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As relações civis-militares na transição democrática: da tutela à subordinação?

No documento Democracia e Forças Armadas no Cone Sul (páginas 95-103)

Basicamente, são duas as formas institucionais que as relações civis-mi- litares assumiram em tempos recentes no Brasil. A primeira é a inserção dos militares no regime democrático (1946-64), sendo seus papéis definidos por Alfred Stepan (1971) e Oliveiros S. Ferreira (1964) como análogos ao Poder Moderador do Estado imperial. Os ministros militares seriam representantes de suas forças nos governos, cuja estabilidade dependia em boa medida dos “dispositivos militares” estabelecidos com, sem e eventualmente contra tais ministros. Tal esquema de dupla lealdade (ao governo e à força) penetrava, evidentemente, os escalões sucessivos de comando ao longo do território. Os movimentos sociais e os partidos políticos buscavam organizar seus “braços

militares”, ao passo que a perspectiva de êxito dos movimentos militares de- pendia em boa medida de seus “braços partidários”. Essa associação entre ci- vis e militares teve freqüente inspiração golpista entre forças que, de fato, não valorizavam a democracia nem se empenhavam por sua consolidação. Portan- to, prevaleceu a perspectiva de que as crises políticas deviam ser resolvidas por intervenções militares de curta duração, promovidas pelos altos escalões, devendo-se respeitar a segunda regra de ouro: debelada a crise, o poder deve- ria retornar ao sistema civil, pois o poder militar só seria aceito excepcional- mente e nas condições aqui definidas. Isto é, essencialmente regulador, mode- rador e provisório, autônomo nas iniciativas de intervenção, mas dependente da legitimidade dos parceiros civis para permanecer no poder ou dele retroce- der. Enfim, o “Poder Moderador” foi essencialmente um poder de intervenção das Forças Armadas, cuja conseqüência mais acentuada e contraditória (o re- gime militar) significou a superação da condição de “intermediação” militar entre as forças políticas.

Prefere-se conceituar essa relação como integração entre as estruturas partidárias, sindicais, governamentais e militares — herança, na conjuntura da Guerra Fria, do esquema altamente centralizador do Estado Novo — em vista do apoio ou da oposição aos governos nacionais, da preservação do regime democrático e do atendimento de demandas específicas da área militar.1

A segunda forma é o regime autoritário que se estabelece paulatina- mente a partir da derrubada do governo constitucional do presidente João Goulart em março de 1964. Esse regime foi-se tornando mais claramente cen- tralizador e munido de instrumentos contrários ao regime democrático e à li- vre disputa pelo poder político: substituição dos partidos políticos oriundos da Constituição de 1946 por um sistema bipartidário (não tanto na letra do Ato Institucional nº 2, mas nas possibilidades reais de criação de partidos); eleição

indireta do presidente da República (todos generais de Exército de 1964 a 1985), dos governadores e prefeitos das capitais e de várias cidades de interes- se estratégico; submissão da ordem constitucional à ordem institucional que restringiu liberdades políticas e, mediante o Ato Institucional nº 5, suspendeu

o habeas-corpus. Associada essa restrição ao julgamento de delitos políticos pela Justiça Militar e ao amplo sistema de repressão, cujo centro era formado pelas estruturas superiores de comando da Marinha, do Exército e da Aero- náutica, delas decorre o efetivo exercício do poder da República pelas Forças Armadas e pelo Exército em particular.

Essa forma institucional — o exercício direto do poder político pelas instituições militares — encerrou-se a partir de um processo de democratiza- ção “pelo alto”. A transição brasileira à democracia deu-se por vias que im- plantaram um padrão bastante peculiar nas relações civis-militares.

Anteriormente à transição, o regime militar brasileiro já havia passa- do por um processo de distensão marcado por uma série de incertezas, de- vido a momentos inflexivos que poderiam conduzir a mudanças drásticas de rumos, inclusive pela possibilidade, nada remota, de retrocessos mais ou

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menos profundos. O processo de transição — fundado em um projeto bem- sucedido de distensão, na ótica do regime — foi levado a efeito a partir do governo do general Ernesto Geisel2 e conduzido primordialmente segundo os parâmetros definidos intramuros pelo próprio regime,3 ainda que as fis- suras no aparelho militar se evidenciassem no confronto entre duros e bran- dos.4 Este fato reforça a tese da inorganicidade dos demais atores políticos, que, por motivos diferenciados, não tiveram interesse — e mais ainda con- dições — de conduzir mais diretamente os primeiros passos da transição, o que se apresenta como uma de suas incongruências.

Ultrapassada a fase da distensão, a continuidade do processo deveria conduzir as relações civis-militares para patamares apropriados a um novo regime que se iniciava. Mas, além de ocorrerem em prazos variados e incer- tos,5 as implicações das singularidades da transição brasileira, no que toca àquelas relações, ainda se encontram em fase de maturação.

Uma série de fatos permite considerar que os caminhos para uma adequação democrática das relações civis-militares foram-se consolidando ao longo do período pós-1985, como atestam as eleições diretas de 1989, o impeachment do presidente Fernando Collor — conduzido segundo os parâ- metros constitucionais —, a assunção do governo de Itamar Franco, a Lei dos Desaparecidos, a efetiva criação do Ministério da Defesa no segundo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Entretanto, o aperfeiçoamento daquelas relações no contexto da tran- sição democrática caracterizou-se por um ritmo lento e cauteloso, o que se explica por razões de variadas ordens, que em hipótese alguma são exclusi- vamente políticas e tampouco traduzem tão-somente a possibilidade de um retrocesso autoritário. Mas é no campo da política que se podem vislumbrar as lacunas a serem preenchidas para que o processo continuasse a avançar.

A segunda fase do processo de liberalização iniciou-se sob o signo da insegurança. No governo Sarney (1985-89), por exemplo, alimentava-se a ex- pectativa de que se criassem obstáculos a eventuais tentativas de retrocesso autoritário. A maneira pela qual se deu a “transição pactuada” — na qual as Forças Armadas tiveram papel de protagonista do processo — não permitiu que, no âmbito político-partidário, o debate sobre a inserção dos militares no novo regime se caracterizasse por proposições mais audaciosas. A possi- bilidade de introdução de mudanças substantivas na reordenação constitu- cional da função das Forças Armadas foi reduzida, principalmente se com- parada às transições de outros países, como a Espanha.6

A presença e a continuidade das prerrogativas militares no início da segunda fase — do governo democrático a um regime democrático — consti- tuíam um dos problemas a serem resolvidos pelos setores empenhados em

2 Mathias (1995). 3 Martins (1988). 4 Soares (1998).

5 O’Donnel & Schmitter (1988). 6 Zaverucha (1994).

consolidar a democracia. Em vista disso, havia a necessidade de que fossem redefinidos a função e o papel dos militares, de modo a situá-los em uma po- sição conseqüente com a democratização em curso. Essa questão vem a tor- nar-se mais evidente no contexto do processo constituinte, desde a fase da Comissão Afonso Arinos.7

Num primeiro momento, todavia, estabeleceu-se a manutenção de um papel político relevante do poder militar e as debilidades do governo Sarney conduziram à consolidação da tutela da Forças Armadas durante os primeiros e decisivos passos da transição,8 devido às injunções do governo Sarney e ao déficit de apoio institucional ao seu governo no Congresso.

A elaboração da Constituição de 1988, pelo período de dois anos, foi contemporânea da tutela militar, tutela que se estendeu ainda até o ano de 1990, quando o presidente Fernando Collor de Mello extinguiu o Serviço Nacional de Informações e o sucessor do Conselho de Segurança Nacional, dando início a uma lenta e por vezes descontínua elaboração de um novo perfil nas relações civis-militares.

A tutela militar caracterizou-se pelas iniciativas, pressões e ameaças dirigidas pelo ministro do Exército — general Leônidas Pires Gonçalves — contra o governo, a sociedade e o Congresso Nacional na Assembléia Cons- tituinte. Esse ministro militar costumava apresentar-se como a garantia da transição política, o condottiere que assegurava ao presidente da República e ao sistema político o apoio ao mesmo tempo indispensável e condicional das Forças Armadas. Em raros momentos da história recente chegou a ser tão nítida a distinção entre o poder político (representado pelo presidente José Sarney e pelo Congresso) e o aparelho militar (representado pelo minis- tro do Exército, a despeito dos conflitos com os demais ministros militares). O general Leônidas intrometeu-se na política externa quando, durante as primeiras iniciativas para a formação do Mercosul, afirmou que o Brasil construiria um armamento nuclear se julgasse que a Argentina o faria. No plano interno, ameaçou partidos, lideranças e congressistas para que as te- ses militares fossem acolhidas na nova Constituição e identificou como de interesse militar a preservação do regime presidencialista contra a tendência pró-parlamentarismo. De certo modo, o caráter essencialmente híbrido no atual regime parlamentar-presidencialista constitui um resultado da atuação da tutela militar. Por último, no tocante à Constituinte, o presidente José Sarney beneficiou-se dessa tutela, à qual se submeteu em razão da fragilida- de da Aliança Democrática, aliança político-partidária na qual se elegeu vice-presidente na chapa do presidente eleito Tancredo Neves, que faleceu antes da posse.

Internamente, as próprias Forças Armadas experimentavam uma fase de crescentes exigências de adaptação, após 21 anos de permanência no cen- tro do poder político. O contexto externo das mudanças ideológicas do mun-

7 Comissão instituída pelo presidente José Sarney para elaborar uma primeira versão da Cons- tituição. No final, entretanto, o texto não consubstanciou largamente a Constituição de 1988. 8 Oliveira (1987).

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do pós-Guerra Fria e as condicionantes internas relativas à consolidação de- mocrática criavam novas condições que sugeriam ou mesmo impunham às Forças Armadas uma redefinição de seu papel político. O discurso militar é estruturado, portanto, por esse duplo parâmetro temporal: o passado que queriam intocável e o presente prenhe de mudanças, em um equilíbrio com- plexo de ser efetivado.

No período imediato ao término do regime autoritário, os postulados concernentes à “segurança nacional” são reforçados no meio militar. A forma pela qual se engendrou a transição no Brasil permitiu a permanência dessa autonomia, que se refere à capacidade de interpretar as questões de defesa nacional (sob a ótica da segurança) e, a partir de determinadas conclusões, de emitir não só pareceres técnicos, mas articular planos de ação à revelia do po- der político.9

Stepan (1988) caracteriza essa situação como um elevado nível de prer- rogativas militares nos regimes pós-autoritários e entende-as como referidas “àqueles espaços sobre os quais, existindo ou não contestação, os militares, como instituição, pressupõem que adquiriram o direito ou privilégio, formal ou informal, de exercer um controle efetivo. Neste sentido, consideram-se no direito de controlar sua organização interna, de desempenhar um papel nas áreas extramilitares dentro do aparelho de Estado, ou mesmo de estruturar as relações entre o Estado e a sociedade política ou civil”.

Entre essas prerrogativas podem ser apontadas a permanência do Siste- ma Nacional de Informações (SNI), que, sob controle militar, mantinha-se como órgão autônomo, sem que existissem mecanismos institucionais de con- trole externo, e que atuava de forma contrária aos requisitos próprios da con- solidação democrática. Somente no governo Collor — e de forma atabalhoada e mal-operacionalizada — é que este órgão seria extinto.

Do mesmo modo, questões como a tortura e os desaparecidos políticos foram tratadas com muita cautela. A atuação de determinados atores políti- cos civis foi pautada por uma lógica da protelação, de modo a não provocar um confronto direto com o aparelho militar em temas sensíveis.

Estava ainda compreendida, naquelas prerrogativas, a exclusiva com- petência das Forças Armadas na definição de seus currículos escolares, nos quais está embutido o que Walder de Goes (1988) intitulou de “premissas básicas do intervencionismo”: a necessidade de permanente e minuciosa tu- tela militar sobre as instituições civis; a presença constante do grande olho militar, atenuando ou alterando os conflitos sociais; e, finalmente, a tradi- cional intolerância dos militares com o alargamento do espectro ideológico. A concepção de mundo vigente nos setores castrenses refletia uma forma particular de entender a política interna e que era predominante en- tre os militares do Exército. A “ordem interna” esteve vinculada à Doutrina de Segurança Nacional, que “começa com uma teoria da guerra”.10 Por força do contexto da Guerra Fria, a guerra localizada entre Estados tenderia a ser

9 Oliveira (1994). 10 Alves (1985).

transformada em guerra total, que poderia se apresentar como guerra sub- versiva ou revolucionária, o que se firmou como a preocupação central do aparelho militar no decorrer do último período autoritário. Esse conceito de guerra não envolve estritamente o emprego bélico de força externa ou intra- estatal, mas abrange qualquer oposição que se interponha às políticas de Estado. Em decorrência, a segurança externa foi sendo substituída pela se- gurança interna como prioritária para a segurança nacional. No contexto da Guerra Fria ocorre uma internalização do conflito,11 o que fundamenta a teo- ria do inimigo interno. A busca incessante da “paz interna” sustenta a per- cepção militar da política.

Enquanto se encerrava o regime autoritário, novas configurações geopolí- ticas apresentaram-se, principalmente em relação ao Cone Sul, e reorien- taram as preocupações com a defesa externa, o que incluiu planos de reor- ganização das Forças Armadas no sentido de melhorar a capacidade defensi- va, buscando-se a preservação da integridade territorial, especialmente em relação à Amazônia (projeto Calha Norte) e região Centro-Oeste.12 No que se refere à defesa marítima, a Marinha de Guerra acelerou as pesquisas para viabilizar a construção de submarinos com propulsão nuclear, indicando o Atlântico Sul como espaço geoestratégico de especial interesse.13

Essas injunções de variadas ordens e dimensões — tanto na órbita ex- terna quanto na dimensão interna do país — produziram alterações na men- talidade militar e geraram uma crise de identidade, ao introduzirem um fator de tensão entre a manutenção de antigos valores consolidados ao longo da história republicana e a inserção minimamente adaptada aos novos tempos. Além de marcada pela confluência de questões nacionais e interna- cionais, essa crise de identidade — mormente no final dos anos 1980 — estava também relacionada à ausência de um projeto da sociedade como um todo, e da classe política em particular, no que se refere ao papel a ser desempenha- do pelas Forças Armadas nessa nova conjuntura. Ao deparar-se com essa si- tuação, o aparelho militar passa a ocupar o espaço que deveria ser preenchi- do pelo poder civil e vê-se impelido a definir autonomamente a sua configu- ração na cena política.

A atuação do aparelho militar no processo constituinte evidencia esse movimento e demonstra sua capacidade — ausente na mesma proporção em outras forças políticas — de se preparar de maneira adequada para a re- solução dos temas de seu interesse. Por possuírem uma inconteste visão de antecipação dos fatos, as Forças Armadas atuaram na maior parte das vezes de forma não-reativa, o que se evidencia no preparado lobby e, em muitos casos, nas pressões exercidas sobre o Congresso Constituinte em 1988 para que se mantivesse inalterada a função constitucional das forças singulares.

À exceção da Constituição de 1937 — que em seu art. 161 se referia às Forças Armadas exclusivamente como um instrumento de defesa do Es-

11 Oliveira (1976). 12 Oliveira (1994). 13 Flores (1992).

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tado, sem nenhuma alusão à defesa da pátria — as demais constituições re- publicanas foram unânimes em manter o preceito legal que lhes atribui, além da defesa externa, a garantia dos poderes constitucionais (constituídos nas de 1967 e 1969), da lei e da ordem.14

As Forças Armadas admitiam alguns retoques superficiais, desde que se mantivessem em essência as prerrogativas políticas que vigoravam desde o final do Império.15 Foram rechaçadas as tentativas de alguma mudança mais acentuada, mesmo aquelas inscritas como necessárias à consolidação democrática do país. Incluem-se neste caso atribuições das Forças Armadas que ficassem circunscritas à defesa externa, em prejuízo das cláusulas rela- tivas à manutenção da lei e da ordem, como também mecanismos que su- bordinassem claramente o poder militar ao poder civil. Entretanto, em uma sociedade onde ainda vigora uma cultura marcadamente autoritária, em que inúmeros sujeitos políticos conduzem suas ações distanciados de pres- supostos democráticos, seria irreal esperar-se do aparelho militar um van- guardismo avant la lettre acerca da democracia.

Outro fator que agravava ainda mais as relações civis-militares é que os militares passaram a se sentir desprestigiados pela classe política e pelas elites, que a eles acorreram em determinadas ocasiões, para depois se afas- tarem, não considerando os mínimos interesses da instituição militar. O or- çamento e a disponibilidade de recursos vinculados ao preparo do aparelho militar transformaram-se em fator potencial de desestabilização.

O sucateamento do material, as reduzidas verbas para pesquisas e, principalmente, as questões salariais tornaram-se pontos de possíveis e gra- ves atritos com a classe política, somadas às dificuldades de diferentes go- vernos em apresentar um projeto factível que tratasse de maneira isonômi- ca os salários da burocracia civil e militar do Estado.

A questão orçamentária referente às Forças Armadas vem-se agravan- do desde os últimos governos militares, mas, com a democracia, seus mem- bros vislumbraram oportunidades de mudanças, por anteverem condições de exercer pressão sobre o Executivo e o Legislativo.16 Tal possibilidade era re- duzida, durante o regime autoritário, pelas imbricações existentes, para usar a conhecida expressão de Alfred Stepan, entre os militares enquanto institui- ção e os militares enquanto governo.

Em vista disso, as Forças Armadas passaram a depender da atuação favorável da classe política, dado que a Constituição de 1988 ampliou as responsabilidades do Congresso Nacional na definição do orçamento geral da União. Como parcelas da classe política temiam um fortalecimento das características bélicas do aparelho militar, criou-se uma situação paradoxal, mas que sinalizaria para novos rumos nas relações entre as Forças Armadas e o Poder Legislativo. Se a questão orçamentária fosse conduzida de manei- ra adequada pelo Legislativo — com assessoria das Forças Armadas —, se- riam criadas condições promissoras de resolução das novas questões militares.

14 Aguiar (1986).

15 Ver Ministério do Exército (1987) e Estado-Maior das Forças Armadas (1987). 16 Stepan (1988).

Por outro lado, com o fortalecimento partidário, os partidos tendem cada vez mais a prescindir do apoio militar como indispensável para o pros- seguimento ordenado da vida política do país, instituindo-se uma nova fase de amadurecimento do sistema político. Dessa maneira, haveria a passagem de um modelo de relações civis-militares baseadas no controle civil subjetivo, para um outro patamar: o controle civil objetivo.17 Esta é uma questão cen- tral acerca das possibilidades de subordinação das Forças Armadas ao poder civil. O controle civil objetivo decorre da intensificação do profissionalismo militar, que se assenta nas seguintes condições: monopólio de um corpo ge- neralizado e sistemático de conhecimentos; um modo de controle social in- terno e uma ética que define as normas e os valores do grupo,18 assim como um sentimento arraigado de lealdade e obediência ao poder civil.

As particularidades históricas do sistema político brasileiro trariam uma roupagem nova a esta idéia de profissionalismo. Enquanto Huntington aponta que o profissionalismo é fruto da dicotomia da guerra — a distinção entre meios (enfoque militar) e fins (campo da política) —, o profissionalis- mo militar brasileiro, ainda no período de uma consolidação democrática, esteve pautado por uma percepção mais abrangente e inclusiva. Não apenas a dimensão externa do país compõe o profissionalismo, mas também a re- corrente e histórica percepção dos militares e de outros atores políticos de que cabe ao braço armado do Estado a ingerência em questões de natureza interna, legitimando a imbricação entre os meios e os fins da guerra — en- tendida a guerra, no caso brasileiro, como os conflitos e crises do sistema político — sem uma clara distinção entre as responsabilidades militares e políticas. Neste sentido, o controle civil objetivo na transição democrática

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