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Heranças pré-históricas: repetição e progresso.

Metáforas do tempo em Freud

5.1 Heranças pré-históricas: repetição e progresso.

“(...) é nos conceitos biológicos que residem os últimos vestígios de transcendência de que dispõe o pensamento moderno.” Levi- Strauss, As

estruturas elementares do parentesco.

É possível afirmar que a importação da teoria da recapitulação para a compreensão da teoria das neuroses, exposta por Freud no manuscrito para Ferenczi, de modo algum foi episódica. A denominada fantasia filogenética, longe de se limitara essa correspondência ou ao abandonado projeto Lamarck, esteve presente ao longo da evolução do pensamento freudiano, do início ao fim, e foi elemento importante da fundamentação freudiana para os caracteres supraindividuais e para a psicologia de grupo em sua metapsicologia. É possível encontrar seus rastros já em A Interpretação dos sonhos (1900), na passagem em que Freud afirma:

“Sempre que as neuroses se valem de disfarces, estão percorrendo trilhas por onde passou toda a humanidade nas épocas mais remotas da civilização – trilhas de cuja continuada existência em nossos dias, sob o mais diáfano dos véus, encontram-se provas nos usos linguísticos, nas superstições e nos costumes.” (Freud, 1900/1996, p. 378).

As trilhas a que Freud se refere na passagem acima estariam filogeneticamente traçadas e explicariam o percurso das duas linhas de desenvolvimento no aparelho psíquico, ou seja, as trilhas traçadas pelos antepassados da espécie seriam repetidas resumidamente pelo indivíduo tanto em seu desenvolvimento libidinal quanto no desenvolvimento de seu eu. Encontramos essa afirmação na conferência XXII das Conferências Introdutórias, na qual Freud afirma que as duas linhas de desenvolvimento seriam “heranças, recapitulações abreviadas do desenvolvimento pelo qual toda a humanidade passou, desde épocas primitivas, por longos períodos de tempo.” (1917/1996, p. 357). Freud afirma, seguindo a mesma linha argumentativa presente no manuscrito sobre as Neuroses de Transferência, que teriam sido as exigências impostas pelo ambiente externo as responsáveis por levar a humanidade a criar formas de se defender dos conflitos suscitados pelo meio hostil, e encontrar novos modos e novos objetos de satisfação. Esses artifícios criados diante das frustrações

ambientais seriam agora evocados pela humanidade que ainda enfrenta as mesmas pressões e frustrações. Enfatizamos aqui que a hipótese freudiana não consiste na transmissão de ideais ou desejos – tal como está expresso, por exemplo, no texto Sobre o Narcisismo: Uma introdução (1914b) –, mas sim na transmissão, para o indivíduo, de conteúdos “inatamente presentes nele, quando de seu nascimento, elementos com uma origem filogenética – uma herança arcaica” (Freud, 1939[1934-38]/1996, p.112).

Em Moisés e o Monoteísmo (1939[1934-38]/1996), Freud reitera a posição assumida desde o início de sua obra, ou seja, a de que não se trata de conteúdos cuja transmissão se faria operar através da educação, da comunicação direta ou tradição de um povo, mas insiste na ideia de um conteúdo reprimido, inconsciente e hereditário. Ele, porém, não deixa de reconhecer os problemas dessa posição e assume se tratar de uma “audácia” necessária. O problema na assunção dessa posição é que, no entender de Freud, ela dependia da aceitação da hipótese lamarckista da herança de caracteres31 adquiridos, hipótese esta que, segundo ele, já havia sido ultrapassada pela biologia na época:

“Minha posição, sem dúvida, é tornada mais difícil pela atitude atual da ciência biológica, que se recusa a ouvir falar na herança dos caracteres adquiridos por gerações sucessivas. Devo, contudo, com toda modéstia, confessar que, todavia, não posso passar sem esse fator na evolução biológica.” (Freud, 1939[1934-38]/1996, p. 114).

Freud reitera que o fator determinante para que uma experiência se tornasse elemento do conjunto de recordações que farão parte da herança filogenética é seu grau de importância ou a frequência de sua repetição32 na história da espécie. A repetição

                                                                                                                         

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Segundo Ritvo (1992), no entender dos estudos biológicos, a admissão da teoria da recapitulação de Haeckel não depende necessariamente da aceitação da hipótese dos caracteres adquiridos lamarckista. Para maiores esclarecimentos sobre a autonomia da teoria da recapitulação em relação à tese de Lamarck, indicamos ao leitor conferir o quinto capítulo da referida obra de Ritvo.

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Mas, novamente de acordo com Ritvo (1992), ainda que o debate da biologia no período pudesse descartar a admissão da teoria dos caracteres adquiridos lamarckista como fator essencial para a aceitação da tese de Haeckel, não poderia eliminar outro fator como essencial para fundamentar a existência de experiências herdadas: a repetição (p.254). Esse fator é admitido por Freud em O Ego e o Id (1923) e explicado em uma passagem que talvez seja a mais clara a respeito do mecanismo de transmissão a respeito desse conteúdo herdado: “(...) não é possível falar de herança direta no ego. É aqui que o abismo entre um indivíduo concreto e o conceito de uma espécie se torna evidente. (...). As experiências do ego parecem, a princípio, estar perdidas para a herança; mas, quando se repetem com bastante frequência e com intensidade suficiente em muitos indivíduos, em gerações sucessivas, transformam-se, por assim dizer, em experiências do id, cujas impressões são preservadas por herança. Dessa maneira, no id, que é capaz de ser herdado, acham-se abrigados resíduos das existências de incontáveis egos; e quando o ego forma o seu superego a partir do id, pode talvez estar apenas revivendo formas de antigos egos e ressuscitando-as.” (Freud, 1923, p.51).

torna-se um fator importante pois, segundo a hipótese freudiana, além de marcar um evento como apto a fazer parte do conjunto de lembranças a serem transmitidas, será a repetição desse evento na ontogênese que fará essa recordação se manifestar, após seu longo período inconsciente, como retorno do recalcado (Freud, 1939[1934-38]).

No entanto, ainda resta sem resposta uma questão anunciada acima: qual seria a razão que levaria Freud a assumir uma tese tão arriscada cujos fundamentos não eram corroborados pela ciência biológica de seu tempo? Como aponta Mezan (1985), no texto intitulado Uma breve descrição da psicanálise (1924 [1923]), Freud ressalta a existência de muitas analogias surpreendentes entre fenômenos individuais e fenômenos da cultura como, por exemplo, o tratamento dado às contradições nos sonhos e nos idiomas arcaicos, entre os atos e rituais dos neuróticos obsessivos e os ritos de diversas religiões, o papel de importância dado ao pai nas neuroses e em muitas religiões, o simbolismo no sonho que apresenta as mesmas imagens e significações em diferentes indivíduos. Como é possível explicar a existência de conteúdos psíquicos similares entre o indivíduo e algumas práticas sociais mesmo em diferentes épocas? Ou ainda, o que explicaria que houvesse formas similares de retorno do recalcado em diferentes indivíduos cuja interpretação revela sentidos afins?

A resposta, até onde podemos ver, se encontra no uso freudiano do conceito de filogênese, uma vez que não seria possível fundamentar a existência de conteúdos universais e trans-históricos na ontogênese, ou seja, nas experiências particulares de cada indivíduo ou tempo histórico. Assim, será através desse conceito advindo das ciências biológicas que Freud poderá explicar as analogias entre a psicologia individual e alguns fenômenos culturais, os quais ele denominará psicologia de grupo:

“Se presumirmos a sobrevivência desses traços de memória na herança arcaica, teremos cruzado o abismo existente entre a psicologia individual e de grupo: podemos lidar com povos tal como fazemos com um indivíduo neurótico. Sendo certo que, atualmente, não temos provas mais fortes da presença de traços de memória na herança arcaica do que os fenômenos residuais do trabalho da análise que exigem uma derivação filogenética, ainda assim essas provas nos parecem suficientemente fortes para postular que esse é o fato. Se não for, não avançaremos, quer na análise quer na psicologia de grupo. A audácia não pode ser evitada.” (Freud, 1939[1934-38]/1996, p. 114).

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     

   

No entanto, ainda nos perguntamos a razão da insistência de Freud na utilização de conceitos já ultrapassados pela biologia para fundamentar sua tese. Não haveria outros meios de teorizar a respeito dos conteúdos que não são dados empiricamente mas que são determinantes para a experiência sem recorrer à teoria dos caracteres adquiridos já em desuso? Encontramos uma explicação profícua em Baas (2001), cuja hipótese principal consiste em que a possibilidade da formulação por Freud de uma constituição a priori do psiquismo sem aludir às filosofias idealistas, ao transcendental ou sem cair em teses mitologizantes, só poderia ser levantada recorrendo-se à noção de herança filogenética, a qual poderia a um só tempo fornecer um elo entre a psicologia de grupo e a psicologia individual sem que fosse preciso para isso perder a materialidade e a cientificidade da explicação, ainda que a teoria biológica importada já fosse considerada controversa.

Entretanto, na concepção de Freud, o conteúdo da herança filogenética não poderia ser igualado ao conteúdo ou ao funcionamento fisiológico. Em sua definição, o herdado seria uma espécie de “simbolismo inato”, uma história importante da humanidade que se tornou conteúdo recalcado que se reatualiza, opera e ganha importância justamente por representar a renovação de um conflito. Um exemplo dessa condição seria a explicação freudiana para a existência do horror ao incesto. No trecho abaixo, retirado de Moisés e o Monoteísmo, Freud afirma que as provas da existência do incesto em povos primitivos seriam um dos modos de confirmar que a determinação de seu impedimento não seria fornecida por questões meramente biológicas, mas por um evento na história da humanidade que foi adquirido e agora se repete.

“A evidência do incesto entre deuses, reis e heróis ajuda-nos também a lidar com outra tentativa, que busca explicar biologicamente o horror ao incesto e fazê-lo remontar a um obscuro conhecimento dos danos causados pelo cruzamento consanguíneo. Sequer é certo, entretanto, que exista algum perigo de danos por causa desse cruzamento, quanto mais dizer que povos primitivos pudessem tê-lo identificado e contra ele reagido.” (Ibid., p. 136).

Bem ao contrário, portanto, que uma determinação puramente biológica. Na continuidade do texto, Freud afirma que o horror ao incesto e a exigência de exogamia, alguns dos principais conteúdos da herança filogenética, tiveram sua origem na história da humanidade que, quando na horda primitiva, obedeceu à manifestação da “vontade do pai” primevo e que deu continuidade a essa vontade após assassinato do pai por seus

filhos. Essa herança inata é resquício do que um dia foi um acontecimento, tornou-se um conteúdo inconsciente recalcado e justamente por isso, segundo Freud, “dai provém a força de seu tom emocional” (p. 136), algo que não ocorreria com conteúdos externos ao sujeito que lhe seriam transmitidos pela educação e pela tradição cultural.

Essa espécie de recapitulação resumida da história da humanidade, que acarreta a reatualização dos conflitos psíquicos e suas soluções na ontogênese, como já dito acima, é um modelo que será aplicado por Freud tanto para teorizar o desenvolvimento do eu quanto o desenvolvimento libidinal. Mas, segundo esse modelo teórico, a atualização da série de recapitulações não estaria garantida de ocorrer na ontogênese, podendo haver inibições e regressões que atrapalhariam a realização desse programa. Na Conferência XXII (1917), Freud apresenta uma explicação para essa espécie de tropeço desenvolvimentista, alegando que “em vista da tendência geral dos processos biológicos à variação, não há como fugir do fato de que nem todas as fases preparatórias são ultrapassadas com igual êxito e superadas completamente” (p.343). A essa espécie de permanência sistemática em um dos modos de organização constituintes do caminho de desenvolvimento a ser recapitulado, Freud deu o nome de fixação. No entanto, mesmo aqueles que passaram por diversas etapas desse caminho ainda assim não estariam a salvo, pois Freud afirma que “o segundo perigo de um desenvolvimento por etapas desse tipo reside no fato de que as partes que prosseguiram adiante podem também, com facilidade, retornar a um desses estádios precedentes (...)” (p.344), movimento esse que denominou de regressão. Vimos em nosso segundo capítulo como em Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos (1917[1915]) é possível encontrar um exemplo do movimento de regressão temporal aplicado à elucidação do que ocorreria durante o estado de sono com o desenvolvimento do eu, cujo ponto de restauração seria o narcisismo primitivo, e com o desenvolvimento da libido, que retornaria à etapa da satisfação alucinatória dos desejos (p. 229). Como a manta que é tecida por Penélope durante o dia e desmanchada durante a noite, as progressões na organização que ocorreram poderiam ser desfeitas durante o estado de sono, regressando às etapas anteriores para novamente serem tecidas.

Retomando o problema dos modelos temporais e as definições de desenvolvimento apresentadas no capítulo anterior, nos perguntamos se haveria possibilidade de classificar essa concepção freudiana para o desenvolvimento ontogenético do eu e da libido como repetição filogenética em algum dos esquemas desenvolvimentistas apresentados. Parece ser possível descrever a série como etapista,

direcionada para a finalidade de encontrar o último estágio de desenvolvimento filogenético a ser recapitulado pelo indivíduo, estágio esse que parece envolver uma complexidade maior que a primeira etapa da série. Talvez aqui possamos encontrar, finalmente, uma resposta para a afirmação de Dunker (2002) com a qual terminamos o capítulo anterior, segundo a qual a teoria freudiana exposta no tópico do manuscrito Disposição e reencontrada na explicação sobre a etiologia da neurose em outros momentos de sua obra “deu origem a versões mais próximas da psicologia do desenvolvimento em psicanálise” (p. 102). Afinal, essa teoria parece muito próxima às teorias da embriologia chamadas de epigênese e pré-formação que explicam o desenvolvimento como um processo progressivo, processual e teleológico, como uma passagem gradual de uma organização menos complexa para uma organização mais complexa para que algo possa se constituir plenamente.

No entanto, a característica reversível do desenvolvimento que Freud inclui em seu esquema com o nome de regressão temporal, parece embaralhar um pouco a equivalência estabelecida acima entre o seu modelo de desenvolvimento e aqueles descritos pela embriologia. Encontramos uma possível explicação para isso em uma passagem do texto O Mal-estar na civilização, na qual Freud teoriza a respeito do desenvolvimento do corpo e sua diferença com o desenvolvimento da mente:

“As primeiras fases do desenvolvimento já não se acham, em sentido algum, preservadas; foram absorvidas pelas fases posteriores, às quais forneceram material. O embrião não pode ser descoberto no adulto. A glândula do timo da infância, sendo substituída, após a puberdade, por tecidos de ligação, não mais se apresenta como tal (...). Permanece o fato de que só na mente é possível a preservação de todas as etapas anteriores, lado a lado com a forma final (...).” (Freud, 1930[1929]/1996, p.80).

Seguindo e aceitando a distinção estabelecida por Freud para o desenvolvimento do corpo e da mente, deduzimos não ser possível aplicar de forma integral os modelos de descrição desenvolvimentistas advindos da embriologia para compreender os fenômenos mentais, já que, no entender de Freud, eles são constituídos por substratos diversos. Os modelos de desenvolvimento embriológicos de pré-formação e epigênese não abarcam a regressão em sua teorização. O destino para o qual se poderia retornar foi abolido no movimento mesmo do desenvolvimento, dado que as fases anteriores vão sendo consumidas pelas etapas que as sucedem. Na esfera mental, devido à existência simultânea dos traços e das organizações psíquicas passadas com as atuais, o retorno às

organizações iniciais seria não apenas possível como recorrente, não apenas em casos patológicos, mas sempre em que o homem está, por exemplo, no estado de sono, de acordo com a sugestão de Freud em Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos, referida acima. Assim, seguindo esse modelo freudiano, na esfera mental, a regressão às organizações iniciais do desenvolvimento seria um evento universal e frequente no aparelho psíquico tal como ele o descreve, ou seja, em que os traços passados subsistem com os traços presentes.

Mas antes de analisarmos a hipótese freudiana da simultaneidade dos traços psíquicos e suas implicações para o desenvolvimento, voltemos à ideia de recapitulação da filogênese, pois, de acordo com alguns autores como Lebrun (1983)33 e Mezan (1985), a aceitação da tese segundo a qual a reatualização da filogênese seria a explicação para muitos fenômenos sociais – tal como a existência do terror ao incesto, a exogamia, a importância dada ao pai em muitas religiões e outros fundamentos éticos e

                                                                                                                         

33 Em 1979, o filósofo Gerard Lebrun escreve para o Jornal da Tarde o texto O selvagem e o neurótico, no qual tece comentário sobre o texto freudiano Totem e Tabu. Ao examinar as diversas concepções que servem de base para as teses da obra referida, Lebrun centrará suas críticas de modo mais incisivo sobre o emprego que Freud faz da lei biogenética de Haeckel, segundo a qual a ontogênese repete a filogênese. De acordo com Lebrun, ao aplicar esse postulado desenvolvimentista para pensar as instituições sociais, Freud estaria naturalizando sua origem, transformando uma construção sócio-histórica em padrões biológicos indispensáveis à espécie. Para além da confusão entre “valores sócio-culturais e normas vitais” na explicação das instituições sociais, a admissão desse princípio levaria também ao estabelecimento de balizas de normalidade para desenvolvimento psicológico do indivíduo:

“Que a infância seja uma corrida biocultural de obstáculos com um programa fixado em linhas gerais pelo passado da espécie – esta é uma crença que provém da psicologia genética. Mas foi o freudianismo um dos seus melhores divulgadores. E deve-se também em parte a ele a invasão, há tempos, de nossos costumes e nossa crença, derivada daquela – a saber, a opinião de que todo desvio relativo ao optimum cultural, todo afastamento dos desempenhos minimais que a comunidade aguarda de mim podem apenas significar que faltei à minha destinação psicobiológica – e que esta falta é passível de diagnóstico e medida. Em outras palavras, a normalidade mental é testável, por princípio. (...) O próprio Édipo (esquecemos quase sempre) é também o nome de um teste – em que são os neuropatas os que ficaram para a segunda época.” (Lebrun, 1983, p. 102).

 

Portanto, a interpretação que Lebrun faz da obra freudiana é que esta, ao incorporar a lógica do postulado de Haeckel às concepções psicanalíticas, assumiria como autoevidentes uma gênese biológica das instituições sociais e a existência de um princípio universal da espécie – representado pelo complexo de Édipo –, o qual serviria de parâmetro valorativo para medir normalidades e desvios no desenvolvimento individual. No entanto, os argumentos do autor da crítica à suposta lógica de desenvolvimentismo em Freud, que não se trataria mais e apenas de um princípio que poderia implicar segregação neuropatas e todo o conjunto de indivíduos que não chegaram ao estágio final do desenvolvimento, essa “projeção abreviada da história da civilização” (p. 101). Desse modo, e como desdobramento dessa hipótese de leitura, cabe ao psicanalista em seu exercício ser “o engenheiro de integração social” ou o “consertador de Desejo para garantir que a liquidação do Édipo esteja no rumo certo” (Lebrun, 1983, p.103) para poder garantir a maturação do paciente para poder assim adaptá-lo ao meio e reconciliá-lo “com os valores (e pouco importa sejam estes de direita ou de esquerda)” (Lebrun, 1983, p.103).

estéticos da cultura – poderia levar à interpretação de que as instituições sociais34 seriam totalmente determinadas pela pura repetição de uma história passada. A hipótese admitida por Mezan afirma que a concepção da herança filogenética seria um recurso que permitiu Freud “(...) por entre parênteses, como irrelevantes, a dimensão histórica propriamente dita – pois, se a História é a epifania do reprimido, tudo está dado desde o início e a possibilidade do novo é inconcebível – e a dimensão social (...)” (1985, p. 555). Caso a tese de Mezan seja válida e o desenrolar histórico esteja realmente elidido dentro do modelo filogenético, poderíamos afirmar talvez a existência de uma lógica temporal cíclica coordenando o processo de repetição filogenética, lógica imposta pelo retorno do recalcado que determinaria a constante repetição do mesmo conflito passado que constitui uma espécie de sistema fechado de acontecimentos, contrariando desse modo qualquer hipótese evolucionismo linear e progressista, tanto para a esfera das instituições sociais, quanto para a esfera de desenvolvimento individual35.

Vimos no capítulo anterior, nos comentários sobre Neuroses de transferência: uma síntese (1914/1987), a afirmação de Freud de que a série filogenética e ontogenéticas não poderiam ser totalmente sobrepostas. Perguntamos a que ponto essa