• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II A Supervisão Pedagógica

2.4. O Processo de Supervisão Pedagógica

2.4.4. Instrumentos da Supervisão Pedagógica

2.4.4.4. O Portefólio

A elaboração e o uso do Portefólio85 é uma filosofia de vida, uma estratégia, uma construção que constitui uma peça única, onde o autor, com grande sentido de autoria, reflete e se apropria singularmente da informação, (re)construindo o seu conhecimento

85

Tierney (1991) refere que o primeiro uso do portefólio na educação nos remete para 1940, na Holtville

School no Alabama, denominado de folder e que se refere a uma pasta, onde todos os trabalhos dos

estudantes eram guardados e, depois, mostrados aos pais, os quais poderiam acrescentar comentários. Depois da II Guerra Mundial, com as alterações que acarretou para o sistema de avaliação, foram aplicadas práticas de avaliação baseadas em exames e o projeto do portefólio foi abandonado, (re)surgindo nos anos 80, como uma forma de organização de trabalhos dos ensinos primários, secundário e universitário. Este conceito reconhece a sua origem nas artes visuais e na área financeira, caracterizando-se por uma pasta fina e de grande dimensão, na qual os artistas e fotógrafos colocavam amostras do seu trabalho, para serem apreciadas por especialistas; o portefólio surge assim como proposta para uma nova modalidade de avaliação (Villas- Boas, 2006).

pessoal, através de uma estratégia de investigação-ação e do uso de vários instrumentos de registo (Sá-Chaves, 2005).

Esta ideia é também assinalada por Hernández (1998), que o define86 como um “continente de diferentes classes de documentos (notas pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais, controlo de aprendizagem, conexões com outros temas fora da escola, representações visuais, etc.), que proporciona evidências do conhecimento que foi construído, das estratégias utilizadas e da disposição de quem o elabora em continuar aprendendo” (p. 100).

Por conseguinte, para Veiga Simão (2005), o portefólio é mais do que uma coleção de trabalhos realizados pelo autor ao longo do tempo, uma vez que promove o aparecimento de uma aprendizagem reflexiva. Neste contexto: “(…) falamos, então, de portefólios híbridos que mantêm a possibilidade de escolha de materiais para avaliação mas que têm de respeitar critérios de selecção e de reflexão pré-estabelecidos” (p. 282).

É por esse motivo que uma das características atribuídas ao portefólio nos remete para a sua capacidade autorreflexiva, pois ele não é mais do que a concretização do difícil processo reflexivo, continuado e sempre inacabado, através do qual, o professor demonstra a sua capacidade de autoavaliação e de reflexão acerca da sua prática. E, neste sentido, Rovira (2000) sublinha que “o portefólio revela a evidência tangível dos processos resultados ou realizações e as competências que vão sendo actualizadas quando a pessoa muda e cresce” (p. 512).

O portefólio é mais do que uma simples coleção de informação, já que, para a sua elaboração, é necessário produzir reflexões sobre os aspetos que integram o processo de atuação, no qual o professor se encontra inserido (Bernardes & Miranda, 2003). Por isso, é um produto inacabado, em constante transformação e evolução, possibilitando um registo contínuo das aprendizagens, dos progressos e das experiências, resultantes do exercício das suas atividades. O portefólio assume-se como um instrumento dinâmico em permanente mudança, que reflete a complexidade do processo educativo. Neste sentido, torna-se num

86

Veiga Simão (2005) acrescenta que “os portefólios podem dar origem a uma outra ‘cultura’, a uma outra ideia de sala de aula, tornando-o num local onde as aprendizagens se vão construindo em conjunto e individualmente ao ritmo de cada um; em que se reflecte e pensa em que se valorizam as experiências, instituições e saberes de cada aluno, em que se acredita que as dificuldades podem ser superadas e em que, essencialmente, se aprende” (p. 281).

instrumento87 de comunicação privilegiado entre o supervisor e o professor, e caracteriza- se por um processo de colaboração contínuo cujo intuito é o de recolher, de forma sistemática, dados que permitam uma dinamização e uma diversificação das suas aprendizagens (Hargreaves, 1998).

Sob a perspetiva do supervisor, Ceia (2001) considera que o portefólio permite aceder ao processo de aprendizagem e de desenvolvimento profissional do professor, representando um olhar autocrítico sobre aquilo que foi ensinado, sobre os métodos de ensino que foram utilizados e sobre o processo de avaliação a que o professor será sujeito. Por isso, ele constitui-se como um instrumento facilitador do pensamento reflexivo, já que, na sua elaboração, é necessária uma (re)construção do próprio conhecimento do professor em formação, permitindo-lhe uma atitude mais consciente do seu próprio desempenho pessoal e profissional.

É nesta perspetiva que Coelho e Campos (2003) referem que o portefólio é um instrumento de aprendizagem que possui uma forte componente humana e pedagógica, sendo determinante na formação progressiva do professor e constituindo-se, na sala de aula, como um instrumento de regulação e de avaliação que se associa às práticas pedagógicas. Todavia, ele não é, por si só, um instrumento de avaliação, já que deve proporcionar e desenvolver no professor uma forma de organizar e guardar, sistematicamente, a informação que foi recolhida ao longo da sua aprendizagem.

Sá-Chaves (2009a) defende a ideia de que o portefólio deverá constituir-se como um instrumento que permite: (i) estimular o desenvolvimento da reflexão; (ii) o desenvolvimento de competências de investigação; (iii) a perceção da aprendizagem adquirida durante um certo período de tempo; (iv) delinear uma estratégia, de modo a conhecer aprofundadamente o contexto de trabalho; (v) documentar a avaliação; (vi) fomentar a interação entre pares.

MsAskill (2002, p. 3) apresenta um modelo de utilização do portefólio que permite promover a reflexão e as decisões dos professores na sua construção. Este autor salienta que a modalidade de registo fornece informações e documentação significativa sobre a capacidade dos professores, sobre o que aprenderam e são, efetivamente, capazes de fazer.

87

O portefólio possui uma dupla funcionalidade: por um lado, constituiu uma dimensão estruturante e organizadora e, por outro lado, uma função reveladora e estimulante nos processos de desenvolvimento pessoal e profissional (Tierney, 1991).

O seu modelo integra o "produto", que se refere ao conteúdo constante no portefólio, o "processo", que são as decisões que têm que ser, necessariamente, empreendidas durante o processo de construção do mesmo, e a "perceção", que se identifica com a reflexão que deve ser realizada sobre os objetivos e sobre o trabalho realizado (cf. Figura 8).

Figura 8. Áreas Envolvidas na Elaboração do Portefólio (adaptado de McAskill, 2002, p. 3)

O portefólio, segundo Veiga Simão (2005), é uma ferramenta e um processo de avaliação, pelo que deve ter uma estrutura que contemple os seguintes aspetos: (i) discussão com os professores sobre noções de portefólio, nomeadamente em contextos de aprendizagem-formação; (ii) descrição dos conteúdos e documentação a incluir no portefólio; (iii) apresentação do cronograma de execução; (iv) calendarização de reuniões de análise do portefólio entre supervisor e professor; (v) reflexão conjunta acerca de critérios de avaliação do portefólio.

Esta relação transmite ao professor uma maior confiança em si próprio, uma vez que o supervisor o orienta com o intuito de que o portefólio o torne mais consciente e informado sobre a sua prática, tal como refere Sá-Chaves (2009a).

Também Klenowski (2004) considera que há um conjunto de questões que devem estar incluídas no portefólio: (i) que competências, conceitos e conhecimentos têm sido demonstrados?; (ii) há evidência de desenvolvimento ao longo do tempo?; (iii) os contextos referentes às evidências são significativos?; (iv) em que medida a planificação do portefólio foi seguida? ; (v) quais devem ser os próximos objetivos do professor, quer em termos de ultrapassagem de lacunas quer de desenvolvimento de um novo trabalho?

Ao refletirmos sobre o portefólio, diríamos que ele se constitui como um instrumento importante para, tal como sugere Richards (1990), se recolherem informações sobre os quatro “eus” do professor: (i) o eu conhecido (the open self), com informação sobre o

PRODUTO

Conteúdo do portfólio

PROCESSO

Decisões sobre o portfólio

PERCEÇÃO

Reflexão sobre os objetivos e sobre o trabalho realizado

comportamento que é conhecido pelo professor e pelos outros e que o professor pode e quer partilhar com o outro; (ii) o eu secreto (the secret self), com informação sobre o comportamento conhecido pelo professor, mas não pelos outros, e que o professor não quer partilhar, por receio de ser visto como incompetente; (iii) o eu desconhecido (the blind self), com informação sobre o comportamento do professor que é conhecido pelos outros, mas desconhecido pelo próprio professor; (iv) o eu escondido (the hidden self), com informações sobre o comportamento do professor que não é conhecido nem por este, nem pelos outros. Nesse sentido, tal como Fernandes e Veiga Simão (2007, p. 216) indicam, o portefólio é uma ferramenta flexível e ampla, e a sua construção faz parte de um ciclo de co-reflexão e co-avaliação que promove um desenvolvimento do “eu pessoal” e do “eu profissional”.

Para Coelho e Campos (2003) existem três grupos de portefólio: (i) os de aprendizagem, constituídos pelos trabalhos realizados pelo professor e as suas reflexões sobre os mesmos, que visam, não só a apresentação do seu percurso, como também a responsabilidade perante a sua aprendizagem; (ii) os de apresentação, que se referem a uma síntese dos melhores trabalhos e das reflexões do professor, justificando as suas escolhas, tendo como finalidade evidenciar todo o seu potencial; (iii) os de avaliação, que possuem como objetivo analisar todos os trabalhos que o professor escolheu, para fazer parte do mesmo. Este tipo de portefólio possui um caráter formativo, mas também avaliativo, já que é onde se regista, sintetiza e contextualiza toda a complexidade do processo de formação vivenciado pelo professor. Para os autores, os três tipos de portefólio têm em comum o facto de privilegiarem a qualidade dos trabalhos apresentados, em detrimento da quantidade.

Para a construção dos diversos portefólios, segundo Grilo e Machado (2005), devemos ter em conta os seguintes fatores: (i) ser contínuo e permanente, permitindo-nos ter informações de como decorreu todo o processo; (ii) ser multidimensional, integrando uma larga variedade de artefactos e de processos ilustradores dos diferentes passos do processo de aprendizagem; (iii) fornecer oportunidades de reflexão conjunta e colaborativa; (iv) conter dados relativos à forma como os professores refletiram sobre os seus próprios processos de cognição e metacognição; (v) conter os trabalhos realizados pelo professor ao longo do tempo, bem como uma variedade de diversos trabalhos

representativos de determinados tipos de avaliação, de modo a que o portefólio se torne num instrumento mais útil e completo.

O portefólio promove a aproximação e colaboração conjunta do professor e do supervisor, não somente na planificação da aprendizagem, mas também na forma de a colocar em prática, podendo conduzir a uma forma inovadora de concretização dos processos de ensino e aprendizagem (Cole, Ryan, Kick, & Mathies, 2000).

De acordo com Grilo e Machado (2005), o portefólio conduz a um uso sistemático do texto narrativo, enquanto documentário do eu, que

“(...)não só promove o desenvolvimento do formando a partir das suas próprias experiências, motivações e necessidades como contribui para a sua auto- avaliação e o seu autoconhecimento (...). O processo de organização do portfolio levou os professores a pensar sobre os seus pontos fortes e as suas fragilidades como professores em formação. Permitiu-lhes ser mais realistas acerca da sua actividade profissional e a procurar formas de a melhorar” (p. 31).

As principais desvantagens referenciadas para esta metodologia de avaliação remetem-nos para o elevado consumo de tempo e de energia, mas trata-se de um bom olhar sobre as práticas pedagógicas em qualquer etapa da vida profissional.