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A Supervisão no Atual Cenário da Avaliação do Desempenho: da Intenção à Ação

CAPÍTULO II A Supervisão Pedagógica

2.5. A Supervisão no Atual Cenário da Avaliação do Desempenho: da Intenção à Ação

Inicialmente confinada à formação inicial de professores (orientação da prática pedagógica - estágio), à formação contínua (no âmbito dos programas integrados de formação) e ao Período Probatório e, mais recentemente, fazendo parte integrante da ADD, a SP apresenta-se como uma ferramenta de incontestável importância, já que permite refletir, melhorar a prática docente e, consequentemente, o profissionalismo docente em diferentes momentos da sua atividade profissional (e.g., Alarcão & Tavares, 2003; Alarcão & Roldão, 2008; Machado & Formosinho, 2010; Moreira, 2009a, b; Roldão, 2012; Sá- Chaves, 2009a; Vieira,1993). Todavia, uma questão pertinente se coloca: será que a supervisão pedagógica mantém esta importância quando se encontra confinada ao processo de avaliação de desempenho docente?

O ECD (Decreto-Lei n.º 75/2008, de 23 de junho) é bem claro quanto à intenção da inclusão da supervisão no processo de ADD, quando, ainda no Preâmbulo, refere: “instituem-se modalidades de supervisão da prática docente, como forma de garantir a qualidade do serviço educativo prestado e a progressão na carreira, designadamente nos escalões onde é fixada contingentação através de vagas”.

Tal como em qualquer profissão, a avaliação deve ser assumida como um procedimento normal e contínuo, mas, para que tal intenção aconteça, esta tem que ser construída de forma justa, credível, com o envolvimento sério, duradouro e imparcial, de todos os intervenientes envolvidos. Nesta linha de pensamento, parece ser importante que, em cada escola, a avaliação seja “um processo consensualizado, democrático e transparente de recolha de informação (credível e útil) relativa ao ensino, às aprendizagens, ao funcionamento das escolas e de todas as componentes do sistema escolar” (Fernandes, 2008, p. 20).

Poderá a supervisão contribuir para esse processo? Na esteira de alguns autores (Alarcão & Tavares, 2003; Moreira, 2005, 2010; Moreira & Bizarro, 2010; Sá-Chaves, 2002; Vieira, 2006), a SP é entendida, quer na supervisão individual (auto-supervisão reflexiva), quer na supervisão colaborativa (inter pares) como uma atividade de “regulação, planificação, monitorização e avaliação” dos processos de ensino- aprendizagem dos sujeitos e dos contextos.

A complexidade das funções docentes acrescidas pelo sistema de ADD, “processo contínuo que visa determinar o desempenho do professor no seu contexto, considerando um vasto conjunto de circunstâncias” (Martins et al., 2010, p. 5), trouxe a necessidade de se recontextualizar o conceito de SP, tal como sublinham Alarcão (2009), Estrela (2001) e Vieira e Moreira (2011). O conceito de SP, enquadrado no cenário da ADD, apela para o sentido progressivo da formação e do desenvolvimento profissional contínuo do professor e não somente radicado na experiência inicial (Alarcão, 2001), uma vez que a ação supervisiva contínua e reflexiva permite assegurar a melhoria individual, institucional e da qualidade do sistema educativo, tornando-se assim a supervisão e a avaliação “interdependentes” (Martins et al., 2010, p. 6).

A ADD, à luz da legislação, visa “a melhoria da qualidade do serviço educativo e das aprendizagens dos alunos, bem como a valorização e o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes, mediante o acompanhamento e supervisão da prática pedagógica, no quadro de um sistema de reconhecimento do mérito e da excelência” (n.º 2 do Decreto Regulamentar n.º 2/2010, de 23 de junho).

Nesta linha de pensamento, a SP possui, neste sistema de ADD, uma natureza questionadora, interpretativa e reflexiva do trabalho do professor, que assenta num acompanhamento e na discussão permanente da ação e dos seus resultados. Por conseguinte, a SP constitui-se como o alicerce para a construção do conhecimento profissional e do "progressivo desenvolvimento da autonomia profissional” (Alarcão & Roldão, 2008, p. 54). Contudo, tal processo envolve impactes de diversa natureza, não estando por isso isento de constrangimentos, conflitos e polémicas, dada a complexidade do processo de SP no contexto da ADD, que visa a melhoria do desempenho profissional do avaliado, do avaliador e mesmo da qualidade educativa da instituição em que ocorre.

Durante o ciclo avaliativo em que o nosso estudo decorreu (2009-2011) emergiu a figura do “relator/avaliador” responsável pelo acompanhamento do processo de desenvolvimento profissional do avaliado, com quem deve “manter uma interação permanente”. Compete ao relator (i) prestar ao avaliado o apoio que se mostre necessário ao longo do processo de avaliação, nomeadamente no que se refere à identificação das suas necessidades de formação; (ii) proceder à observação de aulas, sempre que a ela haja lugar, efetuar o respetivo registo e partilhar com o avaliado, numa perspetiva formativa, a sua apreciação sobre as aulas observadas; (iii) apreciar o relatório de autoavaliação e assegurar

a realização de uma entrevista individual ao avaliado, quando este o solicita; (iv) apresentar ao júri de avaliação uma ficha de avaliação global, que inclui uma proposta de classificação final, e (v) submeter ao júri de avaliação, apreciando a proposta do avaliado, a aprovação autónoma de um programa de formação, sempre que se proponha a classificação de “Regular” ou “Insuficiente”, cujo cumprimento é ponderado no ciclo de avaliação seguinte (art.º 14º do Decreto Regulamentar n.º 2/2010).

Neste contexto da ADD, a SP implica pensar em processos, formas ou padrões que estabeleçam os princípios e os modos em que a mesma irá ocorrer. Urge, portanto, (re)criar os cenários de supervisão (Alarcão & Tavares, 2003), definidos com base em indicadores suscetíveis de uma verificação que seja consensual, permitindo não só satisfazer os objetivos consignados na legislação, mas também adequar-se ao contexto onde se inserem. Por conseguinte, diversos autores (Alarcão & Roldão, 2008; Sá-Chaves, 2002; Vieira, 2006) revelam que as atuais tendências supervisivas se inclinam para uma “conceção democrática” de supervisão que enaltece a importância da reflexão e da aprendizagem colaborativa (e horizontal), o desenvolvimento de mecanismos que possibilitam a auto- supervisão e a autoaprendizagem, bem como a capacidade de gerar, gerir e partilhar o conhecimento, visando a criação e sustentação de ambientes promotores da construção, sustentação e desenvolvimento da autonomia profissional e organizacional/escola.

A intenção do ato de supervisionar no decurso da ADD, pelo que anteriormente referimos, deve recair sobre a possibilidade de interferência nos processos de formação e de desenvolvimento de profissional, não com o objetivo de o dirigir e inspecionar, mas no sentido de o orientar, potenciando esse mesmo desenvolvimento.

A avaliação feita pelos pares tem sido considerada, na literatura, como sendo possuidora de um conjunto de potencialidades que não podem ser desprezadas (Curado, 2002). São os pares que estão em melhor posição de se pronunciarem sobre as competências e o desempenho dos seus colegas. Porém, esta não é uma avaliação isenta de problemas já que intensifica tensões. Uma das razões dessas tensões reside no facto de os avaliados não reconhecerem competência aos avaliadores e, por isso, não aceitarem as suas opiniões e decisões. Paralelamente, assinala-se que os métodos utilizados na avaliação de desempenho pelos pares são mais permissíveis a critérios divergentes, tornando-se, por isso, importante definir e negociar sentidos quanto aos procedimentos e aos critérios que serão utilizados no processo supervisivo e, consequentemente, no avaliativo. A avaliação

entre pares exige o dever de se agir com “imparcialidade, equidade e abertura” (Monteiro, 2008, p. 116).

A relação supervisiva deve ser dialógica e deve promover o enriquecimento pessoal e, consequentemente, profissional, quer dos indivíduos supervisados, incrementando uma construção única do conhecimento e desenvolvendo processos de reflexão sobre atitudes e ações, quer do supervisor, assumindo-se este como um “orientador” sempre “presente” e “amigo”. Assim “juntos”, poderão ajudar a credibilizar e a profissionalizar, de forma mais sustentada, a função docente. Só assim, num clima de credibilidade e de confiança, os professores usarão a experiência e a informação obtida no processo de supervisão e avaliação para a melhoria do seu desempenho profissional(Danielson & McGreal, 2000).

Podemos ainda assumir que cada processo de supervisão é “único”, devido à singularidade da pessoa humana e ao facto de que cada indivíduo está inserido num dado contexto. A relação supervisiva não se processa só entre os indivíduos, toda ela se estabelece num contexto onde os indivíduos estão incluídos. Infere-se, portanto, que se constitui como uma supervisão ecológica, pois tem em consideração a ecologia das situações, logo, nunca é finita, pois se tal acontecer, deixará de haver interação com o mundo que a rodeia. O ato de supervisionar não deverá, em nosso entender, estar assente em nenhuma relação de superioridade, em qualquer das situações em que ocorra, mas, pelo contrário, no “conceito de distanciamento entre o observador e o observado, que permite o alargamento do campo de análise e a possibilidade da compreensão sistémica e contextualizada” (Sá-Chaves, 2000, p. 125), onde impere a credibilidade, o rigor e o bom senso. Todavia, não podemos esquecer que qualquer ser humano é, em primeira instância, uma pessoa e, só depois, um profissional, pelo que as palavras que devem caraterizar o clima relacional remetem-nos para o afeto, a amizade crítica construtiva e o respeito pela dimensão pessoal do outro.

A ação de supervisionar, assente numa atitude colaborativa e integradora, deve estimular um conjunto de competências que possibilitam (re)construir sentidos e olhares permitindo-nos ver o outro, através de diferentes focus de (super)visão, negociar, refletir para consolidar ou para (re)conceptualizar, crescer num clima de afeto, gerindo as relações interpessoais. É na junção dinâmica das diferentes competências técnicas e científicas com as intrínsecas ao ser humano (emoção, criatividade, imaginação, entre outras) que qualquer profissional se desenvolve, nomeadamente os que exercem a função de supervisor.

Mas, afinal, que cenário(s) supervisivo(s) mobilizar no processo de ADD?

O discurso normativo aponta o processo de SP na ADD para o cenário clínico. Segundo Alarcão e Tavares (2003), este cenário caracteriza-se por uma colaboração próxima entre o avaliado e o supervisor/relator, com o intuito de melhorar as conceções e as práticas dos docentes, valorizando-se a observação, a análise e a reflexão conjunta sobre as mesmas. Este cenário pressupõe, assim, uma abordagem centrada na resolução de problemas, organizada em fases que constituem o ciclo de supervisão, processo este que, contudo, pode vir a tornar-se rotineiro e até burocrático.

Apoiados em Sá-Chaves (2002) e Alarcão (2010), advogamos no contexto de ADD a mobilização do cenário integrador e do ecológico. O primeiro, porque assenta na “capacidade de construir soluções ajustadas à natureza complexa, incerta e frequentemente ambígua de cada situação educativa problemática, renunciando à crença de que possa existir um conhecimento de tipo standard que possa constituir uma resposta generalizada a todas elas” (Sá-Chaves, 2002, p. 23); o segundo, porque, como advoga Alarcão (2010), a supervisão poderá também enquadrar-se numa “perspetiva ecológica”, uma vez que o cenário ecológico toma em consideração as dinâmicas sociais e, sobretudo, porque a dinâmica do processo que se estabelece na interação entre a pessoa em desenvolvimento e o meio que a envolve, também em permanente mudança, assume “o carácter integrado de supervisão pedagógica institucional, dinamiza atitudes de auto e hetero-supervisão colegial e vive-se no coletivo dos professores” (p. 19).

Torna-se essencial que um dos desafios atuais da ADD não acabe aprisionado ou colonizado pelas lógicas de mercado onde impere o controlo burocrático. O processo de avaliação de professores “apenas poderá ser eficaz se se assumir como um processo formativo e assentar em estratégias de supervisão da ação pedagógica” que conduzam a práticas efetivas de melhoria (Sousa, Leal, & Cabral, 2012, p.31).

A SP deve ser convertida numa das principais plataformas para promover o desenvolvimento profissional, a melhoria das práticas docentes e consequentemente a melhoria dos resultados da escola. Mas será que na prática isso acontece, atendendo à complexidade da função docente e às dinâmicas organizacionais instaladas em cada contexto educativo? No capítulo seguinte abordar-se-ão os atuais desafios das escolas e dos professores no cenário atual da ADD.

Capítulo III – O Quadro Atual da Avaliação do Desempenho Docente: