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CAPÍTULO II A Supervisão Pedagógica

2.4. O Processo de Supervisão Pedagógica

2.4.3. Competências do Supervisor

O processo de produção de competências é um processo multidimensional, individual e coletivo, sempre contingente, dependendo do contexto e do projeto de ação. As competências emergem a partir da mobilização e do confronto de saberes, em contexto profissional. O conceito de competência traduz “o saber encontrar e por em prática respostas apropriadas ao contexto na realização do um projecto” (Canário, 2001, p. 30). A produção de práticas pedagógicas emerge a partir de um processo de aprendizagem coletiva, do qual emergem as competências individuais, remetendo, assim, para processos de socialização profissional.

Amaral et al. (1996) sugerem que, apesar de o professor ter que dominar técnicas de atuação que se fundamentam no conhecimento científico e sistemático, como

procedimentos de resolução de problemas letivos, há que ter a noção de que estes não são suficientes para todas as situações com que, na prática, o professor se vê confrontado e que desafiam, muitas vezes, soluções técnicas conhecidas e criam, por esse motivo, situações únicas e de conflito.

Nesta linha de pensamento, a questão central deste ponto remete-nos para o conceito de competência profissional. Assim, a competência prática torna-se numa competência profissional quando o procedimento de resolução de problemas se baseia no conhecimento sistemático, de preferência científico. Por isso, Domingos (2003) questiona o tipo de competências que serão necessárias para atividades que “tal como o ensino, se caracterizam por agir sobre situações que são incertas, instáveis, singulares e nas quais há conflitos de valor” (p. 71).

Recorrendo a Schön (1992), que desenvolveu a ideia central de professor reflexivo, é a partir da observação e das análises de atuação dos professores, que são confrontados com situações onde impera a incerteza, instabilidade e singularidade, que podemos aceder ao juízo de valores dos intervenientes do processo. Isto acontece porque os professores realizam uma série de ações de forma espontânea, sem ter delas consciência, muitas vezes sem se aperceberem que as aprenderam e que as mobilizam de uma forma quase automática, sem pensarem, conscientemente, que as vão utilizar (Domingos, 2003). Estas competências resultam de um conhecimento tácito que se manifesta na espontaneidade com que uma ação é bem desempenhada (Alarcão, 1996).

Por isso, o saber como, quando e o que fazer acaba por constituir-se como um conjunto de conhecimentos estruturados previamente à ação e que o professor coloca em funcionamento como aplicação de decisões que empreende e que se denomina knowing in action, i.e., conhecimento na ação (Schön, 1992), como já anteriormente se assinalou.

Na mesma linha de pensamento e inspirado no pensamento de Pollard e Tann, Marcelo (1992, 1995, 1999, 2009) fala-nos de destrezas ou de competências de vários tipos - empíricas, analíticas, avaliativas, estratégicas, práticas e de comunicação - competências estas que entende como necessárias à concretização de um ensino do tipo reflexivo. Este conjunto de destrezas passa pela capacidade de diagnosticar situações ao nível da escola, recolher dados objetivos e subjetivos relativos a essas situações, analisá-los tendo em vista a elaboração de uma teoria, emitir juízos de valor sobre o que se consegue apurar, pensar na ação futura e relacionar a prática com as interpretações que dela se fizeram, sendo que,

para além destas, os professores reflexivos devem ainda possuir uma boa competência comunicativa para partilharem as ideias individuais com os seus pares.

Também Ralha-Simões (1993, 1995), a partir dos estudos de Zimpher e Howey, alega que podem ser consideradas quatro dimensões de competências: (i) as técnicas, utilizadas para a análise de tarefas, resolução de problemas e para atingir objetivos previamente definidos; (ii) as clínicas, que se orientam na identificação e resolução de problemas em contextos educativos, a partir da reflexão; (iii) as críticas, que contribuem com um olhar mais abrangente e refletido para tomadas de decisão no sentido de tornar os problemas de ensino/sociais, mas justos e racionais; e por último, (iv) as pessoais, que se referem à intervenção do professor como pessoa, com os seus valores, as suas experiências, conhecimentos e convicções, que lhe conferem uma identidade que fará a diferença nos seus modos de intervenção interpessoal, partido do pressuposto de que os professores ensinam não só o que sabem, mas também aquilo que eles são.

Sobre o assunto, pode invocar-se também, no caso português, a indicação legal dos perfis específicos orientadores do desempenho profissional dos professores dos ensinos básico e secundário, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 240 e 241/2001, de 30 de agosto. Mais recentemente, também o Despacho n.º 16034/2010, de 22 de outubro, publica a definição de um perfil profissional77 do professor, que se estrutura, como já abordado no capítulo anterior, em quatro dimensões fundamentais: (i) profissional, social e ética; (ii) desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; (iii) participação na escola e relação com a comunidade educativa; (iv) desenvolvimento e formação profissional ao longo da vida.

Segundo o Preâmbulo do Despacho n.º 16034/2010, de 22 de outubro, estes padrões de desempenho constituem as vertentes que orientam as práticas docentes ao longo da carreira porque consagram “conceitos essenciais sobre o que representa integrar a profissão docente e identificam conhecimentos, capacidades e atitudes que lhe atribuem a especificidade no quadro da sociedade atual”. Os padrões de desempenho “definem as características fundamentais da profissão docente e as tarefas profissionais que dela decorrem”, tendo a dimensão do desenvolvimento do ensino e da aprendizagem um lugar central, pois a função principal do professor é ensinar e promover a aprendizagem dos alunos.

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Estes padrões de desempenho constituem, para o avaliador/supervisor, um instrumento de análise no processo da ADD, devendo a apreciação final resultar da articulação dos vários desempenhos descritos em cada domínio, bem como da relação entre as quatro dimensões supracitadas.

Nesse sentido, o supervisor deve mobilizar os diversos agentes numa ação conjunta, envolvendo-os e dinamizando a sua participação. Ao possuir uma visão global e estratégica, este líder78 pode influenciar a aprendizagem organizacional, já que esta decorre da aprendizagem de todos os atores, satisfazendo as necessidades que emergem da organização e dos indivíduos (Oliveira-Formosinho, 2002). O supervisor poderá, assim, assumir um estilo de liderança partilhada.

Blase e Anderson (1995, pp. 111-112) enumeraram sete competências de que os supervisores deverão ser detentores: (i) demonstrar a confiança nos professores, que se associa às ações individuais do professor; (ii) desenvolver estruturas de gestão partilhada, criando um calendário de reuniões, envolvendo todo o pessoal docente no processo de tomada de decisão e participando como membros de pleno direito, no apoio às decisões tomadas, independentemente da disposição pessoal; (iii) encorajar e auscultar a participação individual, promovendo uma escuta ativa das palavras e dos sentimentos dos professores, valorizando a sua opinião e criando ambientes de conforto e não-ameaçadores; (iv) estimular a autonomia individual do professor, para que os professores sintam que controlam os assuntos da sala de aula; (v) encorajar a inovação, a criatividade e a importância de correr riscos; (vi) fornecer reforços positivos, através do elogio e do reconhecimento das dificuldades do dia-a-dia; (vii) conceder suporte e apoio, através de oportunidades de desenvolvimento profissional do pessoal docente determinado pelos professores, disponibilização de tempo, de materiais, de recursos financeiros e ajuda na resolução de problemas pessoais e profissionais.

Oliveira (2001) refere que as funções de supervisão requerem profissionais com qualificação e formação adequadas ao nível da planificação, organização, liderança, apoio, formação e avaliação da organização escolar, com vista à qualidade e à procura de objetivos conjuntos. Por este motivo, devido às múltiplas funções que os professores desenvolvem, aqueles que possuem maiores responsabilidades ao nível da coordenação e

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Segundo Alarcão e Tavares (2003), os supervisores devem assumir funções de líderes, “provocar a discussão, o confronto e a negociação de ideias, fomentar e rentabilizar a reflexão e a aprendizagem colaborativas, ajudar a organizar o pensamento e a acção do colectivo das pessoas individuais” (p. 149).

liderança pedagógica e curricular (e.g., coordenador de departamento curricular, de ano, de ciclo ou curso e de estruturas de orientação educativa), e responsabilidades ao nível do acompanhamento e orientação profissional (e.g., coordenador de departamento, delegado de disciplina e orientador de estágio) estarão mais indicados para o desempenho de funções de supervisão. Por conseguinte, farão parte do seu rol de competências de formação: (i) apoiar os colegas no desempenho das suas atividades profissionais; (ii) apoiar a formação contínua dos professores a vários níveis, quer na identificação de necessidades de formação, quer na conceção e desenvolvimento de ações de formação; (iii) coordenar a organização de programas de formação de pessoal docente e não docente e desenvolver estratégias de motivação para a formação (pp. 49-51).

Os aspetos referenciados permitem assumir que a principal competência de um supervisor radica na sua capacidade em refletir sobre a sua ação, possibilitando a análise de opções múltiplas para cada situação e reforçando a sua autonomia face ao pensamento dominante de uma nova realidade (Cardoso, Peixoto, Serrano, & Moreira, 1996). Por conseguinte, num supervisor reflexivo79, a autonomia surge como uma responsabilidade pessoal assumida perante a forma como conduz as situações, analisa e resolve os problemas, em congruência com as suas responsabilidades éticas e sociais enquanto profissional (Alarcão & Tavares, 2003; Baptista, 2011; Domingos, 2003).

Estes processos de reflexão conjunta, que devem ser geradores de um saber específico da ação docente, fazem emergir o conceito de professor como um investigador. De facto, quando o supervisor oferece respostas, soluções e sugestões para um problema ou melhoria de uma situação, há por detrás da sua ação uma natureza investigativa, tal como um investigador dedicado às suas experiências (Rodrigues, 2009), sabendo que a prática docente e supervisiva é, em si mesmo, uma forma de investigar e potenciar competências transversais a todos os contextos, realidades e atores.