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CAPÍTULO I A Avaliação do Desempenho Docente

1.5. A Avaliação do Desempenho Docente em Portugal

1.5.1. Retrospetiva Histórica da Avaliação dos Professores

Lançando um olhar retrospetivo sobre a história da avaliação dos professores, Aguiar (2011) advoga que os primórdios da ADD emergem do Estado Novo15. Com a extinção da monarquia em 1910, reconheceu-se um significativo progresso de alterações no plano de formação e de avaliação dos professores, “com a criação de duas Escolas Normais Superiores anexas à Faculdade de Letras e Ciências de Lisboa e Coimbra, através do Decreto de 29 de maio de 1911, onde foram especificados os princípios fundamentais para a formação do candidato a docente”. Em 1921 surge a Reforma do Ensino Secundário que aportou poucas ou nenhumas alterações à legislação vigente. Com a ditadura militar, em

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Trata-se do regime que vigorou no país entre 1933 e 1974. O Estado Novo português muitas vezes é chamado de Salazarismo, em referência a António de Oliveira Salazar, que ocupou a chefia do governo durante a maior parte desse período.

1926, “surgem os primeiros indícios da avaliação dos professores”, através das medidas introduzidas por Salazar (pp. 23-24).

No período anterior a 1901, "poucos eram os registos na legislação portuguesa relativamente à avaliação de professores" (Aguiar, 2011, p. 25). Teodoro (1994) refere que a profissionalização docente reconhece as suas medidas no tempo de Marquês de Pombal, nomeadamente, com a Reforma de 1759, que estipulava "a obrigatoriedade de uma licença de professor, passada pelo Estado, após um exame de capacidade", condição necessária para ensinar nas escolas públicas (p. 29). Entre essa altura e até 1901, o sistema educativo foi tendo momentos calmos de evolução, "com as principais reformas a estarem diretamente ligadas à criação e difusão das escolas normais, o que ocorreu entre 1816 e 1901" (Aguiar, 2011, p. 25).

Com o objetivo de manter os princípios e ideais republicanos (Carvalho, 2001), foi publicada a Lei n.º 410, de 9 de setembro de 1915, na qual o Ministério de Instrução Pública detinha um controlo rígido sobre os professores, aconselhando as reitorias a preconizarem uma vigilância apertada sobre a ideologia política dos seus funcionários, com especial ênfase para os professores.

Tal como nos diz Carvalho (2001), a ligação intrínseca entre a avaliação dos professores e os ideais republicanos encontra-se espelhada nesta Lei, pelo que não podia ser provida de cargos nos estabelecimentos de ensino, seja qual fosse o ramo de instrução, nem ser inscrita no professorado livre, qualquer pessoa que não tivesse provado “por atos e factos a sua franca adesão às instituições republicanas” (cf. Aguiar, 2011, p. 27).

Em maio de 1926, a Primeira República sofre um golpe militar que aportou um fim a toda a instabilidade política vivenciada no primeiro governo republicano em Portugal. Com este golpe, emerge a figura de Salazar que tem uma passagem fugaz enquanto Ministro das Finanças e, posteriormente, como Presidente do Ministério e que “viria a dar um contributo decisivo para a história da educação em Portugal” (Aguiar, 2011, p. 27).

É com o professor Oliveira Salazar e com Cordeiro Ramos, na pasta da Instrução Pública, que emergem os primeiros sinais para a implementação de um processo de avaliação de desempenho, tal como se encontra preconizado na Circular de 24 de abril de 1931. Esta circular instituiu um plano de avaliação de professores, convidando os mesmos a expor por escrito as suas opiniões sobre o projecto de “boletim de classificação dos serviços docentes”, enumerando cinco itens sobre os quais se deveria realizar a avaliação:

(i) a identificação, que “versa aspectos gerais”, deve ser preenchida pelo chefe da secretaria; (ii) a responsabilidade do professor diz respeito à situação e classificação geral das turmas entregues ao docente, planificação letiva e relatório das atividades desenvolvidas; (iii) dados mais siginificativos do curriculum vitae do professor; (iv) apreciação global do desempenho, a ser preenchida pelo diretor de classe, através da análise do livro de ponto, das fichas de trabalho, dos instrumentos de avaliação, da assiduidade e pontualidade, dos cadernos diários e das próprias aulas, estando prevista a assistência de aulas; (v) parecer final da competência do Reitor, que deveria versar sobre: exame do livro de ponto, dos cadernos diários dos alunos, assistência às aulas, participação em reuniões do conselho escolar, assiduidade, pontualidade, zelo e confirmação dos restantes elementos acima referidos (cf. Pacheco & Flores, 1999, p. 183).

Em abril de 1932 foi publicada a Circular n.º 36716, que suspende a Circular anterior, dadas as subjetividades interpretativas dos critérios de avaliação. Essa subjetividade surge pelo facto de os professores confundirem a avaliação dos seus colegas com a avaliação do estabelecimento de ensino onde lecionavam, o que aportou uma falta de imparcialidade de alguns Reitores, para os quais os professores eram todos Muito Bons ou Bons (cf. ibidem).

Para Pacheco e Flores (1999), a reforma educativa de 1947 introduz “um complexo sistema de controlo, coordenado pela autoridade absoluta do reitor e concretizado pelos directores de ciclo, inspecção, manual e avaliação nacional” (Ibidem).A 17 de setembro de 1947, é promulgado o Decreto-Lei n.º 36507 que consagra a Reforma do Ensino Liceal (Estatuto do Ensino Liceal), reforçando-se a ação repressiva do Estado. Como é justificado no Preâmbulo deste Decreto-Lei, a avaliação do professor “surge umbilicalmente associada à inspecção, pois sem este organismo não dispõe o Ministério de elementos que lhe permitam conhecer e fiscalizar o serviço docente e graduar e classificar os professores segundo os seus verdadeiros méritos” (Pacheco & Flores, p. 184).

O modelo de gestão dos estabelecimentos do ensino liceal instituído por este Decreto assentava numa direção constituída por um Reitor, um Vice-Reitor e um Secretário; um Conselho Escolar e um Conselho Disciplinar, que prestavam assistência ao Reitor; um

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Nesta Circular pode ler-se o seguinte:“(…) trata-se de uma experiência, que se faz pela primeira vez, e – como aliás, até certo ponto, é natural – divergem muito os critérios segundo os quais, nos diversos liceus, são apreciados os serviços docentes. Para alguns reitores, são muito bons todos ou quasi todos do seu liceu; para outros são todos bons; raros são os que estabelecem diferenças, dentro do liceu, de professor para professor – diversidade de critérios e de atitudes que, a aceitar-se, conduziria a flagrantes injustiças, tanto mais graves quanto é certo que a lei estabelece sanções, diferentes conforme a nota de serviço, que for atribuída a cada professor” (Pacheco & Flores, 1999, p. 183).

Conselho Administrativo de que faziam parte o Vice-Reitor, um Diretor de Ciclo, o Secretário e o Chefe da Secretaria. Os órgãos de gestão eram nomeados pelo Ministério, para que pudesse ser assegurado o controlo político-ideológico das escolas. O Reitor era a figura que assegurava a autoridade da escola.

A Reforma do Ensino Secundário, realizada pelo Ministro da Educação Nacional Pires de Lima em 1947, concedeu particular enfoque às Escolas Técnicas, sendo que estas e os liceus iriam manter essa estrutura organizativa estável até 1974. A Reforma Educativa preconizada pelo Ministro Pires de Lima vê os seus intuitos concretizados com a publicação da Circular n.º 1440, de 14 de novembro de 1947, que estabeleceu os princípios básicos da avaliação de professores, através da aplicação dos boletins de inquérito aos professores (cf. Aguiar, 2011, p. 24).

Porém e tal como aduz Aguiar (2011), estes boletins apenas cumpriram a função de manutenção e de perpetuação dos ideais de Salazar, do Estado Novo e do seu regime autoritário. Nesta altura, a avaliação dos desempenhos docentes era realizada pela inspeção, que tinha como função “assistir a aulas, sessões ou quaisquer trabalhos dos alunos, e passar exercícios a estes, para verificação do seu adiantamento e do rendimento do ensino” (Decreto-Lei n.º 36507/1947, art.º 14817, in Pacheco & Flores, 1999, p. 184).

Podemos acrescentar, na esteira de Pacheco (2009) e de Pacheco e Flores (1999), que, durante décadas, eram os Reitores que faziam a avaliação dos professores. A partir da década de quarenta do século passado, estes passaram a ser auxiliados pela inspeção, com as funções descritas no art.º 148 do Decreto-Lei n.º 36507/1947.

Naquela época, os professores eram avaliados mediante vários critérios: rendimento do ensino, intervenção em trabalhos extracurriculares, assiduidade e pontualidade e ainda, pela intenção de se aperfeiçoarem e melhorarem continuamente as suas competências educativas e pedagógicas. Estas atividades deveriam ser monitorizadas pelos inspetores, mas, na prática, o que se verificava é que eram os Reitores que realizavam esta avaliação, pelo facto de os inspetores não conseguirem efetuar, de forma eficaz, a avaliação das competências traçadas nos planos normativos.

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O Decreto-Lei n.º 36507/1947 de 17 de setembro regulamenta a matriz que passa a definir o ensino nos liceus e justifica as opções tomadas (Pacheco & Flores, 1999).

Nesse sentido, de acordo com o instituído no artigo 18, do Decreto-Lei n.º 36507/1947, eram os Reitores que avaliavam os professores18, assistindo com frequência às aulas e sessões, bem como aos restantes trabalhos escolares, intervindo neles se fosse necessário. O Reitor prestava à Inspeção do Ensino Liceal informações sobre a qualidade do serviço dos professores e quaisquer outras que lhe fossem solicitadas. Posteriormente, era o Reitor que “elaborava uma informação (sempre qualitativa) confidencial - muito benevolente - para a Inspeção, que se limitava a sancioná-la em termos de resultados, uma vez que o Bom era condição indispensável para a contagem do tempo de serviço”. O supracitado normativo, no seu artigo 183º, aduz ainda dois critérios bastante importantes para o regime ditatorial da altura: “o espírito de cooperação e de lealdade nas relações com o Reitor e os colegas” e o “respeito pelas autoridades e pelos princípios consignados na Constituição e nas leis”. Estes princípios eram primordiais nesse tempo “tão ideológica e curricularmente controlado” (Pacheco & Flores, 1999, pp. 184-185).

Este processo de ADD, que vigorou num regime político não democrático, onde as escolas eram regidas de forma repressiva por forma a assegurar o controlo político e ideológico (Ventura, 2006), era realizado de forma burocrática sem a participação dos avaliados, mantendo-se inalterado até à Revolução de 25 de abril de 1974. A sua natureza, meramente administrativa, não possuía qualquer influência na progressão da carreira e no desenvolvimento profissional dos professores. Estes, por sua vez, não possuíam qualquer participação na sua própria avaliação e não tinham qualquer intervenção no desfecho da mesma, não podendo pronunciar-se sobre os resultados da avaliação que era realizada pelos Reitores e pela inspeção (Barroso, 2006; Curado, 2002; Simões, 2000).

No período posterior ao 25 de abril foi publicado o Decreto-Lei n.º 36507/1974 de 17 de setembro, que, no seu Preâmbulo, aludia que a avaliação do professor se encontrava associada à Inspeção, na altura, o único mecanismo que o Ministério detinha para conhecer e fiscalizar o trabalho docente e graduar, através de classificações, os professores, de acordo com os seus verdadeiros méritos (Pacheco & Flores, 1999). Esta avaliação seguia um modelo externalista, assente numa lógica sumativa (Hadji, 1995; Machado 2009; OCDE, 2009a,b,c; Murillo Torrecilla, 2006, 2007), no qual os professores não possuíam

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Na prática, os serviços de inspeção não eram “capazes de materializar as competências, traçadas no plano dos normativos” (Pacheco & Flores, 1999, p. 185).

qualquer intervenção, o que, de acordo com Nevo (2002) é um aspeto limitativo, já que os professores e a escola devem ser parceiros do processo avaliativo.

Após o período pós-revolucionário, que foi caraterizado pela falta de controlo por parte das autoridades administrativas em matéria da educação, implementa-se, em 1976, o modelo de “gestão democrática” das Escolas Secundárias, com a publicação do Decreto- Lei n.º 769-A/76 de 23 de outubro, onde o Estado procura recuperar o seu papel centralizador na política educativa e “ lançar as bases de uma gestão que, para ser verdadeiramente democrática, exige a atribuição de responsabilidades” (Preâmbulo) aos docentes e restante comunidade escolar.

A partir dos anos oitenta, Almerindo Afonso (2002) refere que se assiste, no âmbito das políticas públicas da educação, a

“um crescente retomar do protagonismo da avaliação como dispositivo de regulação e controlo dos sistemas de ensino. Em muito dos países capitalistas ocidentais mais avançados, e de uma forma mais explícita e intencional do que em outros momentos ou conjunturas sócio-políticas, a avaliação ampliou as suas fronteiras e diversificou a sua presença, passando a incidir, simultaneamente, nos resultados académicos dos estudantes, na acção dos professores, na actividade das escolas e também na própria definição e implementação das políticas educativas” (pp. 31-32).

No período compreendido entre 1974 e 1986, a questão da avaliação dos professores desapareceu da agenda educativa, “visto encontrar-se associada a sistemas de controlo característicos do passado autocrático” (Curado, 2002, p. 16). Este contexto de educação perdurou até 1986 (altura em que decorre a adesão de Portugal à Comunidade Europeia), ano em que foi publicada a Lei de Bases do Sistema Educativo Português (LBSE), Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, que estipula a vinculação da progressão na carreira à avaliação da atividade docente, no estabelecimento de ensino e na comunidade (art.º36º).

1.5.2. Estatuto da Carreira Docente e a Avaliação do Desempenho: dos Anos 90