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A viagem a Londres e a detenção do general Pinochet

No documento Democracia e Forças Armadas no Cone Sul (páginas 147-150)

Enquanto se articulava essa busca de solução dos fatos do passado que envolvia um esforço da Igreja, do governo, dos tribunais e uma nova atitude das Forças Armadas, o general Pinochet preparava uma nova via- gem ao exterior. Esta seria sua oitava viagem a Londres. Devido à existên- cia de uma ação movida pela Espanha, o general Pinochet não só viajou à Inglaterra com o passaporte diplomático que é outorgado a todos os senado- res, como emitiu-se um decreto de missão especial, atendendo a convite for- mal do Royal Ordenance. Aproveitaria a oportunidade para fazer um check-up médico e, possivelmente, uma operação na coluna.

Em 16 de outubro foi efetivada a rogatória do juiz Garzón, da Espanha, solicitando a detenção do general Pinochet e sua extradição, para se apresen- tar perante os tribunais espanhóis, sob acusação de delitos contra os direitos

34 General Ricardo Izurieta, Discurso con motivo del homenaje del Senado a las glorias del Ejército (Santiago, oct. 1998).

humanos de ação universal. Essa decisão da justiça espanhola dá-se num con- texto que enfatiza a questão dos direitos humanos na Europa. Em 22 de outu- bro foi aprovada uma resolução no Parlamento europeu, por 184 votos a fa- vor, 12 contra e 14 abstenções, em que se instava o governo espanhol a pedir a extradição do general Pinochet com a maior brevidade possível.36 Paralela- mente, outros governos europeus solicitaram a extradição do general Pinochet, também com base em acusações de violação dos direitos humanos.

A detenção do general Pinochet em Londres mudou o clima político no Chile e deu início a um processo que terá importantes conseqüências no âmbi- to internacional. Sua detenção produziu a reação imediata das autoridades na- cionais, em particular do chanceler e do presidente da República, que rechaça- ram a intenção espanhola de exercer mandatos judiciais de caráter extraterrito- rial. E, no caso da Inglaterra, questionou-se o acatamento dessa rogatória pelas mesmas razões, além do desrespeito ao passaporte diplomático outorgado ao senador vitalício. Desde o início, a pedra angular da defesa governamental foi o princípio de soberania e igualdade dos Estados. Por outro lado, o governo tem insistido em assinalar que defende princípios, não pessoas.

As reações e pronunciamentos das Forças Armadas sobre este tema estão sistematizadas no quadro a seguir.

Os parlamentares, sobretudo os senadores vinculados à coalizão que defende uma democracia protegida liderada pelo general Pinochet, propu- seram uma espécie de “greve” do Parlamento.

Dado o conjunto das declarações e o radicalismo de algumas delas, estimou-se, em especial no exterior, que a instituição democrática no Chile poderia estar em risco. O caminho percorrido nesses meses evidencia alta tensão na classe política, mas reações mas matizadas na sociedade. Como mostram as pesquisas feitas com a metodologia de focus group em torno da detenção do general Pinochet, há uma dupla demanda, de justiça e de esta- bilidade. Desta feita agregando-se a pergunta sobre se o Chile é capaz ou não de lidar com seus problemas.37

Na perspectiva governamental, manteve-se uma argumentação estru- tural quanto ao tema soberania. Em carta ao secretário-geral das Nações Unidas, o governo chileno afirmou: “a tendência para a universalização da justiça e dos direitos humanos, que devemos promover e fortalecer, não pode se levada adiante em detrimento da soberania dos Estados e de sua igualdade jurídica. Vulnerabilizando-se estes princípios com ações unilate- rais, a universalidade da jurisdição apenas se converteria em um fator de anarquia internacional que permitiria aos Estados mais poderosos arrogar- se o poder de serem, seletivamente, justiceiros dos mais fracos”.

36 Irela (1998).

37 Flacso-Chile, Relatório de pesquisa exploratória “Memoria colectiva (el caso Pinochet)” (San- tiago, dec. 1998).

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V DE M O C R A C I A E FO R Ç A S AR M A D A S N O CO N E SU L

Pronunciamentos institucionais das Forças Armadas

Data Instituição Conteúdo 17-10 Declaração do

Exército

Em sete pontos, o comandante-em-chefe dá seu apoio e solidariedade perma- nentes ao general Pinochet. Em cumprimento de sua responsabilidade de velar “por sua segurança e tranqüilidade”, adotou, adotará e instará para que sejam adotadas todas as medidas para superar a situação, recorrendo aos meios jurídi- cos, diplomáticos e de governo. O que ocorreu seria um fato “insólito e inaceitá- vel” para os integrantes da instituição.

17-10 Declaração da Marinha

Manifesta seu mais absoluto repúdio a toda conduta que se afaste do respeito à dignidade de autoridades reconhecidas pelo governo do Chile. A detenção ofen- de ao país e a suas instituições, “fazendo prevalecer o interesse de pessoas que desconhecem o sentido de pátria característico do povo chileno”. Finaliza apoian- do as ações do governo e esperando que tenham êxito.

18-10 Declaração da Força Aérea Chilena

Insta uma pronta solução do problema. Seria um flagrante desconhecimento das prerrogativas inerentes à imunidade diplomática, pelo que se concorda com o que as autoridades do governo expressaram a esse respeito. Reitera-se o apoio irrestrito da Força Aérea Chilena ao senador Augusto Pinochet e a sua família nesta difícil situação e confia-se em que seja restaurado o respeito à instituição diplomática.

18-10 Declarações dos Carabineiros

Declaração em dois pontos. “Compartilha de todas as ações que o governo su- premo decida tomar para superar adequadamente esta lamentável situação que afeta o Estado chileno, já que aparentemente havia sido violada a imunidade di- plomática de um membro do Poder Legislativo do país.” Solidariza-se com o Exército nesta deplorável situação. O diretor assinalou que os chilenos deviam se unir na defesa de princípios como o da soberania.

20-10 Declaração da Marinha

A Marinha declarou que, no contexto da detenção do general Pinochet, o coman- dante-em-chefe da instituição, Jorge P. Arancibia, cancelara uma viagem a Lon- dres para participar da ação promovida pelo governo e assinalou que os grupos que se afastam da postura do governo contribuem para a divisão do país. A instituição informou ainda que o vice-almirante Hernán Couyumdjian cancelara uma viagem programada à Espanha.

21-10 Comandante- em-chefe Ricardo Izurieta

Reunião de oficiais e pessoal permanente da Região Metropolitana na Escola Mi- litar para tratar de “matérias institucionais”. Em declaração, Izurieta afirmou: “es- tamos empregando todas as nossas forças, através do governo, para colaborar e cooperar para que em curto prazo o general retorne ao território nacional”. Agra- deceu em nome do Exército as gestões do presidente da República: “creio que interpretei nelas o sentimento da grande maioria do país, e particularmente o do Exército”.

26-10 Declaração da Marinha

A instituição desmentiu o cancelamento da compra de navios à Grã-Bretanha, devido à situação que afetava o senador vitalício Augusto Pinochet. Afirmou que não havia negociações formais com a Grã-Bretanha e que a prioridade da Mari- nha era construir os navios no país.

O ministro da Defesa, por seu lado, assinalou, na III Reunião Minis- terial de Defesa, o seguinte:

“Aceitar que, neste processo, um Estado possa arrogar-se jurisdição sobre outro supõe legitimar uma violação de princípios e normas funda- mentais da convivência internacional.

Isto foi assinalado com clareza pelo presidente da República do Chile, ao opor-se à extraterritorialidade adotada recentemente por terceiros países em relação ao nosso. Mais ainda, esse repúdio à aplicação extraterritorial de legislações nacionais foi recentemente expresso pelos chefes de Estado e Go- verno da Cúpula Ibero-americana e do Grupo do Rio.

Nestes princípios reside o êxito de qualquer processo em curso, em particular quando se relaciona com a soberania de qualquer Estado, pelo que, ante a situação posta, o governo do Chile decidiu atuar de maneira de- cidida e sem vacilação.”38

Por seu lado, em entrevista ao diário espanhol El País, o ministro de- clarou:

“O governo chileno seguiu com grande dificuldade uma linha que tenta compatibilizar soberania e justiça. Se Pinochet ficar em Londres por decisão dos lordes, o tema da soberania continuará de pé, não-resolvido, e os setores que apóiam o governo voltarão a postulá-lo, mas, caso volte ao Chile, o tema da justiça ganha preeminência. As pessoas decidirão o seguin- te: já afirmamos nossa soberania, agora afirmemos também a justiça. Estou convencido disso (...)

(...) ninguém pode pedir ao governo de um país independente que vá ao tribunal de outro país e diga: ‘olhe, por favor julguem-me vocês porque não tenho capacidade, isto é muito complicado, resolvam vocês meu proble- ma político’. Não, veja, a transição chilena terá pleno êxito e o Chile virará a página quando efetivamente tivermos cumprido as tarefas pendentes.”39

No documento Democracia e Forças Armadas no Cone Sul (páginas 147-150)

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