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2 1 DEPOIMENTOS DOS SUJEITOS DAPESQUISA

No documento Anais Completos (páginas 56-61)

Ouvir parece ser um exercício fundamental quando nos entendemos humanos e nos propomos avaliar crian- ças de 0 a 5 anos, em pleno estado de vibração, criatividade e amor. Como professores somos referência para estas crianças que nos observam e pautam suas experiências na ideia de um dia “ser grande e feliz”, não que estas não sejam grandes e felizes. Será que avaliação contribui para a inclusão e o desenvolvimento integral destes seres de pouca idade? Como não utilizá-la como instrumento de controle e fragmentação dos saberes consolidados? Seria os portfólios uma estratégia de convivência, dialogicidade e aprendizagem?

A partir destas reflexões o trabalho com portfólios iniciou-se pelas seguintes interrogações: De onde a crian- ça partiu? Quais foram suas conquistas? Que caminhos percorreu para fazer tais descobertas? Quais suas perguntas, dúvidas, comentários? Como reagiu diante de conflitos? Qual o papel do professor nesses diferentes momentos? Em que linguagens a criança apresenta avanços? Quais os fatos que levam o professor a contextualizar tais avanços? (comen- tários, temas de interesse, brincadeiras, participação em jogos, atitudes...) Apresenta alguma linguagem a ser melhor trabalhada? Como pode o professor intervir? Como os pais se referem ao desenvolvimento das crianças e ao trabalho da instituição?

No intuito de compreender esta proposição lançamos o desafio de dialogar com alguns dos sujeitos envolvi- dos neste processo educativo: professores, gestores e mães.

Nesta direção a professora “A” afirma:

[...] a avaliação na educação infantil é um importante instrumento para educadores analisar a prática e aproveitar para um planejamento da ação pedagógica compreendendo o momento e as necessidades de cada um de nossos educandos e para obter informações e subsídios capazes de favorecer o desen- volvimento das crianças e ampliação de seus conhecimentos. Cada início de ano combinamos com nossos educadores de estar registrando e observando a forma da criança se expressar, sua concentração e envolvimento nas atividades e sua satisfação com as produções e conquistas. [...] combinamos de não sermos meros espectadores de apenas estar assistindo as descobertas realizadas pelas crianças mas sim mediadoras, estimulando, incentivando e proporcionando situações que promovam o desenvol- vimento. (A/2016)

Percebe-se no contexto da fala da professora que há uma intencionalidade de exercitar o proposto pela ava- liação mediadora que, conforme sinaliza Hoffmann (2012) “refaz e registra a história, do seu processo dinâmico de construção do conhecimento, sugere, encaminha, aponta possibilidades da ação educativa para pais, educadores e para a própria criança e indica caminhos possíveis e necessários, para trabalhar com a criança”. Sendo que a professora “A” ainda complementa: “Nós educadores temos o habito de falar bastante, mas na hora de escrever encontramos dificulda- des, é assim que melhoramos nossa prática, nos desafiando a buscar novos conhecimentos, ver onde estão os problemas e buscar soluções”.

Os professores foram desafiados a estudar, pensar e escrever. Assim acompanharam o percurso de formação das crianças descrevendo sobre suas descobertas e aprendizados, crescimentos e dificuldades, evitando comparações com outras crianças da mesma idade ou turma, utilizando sempre um olhar atento e reflexivo sobre o desenvolvimento de cada um, percebendo cada criança na sua individualidade, limitações e habilidades, dando ênfase a suas qualidades e crescimen- to. Assim buscaram implementar os princípios da avaliação mediadora: investigação docente, provisoriedade dos juízos estabelecidos e complementariedade, visando desfocar o comportamento padronizado (HOFFMANN, 2012).

A professora “B” afirma: “[...] com diálogo e explicações parecia fácil a execução dessa tarefa, mas ao fazer foi possível perceber que era complexo, reflexivo, mas tudo isso me tornou capaz de compreender a criança em suas individualidades [...] gostei dessa experiência”. O desafio da escrita assusta, mas, ao mesmo tempo oportuniza e incita os professores a progredirem teoricamente, inclusive ampliando seu olhar para observação no contexto da sala de aula. Como diz Marques (2008, p.15) “Coçar e comer é só começar. Conversar e escrever também.” O estímulo para escrita provocou os professores a fazerem parte de grupos de estudo e buscar outras leituras na área de atuação. São os desafios e as dúvidas que mexeram e (re) mexeram com o contexto escolar, o planejamento, acompanhamento pedagógico e a convivência com os pais. Pois estes também participaram ativamente da escrita que delineou a vida escolar destas crian- ças, contando vivências, histórias e apontando caminhos que ainda precisavam ser percebidos e desvendados.

Avaliar subtende refletir, repensar e visualizar o que acontece. [...] devemos ter certos cuidados ao redi- girmos a avaliação de uma criança, tais como, não citar atitudes comportamentais e cuidar com os “nãos” nos texto, alegar que a criança não sabe tal coisa é rotulá-la como incapaz, e tratando-se de criança não há nada estático muito menos o aprendizado.[...] Mas talvez o desafio maior da avaliação na educação infantil esteja em descrever o processo de aprendizado da criança de forma a contemplar o desenvolvi- mento integral da criança que é trabalhado no contexto educacional. (PROFESSORA C/2016) A pesquisada demonstrou conhecimento e ressaltou a importância e o cuidado que se deve ter ao escrever sobre a criança, pois é um documento comprobatório e todas as informações necessitam ser bem pensadas, pois de al- guma forma são registros que se mantém com o tempo, responsabilidade ainda maior. A professora “D” complementa dizendo ser necessário: “chamar os pais com mais freqüência para a escola e apresentar as atividades das crianças, [...] lembrando também que fortalece os vínculos entre a família e escola”.

Interessante é o depoimento feito pelas mães de criança no momento que sentaram para conversar sobre avaliação dos seus filhos.

Mãe 1: Fico feliz em poder participar deste momento, e espero anciosa para pegar a avaliação. Muitas vezes, gostaria que as palavras estivessem escritas de forma diferente, ou seja, tem coisas que queria que meus filhos fizessem diferente, e é ai que percebo onde tenho que trabalhar com eles para que seja feita a diferença, para que eles melhorem neste aspecto. Obrigada por me dar a oportunidade de dividir esta experiência de receber a avaliação e dar o meu parecer de como é. (2016)

Mãe 2: Receber a avaliação da minha filha foi muito importante, pois tive a oportunidade de acompa- nhar e verificar o seu desempenho nas atividades e no seu rendimento escolar. (2016)

Isso é inusitado, diferente e inovador. A dialogicidade e a participação dos pais ofereceram para as crianças certa segurança e apoio. Estes são os laços que aproximam e contribuem num processo de Educação que tem como intuito a emancipação e não a domesticação dos sujeitos aprendentes. Os encontros possibilitaram pensar e planejar um processo de educação que incluísse respeito e oferecesse abertura de olhar para o próprio contexto escolar. Assim, a mãe “1” continua seu depoimento, afirmando: “Enquanto mãe é gratificante poder acompanhar a aprendizagem do meu filho, acredito que quanto mais forem os encontros, melhor entendimento terei sobre o processo, em contra partida poderei ajudar a professora nesta caminhada”. Parcerias desejadas pela educação infantil, presença que fortalece e alimenta a ideia da gestão participativa.

Nesta direção a professora “E” afirma:

A família é essencial para que a criança ganhe confiança, sinta-se valorizada, assistida amada. O mo- mento da entrega aos pais é muito valido, pois eles pegam e ali mesmo começam a olhar tem pais que se surpreendem ao ver tudo que seus filhos fazem, e muitas vezes até nos questionam se foram eles mesmos que realizaram as determinadas atividades. Ai cabe é que vem o nosso papel em colocar aos pais que eles aprendem de seus interesses, brincando interagindo com o conhecimento, de forma livre e autônoma, e com os outros em contexto único e amplo. (PROFESSORA E/2016)

Avaliar é realmente processo de amorosidade, aproximação e cuidado. É o momento que nos damos o direito de entrar na vida do outro para declarar seus saberes e necessidades de intervenções. É o encontro inusitado com o resultado das ações desenvolvidas, tentativa de analisar alguém que está fora, mas que depende de mim para evoluir. Como diz Boff (2013, p.41) “Colocar cuidado em tudo o que projeta e faz, eis a característica singular do ser humano”.

As professoras continuam dando seus depoimentos:

Profª E: As principais dificuldades ao avaliar a criança, é pensar cada um na sua individualidade, cada um possuem ritmos e processos de aprendizagem diferentes, pois a avaliação não quer punir e nem premiar a criança.

Profª F: O portfólio é uma das melhores formas de avaliação pois permite interagir entre teoria e a prática verificando o crescimento e permitindo à criança construir sua aprendizagem.

Profª G: Acredito que deveria ser realizada a avaliação conjunta de todas as professoras da turma, para de fato considerar o aluno como um todo e o ensino como algo interdisciplinar.

V Colóquio Internacional de Educação

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Profª H: avaliação descritiva como vem sendo feita, nos possibilita uma melhor observação critica da criança e das nossas praticas pedagógicas.

Profª I: O maior medo foi com as palavras certas a serem descritas, pois poderiam ter um significado e os pais (família) entenderem outro. Nesse processo foi de suma importância o auxilio da gestão escolar e coordenação pedagógica na análise das avaliações.

Aprovado pelas professoras os portfólios se tornaram importantes aliados do processo ensino aprendizagem das crianças desta faixa etária. Outro fator relevante levantado pelas pesquisadas é a necessidade de ser elaborado de forma integrada, envolvendo os diversos professores, que atuam com a mesma turma, num permanente processo de diálogo. Esta integração favorece o entrelaçamento dos diferentes olhares e as reflexões coletivas. Como diz a professo- ra “J”: “Quando foi lançada a proposta da avaliação na educação infantil em Maravilha, ouve certa “inquietação”, afinal, a avaliação chama o professor para o compromisso de educar, ali estava o motivo, não poderiam mais “fazer de conta”.

Cabe salientar a importância do envolvimento da gestora neste processo de avaliação, pois auxiliou as profes- soras tanto na elaboração e organização dos portfólios, como nas revisões textuais. Como afirma a gestora “a”: “Enquan- to diretora coube acalmar os professores e incentivá-los a registrar cotidianamente aspectos importantes do desenvol- vimento e aprendizagem individual das crianças”. E a professora “J” complementa dizendo: “A diretora era nosso porto seguro quando batia o desespero para escrever, pois o tempo era escasso e o medo nos impedia de efetuar o registro. Sem falar das dificuldades de trazer os pais para escola, nisso a diretora nos ajudava”.

Constatou-se que todas as professoras pesquisadas clamam por mais participação da família no contexto es- colar, pois a escola elabora calendário de atendimento individualizado respeitando os horários de trabalho dos pais. Se- gundo a gestora “b”, “A participação dos pais já melhorou bastante a partir desta sistemática de chamamento e avaliação”.

Nesta direção a professora “L” afirma:

Há muito tempo os professores desejavam que houvesse uma forma de avaliação na Educação Infan- til. Não para julgar ou classificar a criança, mas como forma de observação crítica do trabalho docente, como uma ação transformadora do fazer pedagógico, onde toda a vivência da criança na escola possa ser valorizada, para saber o que ela já conquistou e não o que ainda falta ser alcançado.

Percebeu-se que a professora desejava ter uma organização que permitisse avaliar o desenvolvimento das crianças. Como confirma a professora “M” “Durante o ano, realizei observações sobre a aprendizagem das crianças. O meu caderno es- tava o tempo todo ao meu alcance e cada avanço ou mesmo dificuldade eu anotava o que era relevante”. Entender este processo como relevante, permitiu dar sentido a esta prática, entendendo-a como instrumento que retroalimenta as aprendizagens. E a pesquisada “M” continua dizendo “Ao mesmo tempo em que minhas anotações serviam de base para a elaboração do parecer avaliativo das crianças, elas também contribuíram para repensar meu planejamento e fazer as intervenções necessárias para supe- rar as dificuldades das crianças”. Isso revela a compreensão e implementação da avaliação mediadora na sua essência.

Avaliar crianças exige conhecimento, planejamento, observação, reflexão, registros diários e sensibilidade. Como diz a professora “N”, “Gostei muito de utilizar a avaliação descritiva porque podemos avaliar a criança como um todo, respeitando seu tempo. É muito importante escrever como esta seu desenvolvimento, habilidades e aprendizagens”.

Os depoimentos se complementam:

Avaliação ajudou as crianças a descobrirem e ampliarem seus conhecimentos. Tudo em seu cotidiano é fonte de curiosidade e exploração. Agem ativamente em seu entorno, selecionando informações, analisando-as, relacionando-as e dando-lhes diferentes sentidos. [...] Dessa forma, entendem e trans- formam a realidade, aprendem a respeito de si, das pessoas e do mundo, dele se apropriam e transfor- mam. Assim, crescem e constituem suas identidades pessoais. (PROFESSORA O/2016)

A oportunidade de olhar para si, entendendo-se como parte integrante deste processo atribuiu a caminhada o sabor da conquista e a percepção de que o processo avaliativo ofereceu elementos que possibilitaram o entrelaçado de novos fios, conquistas e oportunidades. Como afirmou a professora “P”: “Que bom que fomos desafiados a algo novo, pois diante deste chamado foi necessário voltar a estudar”. É o remexer da rotina que assustou, amedrontou, mas no decorrer do processo, modificou, qualificou, espantou e transformou. Foi preciso conhecimento para planejar, esperança para alinhavar e coragem para fazer.

3 ESTAMOS ENCERRANDO E ESTICANDO O PASSO: PRONTAS PARA UMA

NOVA CONVERSA...

Mudaram as estações, nada mudou Mas eu sei que alguma coisa aconteceu Está tudo assim tão diferente... Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar Que tudo era para sempre, sem saber Que o pra sempre acaba... (Renato Russo, De volta pra casa, 1985) Ficou evidenciado no decorrer deste estudo que quando o desafio é lançado, permeado pelo diálogo acompa- nhado de estudo e reflexão, o caminho se faz. Assim percebe-se esta experiência, mediada pela constante reflexão, que está envolvendo diversos sujeitos que fazem a Educação Infantil na rede municipal de Maravilha.

Esta proposição colocou professoras, gestoras e mães em movimento, passaram a inquietar-se em relação à

avaliação e percebê-la não como um ponto de chegada, mas como processo, momento de reflexão que lhes possibili- taram re-visitar suas práticas pedagógicas, construir e (re) construir novos caminhos para lançarem-se juntos com as crianças em novas e desafiadoras situações de aprendizagens. Outro fator relevante é que a estrutura de portfólio aqui projetada e em curso, possibilitou professoras, pais e crianças/alunos are-visitarem suas histórias construídas no con- texto da Educação Infantil.

Quando se trabalha somente com o registro do texto escrito, o adulto até visualiza o processo, mas o fato de conter, registros envolvendo situações de aprendizagens com imagens, desenhos, colagens, entre outros, possibilita que a criança perceba que esta história é dela, sobre ela e especialmente para ela, razão de existência da Educação infantil.

Esta organização movimentou e atribui vida ao processo educativo, estimulou as professoras a continuarem estudando e se autoavaliando. As famílias foram se aproximando da escola, para saber como seus filhos estavam se desenvolvendo. A gestão escolar, por sua vez, deu suporte ao fazer pedagógico, auxiliando as professoras tanto na orga- nização como nos encontros com os pais. Foram ações de mão dupla, que se entrelaçaram e olharam com cuidado para cada criança, respeitando as singularidades e percebendo onde realmente poderiam intervir.

A experiência da Rede Municipal de Ensino de Maravilha é positiva e deve prosseguir aperfeiçoando-se, pois é no caminhar que todos os sujeitos e elementos fundantes vão agregando novas roupagens e outros olhares, consti- tuindo-se realmente em práxis pedagógica mediadora, emancipatória e transdisciplinar.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Maria Carmen Silveira Barbosa. Por amor e por força: rotinas na educação infantil. Porto Alegre: Arte-

med, 2006.

BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2013.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional da Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução Nº 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Disponível em: <

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2298-rceb005-09&category_slu- g=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192 >Acesso em: 10 ago. 2016.

OSÓRIO, Mário. Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. RJ: Editoras Vozes, 2013. 2008.

HOFFMANN, Jussara. A avaliação na Educação Infantil: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto

Alegre: Mediação, 2012.

A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO E AS IMPLICAÇÕES PARA AS POLÍTICAS

No documento Anais Completos (páginas 56-61)

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