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CAPÍTULO II A Supervisão Pedagógica

2.4. O Processo de Supervisão Pedagógica

2.4.1. Papel do Supervisor

O cenário emergente de SP assente numa base democrática realça a importância da reflexão e da aprendizagem colaborativa e horizontal, do desenvolvimento de mecanismos facilitadores da auto-supervisão e da autoaprendizagem, exigindo um reposicionamento da figura do supervisor, já que as situações de supervisão se caraterizam por uma relação interpessoal dinâmica, que encoraje e facilite um processo de desenvolvimento consciente e comprometido (Alarcão & Tavares, 2003).

Neste sentido, devem ser colocados de lado os processos de imitação e de reprodução repassados que marcaram a relação supervisiva, onde imperava a diferenciação de saberes e de poderes entre supervisor e supervisados.

O supervisor tem como papel central facilitar o desenvolvimento do professor estagiário, ajudando-o a ensinar e a tornar-se num bom profissional. Ora, nesta relação dialética de conhecimento, em que os papéis de sujeito e objeto permutam constantemente, o desenvolvimento do próprio supervisor deve ocorrer continuamente (Albuquerque, 2003).

Numa perspetiva construtivista de desenvolvimento, é interessante verificar a adequação da palavra inglesa coaching a este contexto, sendo que é traduzida para

português por treino e ensino, comportando ideias de interajuda, de monitorização, de apoio, de acompanhamento, incentivo e encorajamento (Amaral et al., 1996), ideias presentes ao longo do desenvolvimento de todo o processo supervisivo.

Decorrendo a relação entre supervisor e supervisado de forma dinâmica e interdependente, a mesma acaba por corresponsabilizar os diversos intervenientes no processo, não sendo, no entanto, fácil definir uma única forma de acompanhamento que possa garantir os resultados pretendidos e as eficácias desejadas (Rodrigues, 2009).

A mudança de ação e de aceção a este nível aporta, inquestionavelmente, uma nova imagem do professor. Este deixa de ser o ator que trabalha isoladamente na sala de aula e passa a ser o profissional que trabalha em articulação com outros profissionais, com o intuito de educar pessoas que se encontram em crescimento, numa sociedade repleta de mudanças constantes. Da mesma forma, também o conceito de formação se altera, agora focalizado na escola, o que faz com que a imagem do professor se associe à necessidade imperiosa de suporte para resolver os problemas decorrentes do seu trabalho, pelo que necessita de uma formação e de suportes contextualizados, de conhecimentos teóricos e de aprendizagens conceptuais, assim como de aprendizagens experienciais e contextuais (Alarcão & Tavares, 2003).

É neste sentido que a própria função de supervisor adquire uma nova roupagem conceptual, que o define como “um líder ou facilitador de comunidades aprendentes no contexto de uma escola que, ao pensar-se, constrói o seu futuro e qualifica os seus membros” (Alarcão, 2000, p. 19).

Esta nova conceptualização do papel do supervisor contemporâneo proclama a necessidade de se desenvolver uma nova cultura referencial, personificada no papel do supervisor, tal como Oliveira-Formosinho (2002) explica:

“Procura incentivar uma cultura de trabalho reflexiva e orientada para o questionamento, uma cultura que desenvolva a independência e a interdependência, que promova o desenvolvimento de professores responsáveis e empenhados numa auto-renovação colaborativa, para benefício de todos os alunos. No fundo uma cultura que valorize professores capazes de serem autores de si próprios” (pp. 14-15).

Emerge, portanto, a ideia de que o papel do supervisor é de nível institucional, já que todos os professores acabam por ser gestores pedagógicos no exercício das suas funções (Amaral et al., 1996), apelando imperativamente para que todos os atores sejam e façam parte integrante e responsável do processo, contribuindo para a própria construção e qualidade da escola. Os supervisores, enquanto líderes ou facilitadores das comunidades aprendentes, não poderão, de forma isolada, ter a função de olhar globalmente a escola e acompanhar-lhe o percurso. Essa função deverá estar presente na equipa de governação da escola, fazendo parte do coletivo da instituição e trabalhando em íntima ligação com a sua direção e com os outros níveis de gestão e supervisão (Alarcão, 2000, 2001).

Compete ao supervisor estimular, igualmente, o processo de autoavaliação e a reflexão global da escola. Santiago (2000) refere que a SP já não tem como objetivo o indivíduo, mas a organização escolar, no seu todo. Este autor considera haver uma interdependência entre a qualificação dos professores e a qualificação da própria organização.

Por conseguinte e tal como afirmam Alarcão e Tavares (2003), é também urgente esbaterem-se alguns mitos e preconceitos que foram criados e alimentados ao longo dos tempos e que definem a relação que se estabelece entre supervisor e supervisado (superior/inferior, independente/subordinado, professor/aluno, avaliador/avaliado, fiscal/fiscalizado, etc.), sob prejuízo do fracasso de todo o processo supervisivo.

E, neste sentido, Vieira (1993) assume que é atribuído ao supervisor o papel de encorajador do relacionamento interpessoal, estreitando relações afetivas que influenciam, de forma significativa, a relação supervisiva e o equilíbrio emocional dos intervenientes. Também Alarcão (2009) fortalece este pensamento ao referir que, enquanto supervisores institucionais, o seu papel é fomentar o trabalho em conjunto, como colegas, numa atitude indagadora e transformadora. O supervisor, nesta aceção,

“não é aquele que faz, nem é aquele que manda fazer; é a pessoa que cria condições para que os professores pensem e ajam e façam isso de uma forma colaborativa, de uma forma crítica, indagadora, portanto, com um espírito de investigação que é hoje absolutamente necessário” (p. 120).

Deste modo, cabe ao supervisor a responsabilidade de acompanhar e de regular o processo formativo e avaliativo dos professores, proporcionando-lhes “apoio continuado e «feedback» objectivo e construtivo sobre a actuação educativa do sujeito em formação” (Moreira, 2005), assente num clima relacional de empatia, de confiança, de respeito pelo outro, interativo, reflexivo e colaborativo com a finalidade, de “contribuir para desenvolver no candidato (...) o quadro de valores, de atitudes, de conhecimentos, bem como as capacidades e as competências que lhe permitam enfrentar com progressivo sucesso as condições únicas de cada acto educativo” (Sá-Chaves, 2002, p. 167).

Os próprios normativos legais publicados no nosso País acabam por reforçar o papel do supervisor. Assim sendo, o relator/avaliador (nova figura emergente equivalente ao supervisor) assume uma figura central no atual sistema de ADD, com funções de coordenação, observação, acompanhamento e avaliação das atividades escolares, e ainda a promoção do trabalho colaborativo, sendo o elemento responsável pelo acompanhamento do processo de desenvolvimento profissional do avaliado, com quem deve estabelecer uma interação permanente, tendo em vista a dimensão formativa da ADD (n.º 1 do art.º 14, do Decreto Regulamentar n.º 2/2010).

Com a implementação do novo ECD, a partir de 2007, muitas foram as mudanças introduzidas na organização, na gestão pedagógica das escolas e na assunção de papéis por parte de quem nelas tem a missão de ensinar. Aos relatores e aos coordenadores de departamento curricular são exigidas agora funções de maior relevo no domínio da liderança dos seus departamentos e da supervisão e avaliação dos seus pares. Apesar destas considerações, configuram-se ambiguidades e contradições, decorrentes da implementação do Decreto Regulamentar n.º 2/2008. Os princípios, o âmbito, o enfoque e o posicionamento da ADD e da SP são diferentes, tal como sugere Moreira (2009b), assim como a relação que se estabelece entre os participantes e o modo como o professor encara os dois processos.

Nesta linha de consideração, Nolan e Hoover (2005) diferenciam a atividade avaliativa e supervisiva (cf. Quadro 11), assumindo que estas se desenvolvem em dimensões distintas. Da mesma forma, as pessoas que realizam estas tarefas também são diferentes, para que se possa claramente separar as finalidades das duas atividades. Todavia, não são estas as funções consagradas ao avaliador que a legislação portuguesa atribui atualmente ao docente que exerce funções de supervisor. Significa, pois, que a

legislação atribui à mesma pessoa funções que são (quase) incompatíveis (Moreira, 2009b).

Quadro 11

Dimensões Diferenciadoras da Supervisão e da Avaliação

Supervisão Avaliação

Finalidade principal

Promover o crescimento individual, para além do nível de atuação de desempenho

Formular juízos de valor acerca da qualidade global da competência do professor

Fundamentação

Reconhecimento da natureza complexa e multidimensional do ato de ensinar

Direito legítimo do Estado de proteger as crianças do comportamento imoral, incompetente ou pouco profissional dos professores

Âmbito

Restrito (um fator de cada

vez) Alargado (juízo globalizante)

Enfoque da recolha de dados

Individualizado, diferenciado, baseado em critérios individuais

Baseado em critérios estandardizados

Valorização da competência social

Competência partilhada e mutuamente reconhecida

Avaliador certificado pelo Estado/Distrito/Escola

Relação professor- supervisor

Colegial, reciprocidade orgânica (respeito e confiança, partilha de objetivos, experiência e liderança)

Hierarquizada, com grau razoável de distância de modo a tomar a avaliação o mais justa e neutra possível

Perspetiva do professor sobre o processo

Oportunidade para correr riscos e experimentar

Desempenho máximo para mostrar ao avaliador.

Traduzido e adaptado por Moreira (2009a, p. 252)

Ao observar o Quadro 11, verifica-se que a SP visa promover o desenvolvimento profissional do professor, em função da sua motivação e nível de pensamento, constituindo-se como processo de crescimento, centrado na melhoria da ação e do desempenho profissional. Com a ADD, procura-se formular juízos sobre a sua competência e certificar a competência do professor para o exercício da atividade profissional, com impacte na progressão na carreira. Consensualmente, defende-se a ideia de que a formação do professor se faz ao longo da vida, pelo que a figura do supervisor acaba por se desvanecer e a supervisão passa a auto-supervisão, uma prática indispensável na qual a ajuda de um supervisor colega no grupo disciplinar, da turma, da escola ou de outras instituições adquire uma nova dimensão, que não a que se prevê no novo modelo português de ADD. Como nos dizem Alarcão e Tavares (2003), o professor não pode esperar que alguém (do exterior ou interior da escola) lhe diga o que deve ou como deve fazer; ele terá que descobrir, por si mesmo, a melhor forma de atuar e enquadrar a sua responsabilidade em todo o processo.

Tal como sugere Moreira (2009b), a supervisão, no seu sentido lato, atua de fora para dentro, impondo aos professores as estratégias e soluções (técnicas e físicas) em matéria dos processos, dos conteúdos, dos materiais e da própria realização do ensino na sala de aulas. Sob o ponto de vista da supervisão clínica, por contraponto, a supervisão deverá operar-se de dentro para fora, colocando-se a tónica na observação e reflexão do próprio ensino e na colaboração participativa dos colegas que, na sala de aula, procuram a interação do processo de ensino e de aprendizagem.

Nesta linha, Alarcão e Tavares (2003) referem que a principal função do supervisor deve ser ajudar o professor a fazer a observação do seu próprio ensino, analisar, interpretar e refletir sobre os dados que foram recolhidos e procurar as soluções mais eficazes para as dificuldades e problemas que possam surgir. E, consequentemente, os autores referem que o problema da avaliação não se coloca, já que, com o desvanecimento da figura do supervisor, o modelo de supervisão clínica afigura-se como o mais viável.

Assim, “o fantasma da avaliação” não deve condicionar o processo mas deve promover uma relação espontânea de entreajuda, não dificultando o objetivo fundamental, que é o desenvolvimento humano e profissional do professor. O pensamento de Moreira (2009b) assinala que a função da SP deve ser consagrada como um modelo de transformação dos sujeitos e das suas práticas, com implicações (i)mediatas na ação profissional. Ela pode ser vista como um instrumento que regula os processos de ensino e de aprendizagem, integrando coerentemente a prática e a teoria, numa visão de transformação social e pessoal, assente na reflexividade profissional e orientada para a autonomia, tal como Vieira (1993, 2006) assinala.

Por conseguinte, quando a SP se encontra ao serviço de um interesse coletivo, ela permite promover a crença do professor, potenciando o seu sentido de eficácia, uma maior consciencialização sobre o modo como o professor concretiza objetivos comuns, um estímulo para planificar, em conjunto, os objetivos e ações, permitindo-lhes pensar, de forma mais abstrata sobre o seu trabalho (Glickman, Gordon, & Ross-Gordon., 2001).

O objetivo será criar condições para que, no futuro, o professor se torne progressivamente num profissional cada vez mais competente e mais autónomo, assumindo neste processo um papel central e ativo no que diz respeito ao seu desenvolvimento pessoal e profissional. A autonomia é entendida não como independência, numa perspetiva individualista, mas sim como a capacidade de tomar

decisões intencionais e gerir responsavelmente o processo de ensino/aprendizagem, assim como a predisposição para assumir responsabilidades nesse processo (Vieira, 2006).