pensamentos e dos desejos, que caracteriza a fase animista, torna-se patente na utilização de palavras e atos mágicos como técnica de controle, uma vez que “seu princípio consiste em tomar equivocadamente uma conexão ideal por uma real” (Ibid., p. 90). Isso leva os homens a crer que seus desejos e pensamentos têm realmente o poder de se realizarem exatamente de acordo com os modos de sua manifestação.

Para conseguir efetivar esse propósito, o mecanismo psíquico principal de que se lança mão é a projeção, um primeiro modo de lidar com os sentimentos de prazer e desprazer. Esse mecanismo levaria o aparelho psíquico a tratar as percepções e sensações internas, que causam desprazer, como algo externo, não as reconhecendo como sendo próprias. No exemplo do animismo, esses sentimentos eram identificados como manifestação dos maus espíritos, os demônios, enquanto que o tratamento dado ao que é prazeroso consiste em significá-lo como sendo um atributo do sujeito, nesse

caso, a manifestação dos bons espíritos. Essa operação característica do pensamento animista faz com que não seja possível “apresentar qualquer prova objetiva do verdadeiro estado de coisas” (Ibid., p.95), já que a percepção do mundo externo se dá como um espelhamento invertido das sensações de prazer.

“A projeção de percepções internas para fora é um mecanismo primitivo, ao qual, por exemplo, estão sujeitas nossas percepções sensoriais, e que, assim, normalmente desempenha um papel muito grande na determinação da forma que toma no nosso mundo exterior. Sob condições cuja natureza não foi ainda suficientemente estabelecida, as percepções internas de processos emocionais e de pensamento podem ser projetadas para o exterior da mesma maneira que as percepções sensoriais.” (Ibid., p. 77).

Quanto ao pensamento religioso, como já mencionamos acima, ele não apenas manteria, em alguma medida, a crença na onipotência dos desejos e pensamento, mas, sobretudo, estaria fundado em um desejo infantil de ser amado e protegido pela figura de um pai benevolente. Para esse sistema de pensamento, já existe o reconhecimento do desamparado frente às forças do Destino e a figura do deus-pai todo poderoso será cada vez mais solicitada para acalmar a angústia e trazer garantias apaziguadoras.

“Quando o indivíduo em crescimento descobre que está destinado a permanecer uma criança para sempre, que nunca poderá passar sem proteção contra estranhos poderes superiores, empresta esses poderes as características pertencentes à figura do pai; cria para si próprio os deuses a quem teme, a quem procura propiciar e a quem, não obstante, confia sua própria proteção. Assim, seu anseio por um pai constitui um motivo idêntico a sua necessidade de proteção contra as consequências da debilidade humana. É a defesa contra o desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem de reconhecer – reação que é, exatamente, a formação da religião.” (Freud, 1927/1996, p. 33).

Assim como no animismo, também no sistema religioso a possibilidade de conhecimento das condições efetivas da realidade externa e o acesso à verdade estariam impedidos devido à constituição desejante dessa forma de pensamento. O impedimento aqui se daria por duas vias. Primeiramente, para que essa arquitetura funcione, os pilares do sistema não podem ser colocados em dúvida ou serem criticados, caso contrário a crença no deus poderoso e protetor ruiria. Segundo Freud, para que possa se manter, o sistema religioso impõe um impedimento ao pensamento e, quando questionado, afirma sua validade apoiando-se em argumentos sustentados na autoridade da tradição.

Além disso, em Psicologia de Grupo e Análise do Ego (1921) Freud afirma que o processo de idealização tem o poder de interferir na faculdade de julgamento da realidade, podendo falsificá-la ao inabilitar a função do teste de realidade. No caso da religião, pode-se afirmar que o líder é idealizado, já que é um objeto que se tornou engrandecido psiquicamente a ponto de tornar-se um ser perfeito. Para que o processo de enaltecimento ocorra é preciso que alguns traços do objeto sejam recalcados e desconsiderados. Além disso, o eu irá tomar como real os fatos que forem ratificados pela pessoa ou pela ideia que esteja ocupando a posição de ideal do eu, não sendo mais capaz de realizar o teste de realidade de modo autônomo.

Segundo Freud, tanto os sistemas de pensamento anímico quanto o pensamento religioso seriam ilusões derivadas de desejos humanos e, tal como um delírio, a “ilusão não dá valor à verificação” (Freud, 1927/1996, p. 40), não podendo ser testadas, refutadas ou confirmadas. Apenas o pensamento científico poderia ter uma outra relação com a realidade, já que seria a única das visões de mundo não fundamentada nos desejos infantis, de forma a não produzir conhecimentos ilusórios. Ainda que também possa cometer erros de interpretação, o conhecimento e as teorias criadas pela ciência não seriam simples fruto do pensamento desejante.

Como afirmamos no início desse item, Freud admitia a hipótese de que essas etapas do pensamento da humanidade seriam repetidas na história de cada indivíduo, de modo que, em Totem e Tabu (1913[1913-12]), ele compara, por exemplo, o pensamento anímico ao pensamento das crianças que “satisfazem seus desejos de maneira alucinatória” (p.94). Esses tipos de pensamento também serão cruzados com os sintomas da neurose e delírios da psicose9.

Se retomarmos agora o problema do desenvolvimento do sentido de realidade e dos princípios do funcionamento psíquico, pode-se dizer que os sistemas anímico e religioso estariam mais próximos da característica do pensar submetido ao princípio de prazer, enquanto o pensamento científico estaria mais próximo ao funcionamento do

                                                                                                                         

9Os cruzamentos entre as formas de sintomas da neurose com as duas visões de mundo são bastante explorados no texto Totem e Tabu, mas essa passagem do texto O Futuro de uma Ilusão (1927) ilustra bem essa aproximação entre o pensamento anímico e religioso e as formas de psicopatologia, sem, contudo, deixar de apresentar uma importante observação ao final: “Se, por um lado, a religião traz consigo restrições obsessivas, exatamente como, num indivíduo, faz a neurose obsessiva, por outro, ela abrange um sistema de ilusões plenas de desejo juntamente com um repúdio da realidade, tal como