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A TEORIA DA SEMIFORMAÇÃO

No documento Anais Completos (páginas 95-99)

TONOMIA HUMANA

3 A TEORIA DA SEMIFORMAÇÃO

Ao iniciar a “Teoria da Semiformação”, Adorno (2010, p. 8) nos coloca que:

O que hoje se manifesta como crise da formação cultural não é um simples objeto da pedagogia, que teria que se ocupar diretamente com isso, mas também não pode se restringir a uma sociologia apli- cada a um objeto – precisamente a da formação. Os sintomas de colapso da formação cultural que se fazem observar por toda parte, mesmo no estrato das pessoas cultas, não se esgotam nas insuficiências do sistema e dos métodos da educação, sob a crítica de sucessivas gerações.

Em outras palavras, a partir da “Teoria da Semiformação” podemos dizer que é preciso decifrar a cultura e a formação na pós-modernidade em todos os seus momentos constitutivos, e não apenas interpretá-los à luz de uma explicação de cunho idealista, pressuposta nos termos da própria semiformação.

Numa outra passagem, Adorno (2010, p. 18) destaca que “no clima da semiformação, os conteúdos verdadei- ramente coisificados da formação cultural perduram à custa de seu conteúdo de verdade e de suas relações vivas. Isso, de certo modo, corresponde à sua definição [semiformação]”.

Por mais que a educação se proponha a contribuir nesse debate, ela parece mostrar ser insuficiente, podendo agravar ainda mais a crise diante do poder que a realidade extrapedagógica atua sobre as pessoas, “permanecendo assim insuficientes as reflexões e investigações isoladas sobre os fatores que interferem positiva ou negativamente na forma- ção cultural”. (ADORNO, 2010, p. 9).

O autor afirma ainda que, para além da educação, é preciso buscar como se consolida “o espírito objetivo ne- gativo”, que tem como fundamento o movimento social e o conceito de formação cultural, que “agora se converte em uma semiformação socializada, na onipresença do espírito alienado. Ela, segundo sua gênese e seu sentido, não antecede à formação cultural, mas a sucede. Deste modo, tudo fica aprisionado nas malhas da socialização” (ADORNO, 2010, p. 9). É preciso, portanto, decifrar a cultura e a formação na atualidade pelos seus efeitos e não interpretá-las a partir de uma explicação idealista.

Para tanto, a semiformação é a espécie de um símbolo de uma consciência que renunciou à autodetermi- nação, aprisionando tudo nas malhas da socialização, tendo como uma das consequências a orientação para a barbárie. Apesar de todo esclarecimento da ilustração e da difusão de toda informação, a semiformação se tornou a forma domi- nante da consciência contemporânea, exigindo que seja uma teoria mais ampliada, onde “a ideia de cultura não pode ser sagrada, [...] pois a formação cultural nada mais é que a cultura tomada pelo lado de sua apropriação subjetiva” (ADOR- NO, 2010). Ou seja, a semiformação não pode ser explicada a partir dela própria, uma vez que parece ser resultado de um processo de dominação por mecanismos das relações político-econômicas que se impõem.

No processo da formação cultural, a “cultura”, entendida como práticas humanas, tem um caráter duplo, que remete de volta à sociedade e intermedia esta e a semiformação, onde o equilíbrio só é possível momentaneamente e que, segundo Adorno (2010, p. 11):

[...] nasce do antagonismo social não conciliado que a cultura quer resolver, mas que demanda um poder que, como simples cultura, não possui. [E] na hipótese do espírito, mediante a formação cul- tural, a reflexão glorifica a separação social colocada entre o trabalho do corpo e o trabalho do espírito. Dessa reflexão que acaba por glorificar a separação social, caberia decifrar as determinações objetivas deste momento subjetivo, uma vez que esta dupla reflexão social constitui a profundidade necessária para apreender a dialé- tica da produção e da transformação histórica, para além da mera interpretação da sociedade já instalada. Ou seja, não basta os homens interpretarem o mundo, é preciso transformá-lo.

Segundo Adorno e Horkheimer (1985), com a dinâmica da “indústria cultural”, o que se instala como “cul- tural” remete à sociedade copiando a si própria, por meio de uma interpretação retroativa da própria sociedade. E, uma vez sendo sociedade no sentido de uma reconstrução integrada dela mesma, a “cultura” passa a mediatizar entre a sociedade e a semiformação, entendida como um conformar-se à vida real, que impede que os indivíduos se eduquem uns aos outros.

Ao descrever a sociedade como um processo de autoformação, Adorno (2010, p. 18) diz que a formação cultural tradicional, embora questionável, é “o único conceito que serve de antítese à semiformação socializada, o que expressa a gravidade de uma situação que não conta com outro critério, pois se descuidou de suas possibilidades”.

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Adorno (2010) também sustenta que a semiformação não pode ser simplesmente explicada apenas pelo dado “so- cial e psicológico”, pois inclui algo potencialmente positivo, isto é, que o estado de consciência remete à possibilidade de uma autonomia real da própria vida de cada um. Nesse sentido, o que antes estava de tal modo configurado que os sujeitos podiam conseguir aí a sua imagem, agora eles estão destituídos de liberdade e autonomia, faltando apoio em si mesmos.

Adorno (2010) sinaliza que a semiformação, ao adulterar a vida sensorial, passa a ser o espírito tomado pelo caráter “fetichista da mercadoria”, da mesma forma que a imagem social do comerciante dos velhos tempos prolifera como cultura de empregados, onde os respeitáveis motivos de lucro da formação encobriram o conjunto da cultura. Ou seja, pela via do fetichismo da mercadoria, o que é social aparece como se fosse objetividade natural.

Diante disso, Adorno (2010) ainda diz que o problema do fetichismo não termina com a revelação do social enquanto objetivação “petrificada”, mas conduz à necessidade de decifrar as determinações objetivas desse social, pelo qual a própria produção seria determinada, de modo que se preserve a continuidade do vigente, na medida em que lhe corresponderia uma determinada consciência. Haveria, portanto, uma imposição social no que chamamos a subjetivi- dade decorrente do processo pelo qual os seres humanos produzem materialmente.

Uma vez que a semiformação cultural detém um poder altamente deformativo e destrutivo, ao pregar o conformismo em relação ao seu tempo, Adorno (2010, p. 39) conclama que “a única possibilidade de sobrevivência que resta à cultura é a autorreflexão crítica sobre a semiformação, em que necessariamente se converteu”. E para finalizar, Adorno (1995, p. 137) destaca que:

[...] o centro de toda educação política deveria ser que Auschwitz não se repita. Isto só será possível na medida em que ela se ocupe da mais importante das questões sem receio de contrariar quaisquer potências. [...] Seria preciso tratar criticamente um conceito tão respeitável como o da razão do Es- tado [...].

4 A INDÚSTRIA CULTURAL

Em “Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos”, Adorno e Horkheimer (1985) fazem uma análise crítica de como a indústria cultural (que foca no consumo em massa) exerce o controle sobre os consumidores. Per- seguindo o lucro, ela cria a necessidade de consumo, onde os indivíduos nunca estão satisfeitos com o que possuem.

Ao controlar a consciência do consumidor, ela faz com que o indivíduo consuma algo que não tem nenhuma necessidade aparente. Há casos em que o status de determinado produto induz o consumidor a comprar, como condi- ção para se sentir integrado a um determinado padrão e/ou grupo social.

Comprando determinado produto, o indivíduo pouco está preocupado com sua utilidade, pois o importante mesmo é se sentir realizado, satisfazendo assim a necessidade que foi criada (consciência tolhida) pela indústria cultural. Ou seja, de acordo com Adorno e Horkheimer (1985, p. 117):

[...] o princípio impõe que todas as necessidades sejam apresentadas como podendo ser satisfeitas pela indústria cultural, mas, por outro lado, que essas necessidades sejam de antemão organizadas de tal sorte que ele se veja nelas unicamente como um eterno consumidor, como objecto da indústria cultural.

Dessa constatação, podemos também dizer que é a indústria cultural quem determina o que deve ser consu- mido, quando e por qual motivação. Ela determina, por exemplo, a moda e como deve se vestir, o manequim do corpo mais apropriado, segundo os padrões da indústria da moda e da beleza, além de estarem de acordo com os anúncios da TV. Enquanto isso, aqueles que não conseguem atingir tais padrões definidos e comercializados, são considerados “fora de moda”, podendo causar não só frustrações como o isolamento dos indivíduos.

Para modelar e determinar o comportamento de seus consumidores, a indústria cultural se utiliza de todos os mecanismos possíveis e disponíveis para induzir os indivíduos ao consumo de seus produtos. Por exemplo, é possível verificar nos anúncios publicitários, nos comerciais de TV e nos outdoors, como as estrelas do esporte e/ou das novelas têm sua imagem associada a determinado produto (refrigerante, cerveja, equipamento esportivo, carro, etc.). O objetivo final dessas propagandas midiáticas, que utilizam recursos mais atrativos, é levar os consumidores a desenvolverem a necessidade de consumir aquele produto que está sendo associado a uma determinada personalidade (pública) a qual se identificam.

Ao produzir, dirigir e disciplinar as suas necessidades, a Indústria Cultural impõe sua dominação à massa consumidora semiformada (conformada, acrítica). Conforme Adorno e Horkheimer (1985, p. 110) a indústria cultural:

[...] os mantém tão bem presos em corpo e alma que eles sucumbem sem resistência ao que lhes é oferecido. Assim como os dominados sempre levaram mais a sério do que os dominadores a moral que deles recebiam, hoje em dia as massas logradas sucumbem mais facilmente ao mito do sucesso do que os bem-sucedidos.

Agindo assim, a Indústria Cultural deixa tudo parecer ser tão familiar que o indivíduo passa a não ter consciên- cia de que está sendo controlado, uma vez que tudo parece fazer parte dele; nada é estranho, como se fosse algo natural.

Os autores também acrescem dizendo que para a Indústria Cultural manter o controle sobre o consumidor, ela precisa não só despertar-lhe o desejo sobre os seus produtos, como reduzir os homens a mercadoria. Ou seja, “eles não passam de um simples material, a tal ponto que os que dispõem deles podem elevar um deles aos céus para depois jogá-lo fora: que ele fique mofando com seus direitos e seu trabalho” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 121).

Numa outra passagem, Adorno e Horkheimer (1985, p. 121) destacam que “a indústria só se interessa pelos homens como clientes e empregados e, de fato, reduziu a humanidade inteira, bem como cada um de seus elementos, a essa formula exaustiva”. E, para tornar o consumidor ainda mais dependente dos seus produtos, a indústria também atua na criação de novas necessidades, formando-se assim um ciclo (necessidade/satisfação), no qual o consumidor se encontra envolvido pela sua ideologia de negócio e atua para não lhe dar a possibilidade de resistência.

Como se não fosse suficiente, os argumentos até aqui levantados acerca do poder da Indústria Cultural, Adorno e Horkheimer destacam ainda que a própria qualidade dos produtos apresentados por essa indústria é resultado da necessidade de consumo, que cria a distinção dos produtos em categorias para contemplar todos os tipos de consu- midores (e que ninguém fique de fora e consuma os seus produtos).

Eles também mostram que a Indústria Cultural apresenta uma linguagem própria, particular e condicionada, uma linguagem que se apresenta como natural e acessível ao público. Para os autores (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 106):

[...] a capacidade rara de satisfazer minuciosamente as exigências do idioma da naturalidade em todos os setores da indústria cultural torna-se um padrão de competência. O que e como o dizem deve ser controlável pela linguagem quotidiana, como no positivismo lógico. Os produtores são especialistas. O idioma exige a mais espantosa força produtiva, que ele absorve e desperdiça.

Este artifício objetiva seduzir o espectador, que vê na linguagem apresentada nos anúncios e/ou comercias a sua própria linguagem, sentindo-se envolvido pelos produtos que estes se identificam e apresentam.

Ao expor o consumidor aos objetos de desejo, a Indústria Cultural seduz os consumidores ao prazer e em seguida priva-o. Os comerciais e/ou anúncios de TV são exemplo disso quando mostram atores/atrizes com corpos atrativos e sedutores, despertando-lhe o desejo sobre o objeto oferecido. Porém, o desejo não é satisfeito, é privado. Para Adorno e Horkheimer (1985, p. 115) “ao desejo, excitado por nomes e imagens cheios de brilho, o que enfim se serve é o simples encômio do quotidiano cinzento ao qual ele queria escapar”.

Adorno e Horkheimer também destacam a modificação da publicidade, que deixa de servir ao consumidor e torna mais um meio da Indústria Cultural para escravizá-los. Se no início ela orientava acerca dos produtos, agora ela induz o con- sumidor às ofertas das grandes corporações, através dos anúncios publicitários para divulgar seus produtos e marcas. A ideia aqui é expor e seduzir o consumidor a comprar os produtos. Para os autores (1985, p. 134), isso explica porque:

[...] a publicidade é hoje um principio negativo, um dispositivo de bloqueio: tudo aquilo que não traga seu sinete é economicamente suspeito. A publicidade universal não é absolutamente necessá- ria para que as pessoas conheçam os tipos de mercadoria, aos quais a oferta de qualquer modo está limitada.

Como vemos em Adorno e Horkheimer, dificilmente os espectadores/consumidores conseguem ter uma visão crítica dos comerciais e/ou anúncios publicitários na TV, pois na sua grande maioria apenas buscam a diversão e o entretenimento. E, sabendo disso, a Indústria Cultural sutilmente vai enviando suas mensagens de “consumo” aos espectadores que aos poucos acabam por ceder à “indústria do prazer” que oferece um mundo de possibilidades.

Em decorrência dessa busca cuidadosa e planejada de consumidores para os produtos que são oferecidos e produzidos pela propaganda midiática (por meio de comerciais, anúncios publicitários, filmes, outdoors, entre outros)

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que se utiliza de uma linguagem particular e condicionada, a Indústria Cultural mostra todo seu potencial de poder de transformar e reduzir o homem a um simples produto. Agindo assim, a indústria não só produz, como dirige e discipli- na o comportamento dos consumidores em relação às suas “possíveis” necessidades de consumo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das contribuições aqui apresentadas sobre a “Teoria Crítica da Sociedade”, a “Semiformação” e a “Indústria Cultural”, que mostram com bastante propriedade um contexto histórico onde se reproduz e se afirma constantemente a barbarização, a frieza, o conformismo, a adaptação, o esvaziamento da reflexão, a dessensibilização e a desqualificação da sabedoria, a educação aparece como a única possibilidade de retomada da humanidade rumo à emancipação e à formação de sujeitos autônomos. Ou seja, a educação é o único caminho possível para uma formação cultural que realmente transforme os indivíduos em sujeitos conscientes de suas potencialidades e responsáveis pela construção de sua própria história.

Para a construção dessa emancipação e autonomia, a ‘formação cultural’ e a ‘educação’ mostram-se indispen- sáveis no desenvolvimento histórico do homem. Nesse processo formativo, a educação possibilitará ao homem inserir- -se na produção histórico-cultural enquanto sujeito capaz de autoentendimento e de possibilidade de transformação, independentemente dos outros. Pela via da educação, o homem terá a possibilidade de sair da condição de “menorida- de” (imposta pela semiformação, semicultura, deformação) para a emancipação e autonomia humana.

Nesse sentido, sabendo que a sociedade atual, por meio do sistema educacional, privilegia o acúmulo de informação sem se preocupar com a qualidade que estes possam carregar (e das consequências que essas informações podem produzir por meio da semiformação), parece razoável propor que se faça uma autorreflexão para tentar entender os fatores que desenvolveram este processo degenerativo, como tem sido apontado por Adorno e Horkheimer. Pois, em contraposição à (semi)formação, a formação cultural parece ser o caminho possível para buscar mudar as condições sociais e materiais que permitiram que barbáries como a de Auschwitz acontecesse. Como vimos, segundo Adorno, esta é a única possibilidade de sobrevivência que resta à cultura, frente à deformação e destruição da semiformação.

E, diante desse processo degenerativo em que a sociedade se encontra, a escola ainda é uma das poucas ins- tituições capaz de conduzir o processo de emancipação e autonomia humana, por meio da autorreflexão crítica sobre a semiformação, embora esteja inserida nas malhas da sociedade da Semiformação, da Semicultura e da Indústria Cul- tural. Sendo assim, tudo indica que esse processo só se concretizará se os “professores” – educadores e formadores – se envolverem na construção de um conhecimento histórico que tente reelaborar o passado, “descoisificando” tudo aquilo que promove a barbárie, o preconceito, a frieza, a indiferença, a dessensibilização e a desumanização, etc., e que promo- va a possibilidade de se construir uma vida mais justa e humana, onde os homens sejam agentes ativos de transformação de sua própria história e da sociedade em que estão inseridos.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

__________. Teoria da semiformação. In: Pucci, B; Zuin, A. Lastória (orgs). Teoria crítica e inconformismo: no- vas perspectivas de pesquisa. São Paulo: Cortez, 2010.

__________. HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 1985.

__________. Temas básicos de sociologia. São Paulo: Cultrix, 1978.

MATOS, O. C. F. A Escola de Frankfurt. Luzes e sombras do Iluminismo. São Paulo: Moderna, 1993. (Coleção

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