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A título de síntese

No documento Democracia e Forças Armadas no Cone Sul (páginas 150-155)

A detenção do general Pinochet evidenciou de forma contundente o que aqui foi apresentado: o Chile tem uma transição complexa, prolongada e imperfeita. A isso soma-se um sistema político que tem um bloqueio sistê- mico no veto da minoria, que imobiliza as possibilidades de autotransfor- mação. Esse bloqueio impede reformas substantivas que efetivem uma lide- rança civil democrática nas diversas áreas e outorga alto grau de autono- mia às Forças Armadas. Uma Constituição com enclaves autoritários não permite uma relação civil plena no âmbito democrático.

38 Guzmán, José Florencio. Intervención ante la III Reunión Ministerial de Defensa de las Amé- ricas (Cartagena de Indias, Colombia, 30-11-1998).

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O quadro interpretativo sobre as violações de direitos humanos que se manifestam no sistema internacional condena de maneira clara o regime mi- litar e as violações de direitos humanos cometidas nesse período. No sistema internacional do pós-Guerra Fria, os temas referentes aos direitos humanos ganham cada vez mais importância, em especial no mundo ocidental. No Chile, um setor minoritário tem uma interpretação distinta do que ocorreu no país, para além das evidências estabelecidas no Relatório Rettig, pelos diver- sos observadores das Nações Unidas, pelas Igrejas e por outros atores e pelo testemunho das vítimas. Num mundo globalizado, a compreensão das ten- dências centrais e da forma pela qual opera o quadro de interpretações será determinante para o estabelecimento de cursos de ação eficazes. A não-com- preensão do ponto central de interpretação do mundo ocidental leva a cursos de ação equivocados, reduzindo-se com isso os espaços de incidência no siste- ma global.

Um segundo efeito foi uma mudança na agenda política nacional, em especial no debate em torno da eleição presidencial. De preocupações que, num primeiro momento, se centravam na estabilidade institucional, passou- se a um debate não-concluído sobre o tema do poder no Chile. Os cálculos de engenharia política, as manobras de inteligência e todos os aspectos as- sociados à luta pelo poder concentram-se na eleição presidencial de dezem- bro de 1999. Este é o tema central que organiza o conjunto da agenda. Um terceiro aspecto vincula-se a uma percepção de retrocesso no diálogo civil- militar. Depois de importantes progressos que apontavam para um diálogo centrado em questões político-estratégicas e no desenvolvimento profissio- nal, produziu-se um “enclausuramento” militar e um enfoque deste setor na conjuntura política originada em Londres. Finalmente, será necessário reto- mar as questões centrais da transição democrática, passada uma década, para buscar uma saída permanente e evitar uma situação nefasta que afete o desenvolvimento nacional.

A decisão da polícia britânica quanto à rogatória da justiça espanhola evidenciou as reduzidas capacidades de poder dos países médios e peque- nos no sistema internacional. A avaliação dos efeitos globais da primazia dos direitos humanos sobre o conceito de soberania nacional é ainda pre- matura. Contudo, pode-se afirmar com certeza que terá conseqüências sig- nificativas no plano político sobre os acordos feitos em processos de transi- ção e sobre o julgamento de delitos de lesa-humanidade.

Ao longo de toda a primeira etapa do processo em Londres — desde a detenção até a decisão dos lordes em Tribunal de Apelação, entre outubro de 1998 e fevereiro de 1999 — reabriu-se no Chile o debate em torno dos pactos da transição e suas conseqüências no sistema político. O debate pela e sobre a história jamais havia tido um conteúdo tão atual para o sistema político chileno.

O reexame das três áreas essenciais de coincidência de princípios aqui assinaladas permite indicar que, ainda que não se hajam alterado no aspecto estrutural, foram geradas situações e sinais passíveis de modificá- las conforme o curso dos acontecimentos no Chile a partir das decisões em Londres.

Em relação ao consenso quanto à democracia, ainda que nenhum ator a tenha questionado em substância, diversas reações geradas a partir da de- tenção do general Pinochet e em apoio a sua libertação evidenciaram que há setores dispostos a pelo menos ameaçar o sistema político com o uso da for- ça, questão inaceitável na democracia. A estabilidade institucional não está em jogo. Não obstante, e conforme os resultados do processo, pode-se criar tensões que aumentem o poder dos atores cujo peso de fato seja maior que o daqueles que possuem representação popular no âmbito democrático.

Quanto ao consenso em torno da economia, não há propostas de vol- ta a um modelo autárquico, nem medidas que impliquem uma limitação es- trutural dos vínculos com o sistema econômico internacional. A abertura econômica, a orientação para a exportação, o fomento dos acordos de inte- gração continuam sendo apoiados por todos os atores relevantes dos siste- mas político e econômico. Apesar disso, algumas medidas “sugeridas” de re- taliação contra ingleses e espanhóis evidenciam o provincianismo e a supe- ravaliação das variáveis econômicas nas relações políticas internacionais de um país como o Chile.

É no que se refere a um novo tipo de relação civil-militar que se encon- tram as maiores dificuldades. Foi no retrocesso do diálogo e da construção de sistemas conceituais e de políticas que possibilitem olhar os temas profissio- nais e de modernização das Forças Armadas que se produziu a maior deterio- ração. Isso fica patente na dificuldade de se desenvolver uma perspectiva po- lítico-estratégica comum sobre o “caso Pinochet”. Embora o contexto eviden- cie a normalidade institucional (o Conselho de Segurança Nacional reuniu-se em quatro oportunidades) no uso dos instrumentos da Constituição de 1980, surge uma autonomia em questões políticas de conseqüências contraprodu- centes para a democracia chilena e para o objetivo declarado de obter um pronto regresso do general Pinochet ao país.

O contexto dessas três coincidências de princípios construídos desde 1989 mudou em uma década. Por um lado, a globalização se faz cada vez mais efetiva. Em que pese a sua segmentação entre questões políticas, eco- nômicas e, em especial, financeiras, seu impacto não pode ser diferenciado de maneira contraditória. Um país como o Chile não pode sinalizar que lhe convém a globalização econômica, e fomentá-la, mas que evita os efeitos da globalização política, entre eles a promoção e a proteção dos direitos huma- nos e tudo o que isso significa em relação ao direito internacional, como a condenação dos ditadores. Por outro lado, a população do país mudou. Os jovens, apesar da maioria não se inscrever nos registros eleitorais, têm uma

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voz de peso que se manifesta na opinião pública, ainda que haja dificulda- des de participação. A reivindicação de justiça aparece em 1999 com uma força significativamente maior que há uma década.

A classe política tem uma tarefa de grande complexidade: deve conci- liar estabilidade e justiça. Isso é ainda mais difícil num quadro no qual re- duziu-se a confiança, gerou-se tensões e polarizou-se o país em torno das duas grandes coalizões políticas — a que promove a democracia e a que pro- move uma ordem protegida —, o que dificulta construir consensos que se expressem em políticas de Estado. Ainda mais porque o que está em jogo são as relações de poder que definirão o Chile do século XXI. A hora do Big Ben está marcando o momento político no Chile.

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A R A G U A I

O fim da era Stroessner: militares, partidos

No documento Democracia e Forças Armadas no Cone Sul (páginas 150-155)

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