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CAPÍTULO II A Supervisão Pedagógica

2.2. Supervisão Pedagógica: Definição e Finalidades

A SP surge intimamente relacionada com a formação inicial. O seu objetivo residia na transmissão de conhecimentos, com vista à preparação de professores competentes, numa dinâmica relacional em que o formando (professor estagiário) assume o papel de objeto passivo nas orientações recebidas pelo supervisor (também designado de formador ou orientador), visto como um modelo de referência a seguir, como se a sua ação pedagógica não dependesse dos contextos ecológicos, sociológicos e culturais onde se inserisse (Moreira, 2009b).

Esta dinâmica relacional, tida muitas vezes como uma inspeção dolorosa das práticas do professor, apontava para um processo fechado, temporário e inerte, cuja finalidade residia única e exclusivamente na certificação ou na avaliação formativa do professor estagiário. É neste contexto que o termo supervisão acolhe resistências, já que se encontrava associado a conceitos relacionados com chefia, dirigismo, imposição e autoritarismo (Vieira, 1993).

A perspetiva histórica nem sempre foi clara em separar os conceitos de inspeção e de supervisão, apresentando-os, muitas vezes, como sinónimos. Metodologicamente, estes conceitos são distintos, uma vez que a inspeção se assume com o caráter de “controlo e de avaliação” e a supervisão com o papel de “apoio no aperfeiçoamento profissional e organizacional” (Ventura, 2006, p. 237).

A associação da SP à formação inicial de professores conferiu-lhe um sentido transversal aos domínios da atividade humana, cuja finalidade nos remete para a manutenção ou melhoria da qualidade dos serviços e dos produtos, potenciando o desenvolvimento da pessoa e da instituição. E, neste sentido, a SP não é mais do que um processo interativo que ocorre entre um professor (em princípio mais experiente e informado) e um candidato a professor, sendo que o primeiro orienta o segundo, numa relação dialógica permanente, com a finalidade de conferir autonomia ao segundo (Alarcão & Tavares, 2003).

Não obstante, a definição de SP vai para além da mera orientação, uma vez que se constitui como um constructo complexo que adquire sentido quando se encontra

contextualizado e adequado à situação que o motiva e espoleta. Daí a definição proposta por Alarcão e Tavares (2003) e que a assume como “uma ação multifacetada, faseada, continuada e cíclica” (p. 20).

Esta ação supervisiva da prática profissional assume diferentes formas, caraterizando-se por atividades que envolvem experiências de natureza prática no âmbito das disciplinas do curso, observação e análise das práticas dos professores que se encontram a exercer a sua atividade profissional, passando por intervenções pedagógicas pontuais, e assumindo a figura de estágio profissional na fase final do curso, no qual o professor estagiário acaba por assumir a responsabilidade pela docência. É, portanto, configurada como uma prática “duplamente supervisionada” através do supervisor da instituição de formação superior e do supervisor cooperante da escola, que acolhe na turma pela qual é responsável, o futuro professor que se encontra em processo de formação inicial (Tomaz, 2007).

Pese embora a SP, neste âmbito, ser caraterizada como um momento de conflitualidade e ambiguidade socioprofissional, relacional e mesmo epistemológica, ela pode constituir-se como “período de elevado valor formativo, pela variedade e riqueza das aprendizagens realizadas” (Vieira, Moreira, Barbosa, Paiva, & Fernandes, 2006, p. 45).

Em Portugal e na perspetiva de Vieira (1993, p. 60), o conceito de SP assume-se com uma natureza prescritiva que confere ao supervisor o papel central nas tomadas de decisão sobre quem faz o quê, para quê, como, onde e quando. Muitas vezes, o professor, não sendo detentor de conhecimentos sobre a SP, tenderia a agir resignadamente, em função do papel que lhe fora atribuído e do enquadramento conceptual que conferia às práticas que deveria seguir. É neste sentido que emerge a necessidade de uma reflexão conjunta entre supervisor/professor relativamente às formas de conceção, organização e gestão do processo de supervisão.

Ao se atender a esta necessidade, compreende-se que a formação dos professores aporta para a escola a prioridade de uma ação de partilha e de abertura à mudança, necessárias ao desenvolvimento pessoal e profissional. Os professores em formação e a presença dos supervisores acabariam por reforçar a “autonomia profissional”, já que segundo Nóvoa (1991, p. 524), a formação permite aos professores uma “capacidade própria para produzir conhecimento científico, para conceber os instrumentos técnicos mais adequados e para decidir das estratégias concretas a pôr em prática”. Por conseguinte,

esta proximidade relacional e de troca de sinergias impede o isolamento que o professor possa sentir no decurso da sua atividade, já que a partilha com os pares sobre os seus constrangimentos e realizações permitem o seu autoconhecimento, a sua autoavaliação e, consequentemente, o seu reposicionamento relativamente ao ensino e à aprendizagem, atenuando a discrepância efetiva entre a teoria e a prática, entre o ideal e o real.

Ora, é neste percurso integrador das práticas supervisivas (inicialmente remetido para a formação inicial dos professores e, posteriormente, para a formação contínua), que emerge a inclusão da SP associada à ADD, regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de janeiro, e Decreto Regulamentar n.º 2/2010, de 23 de junho. Surge, por conseguinte, a necessidade de se redefinir o conceito e a abrangência de SP, tal como alude Alarcão (2009)64, sublinhando que esta nova dimensão do conceito de SP se revela mais profícua, já que ultrapassamos os limites impostos pela relação entre a SP e formação inicial e albergamos um conjunto lato de interações que permitem uma melhoria na qualidade das práticas educativas em sala de aula e de toda a comunidade educativa. Passamos a olhar para a SP não focalizada no professor, mas em todos os professores, não focalizada na quantidade de formação, mas na sua qualidade.

Nesta nova conceção mais ampla de SP, tal como Marques (2008) sublinha, integram-se,

“para além da supervisão do ensino, propriamente dita, todo um conjunto de actividades que vão desde a avaliação da actuação dos professores, o desenvolvimento de projectos e de programas, a gestão de pessoal à participação e apoio à comunidade, a despistagem e resolução de problemas, o controlo das finanças, o regulamento dos casos disciplinares, a organização de actividades paraescolares, a regulamentação da segurança da escola, as relações profissionais entre colegas, o regulamento dos problemas de grupos raciais e étnicos e actividades de formação do corpo docente e funcionários” (p. 44).

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Segundo Alarcão (2009), “quando olhamos para o desenvolvimento do percurso da supervisão, notamos um alargamento da área da sua influência, notamos uma maior associação da supervisão ao desenvolvimento profissional. Ao falar em desenvolvimento profissional, estou a pensar não só nos candidatos a professores, mas sobretudo, no desenvolvimento profissional dos que já são profissionais e se encontram em ambiente de formação contínua em contexto de trabalho; estou a considerar uma orientação mais colaborativa e menos hierárquica” (p. 120).

E, nesta linha de pensamento, corroboramos a opinião de Sullivan e Glantz (2000), quando afirmam que a supervisão do nosso século tem duas características: uma característica de “democraticidade” e uma de “liderança com visão”. Democraticidade, porque é uma supervisão baseada na colaboração entre os professores, em decisões participadas e na prática reflexiva, visando profissionais autodirigidos e autónomos. E também de liderança por parte dos atores envolvidos, que perspetive o futuro, que promova os valores da democraticidade e desenvolva programas supervisivos com impacte na qualidade da educação.

Assim sendo, a SP possui intrinsecamente, uma natureza questionadora, analítica, interpretativa, teorizadora e reflexiva do trabalho do professor, que assenta num acompanhamento e na discussão permanente do processo e da ação e dos seus resultados (Alarcão & Roldão, 2008), enaltecendo a importância da aprendizagem colaborativa e horizontal, o desenvolvimento de mecanismos que possibilitam a auto-supervisão e a autoaprendizagem, bem como a capacidade de gerar, gerir e partilhar o conhecimento, visando a criação e sustentação de ambientes promotores da construção, sustentação e desenvolvimento da autonomia profissional (Sá-Chaves, 2002; Vieira, 2006).

Estando o processo de supervisão alicerçado numa dimensão analítica, de investigação, de experimentação, de formação e de avaliação, a sua principal finalidade é ajudar o professor a construir o seu conhecimento profissional através de uma relação dinâmica, encorajante e facilitadora com o supervisor. Essa relação deve potenciar um conjunto de competências e de atitudes, das quais destacamos o espírito de autoformação e de desenvolvimento, a capacidade de resolver problemas e de tomar decisões conscientes e acertadas, a capacidade de refletir e fazer críticas e autocríticas de modo construtivo e a capacidade de trabalhar com os outros elementos envolvidos no processo educativo (Alarcão & Tavares, 2003, p. 71-72).

Apesar disso, o peso que a avaliação assume no processo supervisivo não pode ser relegado para segundo plano e, como tal, pode colidir com a manutenção de uma relação facilitadora e encorajante que se pretende estabelecer. Esta dualidade pode ser ultrapassada e minimizada pelo estabelecimento de “uma relação interpessoal positiva, esclarecida e saudável” entre os atores envolvidos e onde estes se sintam “comprometidos com um

objectivo comum: a melhoria (...) através de um ensino de qualidade” (Alarcão & Tavares, 2003, p. 72).

Na perspetiva de Garmston, Lipton e Kaiser (2002), residem três finalidades básicas que podem ser imputadas ao processo de supervisão: (i) melhorar a instrução (que se encontra dependente do estilo pessoal do professor, do repertório de estratégias pedagógicas de ensino, das decisões relacionadas com a gestão da aula, dos resultados dos alunos, da planificação do ensino e da avaliação, entre outros); (ii) desenvolver o potencial de aprendizagem do supervisor (i.e., a criação da capacidade de formação constante em cada docente, que seja capaz de se autodirigir, de se envolver na colocação de problemas e na resolução dos mesmos); (iii) promover a capacidade de organização, de criar ambientes de trabalho autorrenováveis (i.e., criar condições para que certas barreiras e obstáculos possam ser ultrapassados).

Galveias (2008), ancorada na metáfora “pôr/colocar andaimes” (scaffolding), defendida por Vigotsky (1978)65 a propósito do desenvolvimento humano, assume que a imagem de um andaime sugere aquilo que se pretende com o processo de SP:

“(…) uma base sólida e estruturante, adequada às necessidades do professor, adaptável, mas sempre como ponto de partida para o ajudar a ir mais longe. Neste sentido, a arte da construção do edifício é tornar os andaimes desnecessários. Quando o edifício está pronto, rapidamente se esquece que foi vital a colocação dos andaimes no seu processo de construção. Fazendo a analogia, a autora refere que em SP implica erguer estruturas de apoio e revê- las constantemente até o edifício esteja ‘pronto’, ou seja, a quantidade de suporte será tanto maior quanto mais alto for o edifício ou a complexidade da sua construção, estando a qualidade do suporte dependente do tipo de ajuda necessária. (…) O supervisor coloca andaimes para que o processo de crescimento e desenvolvimento profissional se vá gerando; ajuda a criar redes de recursos, de comunicação e de apoio; vai ajustando conforme as necessidades que vão emergindo e sabe encontrar o momento de se retirar,

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Alicerça-se numa dimensão ecológica e interativa da aprendizagem, para indicar as situações apoiadas pelos adultos em que as crianças podem estender as suas aprendizagens e saberes presentes a níveis mais altos de competência e saber. Segundo este modelo ecológico, atualmente designado por bioecológico (Alarcão & Roldão, 2008), o desenvolvimento processa-se através de “transições ecológicas que ocorrem quando uma pessoa realiza uma actividade nova, desempenhado um novo papel e entra em interacção com outros actores sociais” (p. 18).

arrumando o andaime, quando este deixa de ser necessário, evitando criar falsas dependências, para que o individuo ou grupo se tornem capazes de funcionar autonomamente. Pôr/colocar andaimes em supervisão, é um projecto profundo de criação e de atenção” (pp. 15-16).

Por conseguinte, a finalidade da supervisão remete-nos para “a criação e sustentação de ambientes promotores da construção e do desenvolvimento profissional num percurso sustentado, de progressivo desenvolvimento da autonomia profissional” (Alarcão & Roldão, 2008, p. 54), estando portanto interligada com a essência da função de apoiar e regular o processo formativo, preparando os supervisados para situações mais complexas.