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OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO JURÍDICA NA CONTEMPORANEIDADE

No documento Anais Completos (páginas 131-139)

Patricia Noll - pnoll@ucs.br Universidade de Caxias do Sul - UCS Eixo Temático I – Comunicação Oral

RESUMO: Diante de uma sociedade dinâmica, um direito estático. E onde surge essa incapacidade do direito evoluir,

ou ao menos buscar acompanhar a evolução da sociedade? Uma das respostas possíveis é a educação jurídica. O ensino do direito está pautado pela legalidade, na expressão única do direito como lei. Necessária a legislação e seu estudo, mas imprescindível a verificação de que as fórmulas reproduzidas há séculos no ensino do direito, foram com o tempo, apenas se tornando cada vez mais obsoletas. O direito deve ser um meio de pacificação social, mas essa função só será exercida se o direito corresponder à sociedade que regulamenta, e os juristas forem formados para terem habilidades para essa nova sociedade.

PALAVRAS CHAVES: Educação. Direito. Sociedade. Crise.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Uma sociedade contemporânea se caracteriza pela complexidade, onde os conceitos se alteram rapidamente e as certezas não mais são certas, pois como bem afirma Ilya Prigogine1, estamos diante da era do fim das certezas.

A contemporaneidade traz nas sociedades mudanças rápidas, movimento que ainda está se produzindo sem que se distingam consolidações que auxiliem a melhor compreende-las. A intensificação da informação, a comunicação em massa, traz uma fragmentação do conhecimento, que acaba sendo raso, instantâneo, sem reflexão. A passagem de uma sociedade industrial para uma sociedade de informação, de uma sociedade segura para uma sociedade plural e ins- tável gerou crises. Está-se diante de um descompasso entre a escola e a comunidade, entre as instituições e a sociedade. E aqui as ações em educação tem papel fundamental, de propiciar a transformação ou exacerbar as diferenças.

As questões que a contemporaneidade traz à educacional são, portanto, muitas. A forma de proposição das questões é que devem ser alteradas, pois está-se diante de um esgotamento das análises que em nada mais acrescentam ao conhecimento, e patinam em jargões e padrões já exauridos.

A sociedade contemporânea exige ainda mais, uma análise Sócio-histórico-cultural, da realidade social, para que a educação possa não apenas ensinar conteúdos, mas refletir, intervir sobre a realidade. Mas a complexidade da sociedade não está sendo acompanhada pelo conhecimento.

O direito é uma ciência social, ou deveria ser. O direito é o meio de adaptação dos cidadãos ao convívio em sociedade. Seja pela aceitação da doutrina do pacto social, proposta por Rousseau2, ou pela necessidade, que embora contrarie a natureza, se faz obrigatória, como defende Hobbes3. O que importa é que o direito deve corresponder a essa sociedade, as suas demandas, os seus anseios.

Nesta perspectiva, diante destas premissas, como a educação jurídica enfrentará os desafios da sociedade contemporânea? Eis aqui a pergunta de ouro do ensino jurídico na atualidade.

2 A EDUCAÇÃO JURÍDICA E SUA FUNÇÃO DIANTE DA SOCIEDADE

O direito representa pacificação social, certeza, segurança. Mas muito se questiona acerca da eficácia do siste- ma jurídico diante da sociedade atual. Os juristas negam o inevitável. A justiça não está vendada para ser imparcial, está na verdade, cega para o evoluir imprescindível do direito.

Porque os juristas não aceitam o evoluir da sociedade, e o evoluir do sistema jurídico? A resposta está na educação jurídica. Os juristas são programados pelo ensino do direito, a aceitar as teorias dogmáticas, a ler os códigos, e destes livros sagrados retirar todo o ensinamento necessário. No horizonte apenas leis. O ensino do direito está em descompasso com o evoluir da sociedade.

Durkheim4, bem assinala, o que estava por vir:

1 PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1996. 2 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato Social, 1762.

3 HOBBES, Thomas. Leviatã, 1651.

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O caso é este: estamos embarcados e a viagem não pode ser adiada. Em muitos pontos nosso sistema tradicional de educação não está mais em harmonia com nossas ideias e necessidades. Temos, pois, de tomar um destes dois partidos: ou bem experimentar, de qualquer forma, manter as práticas que o passado nos tenha legado, embora não atendam mais as exigências do momento; ou bem experimen- tar o restabelecimento da harmonia que se quebrou, pesquisando quais as modificações necessárias. Para Durkheim5, a educação deve preparar para a sociedade:

O homem que a educação deve realizar, em cada um de nós, não é o homem que a natureza fez, mas o homem que a sociedade quer que ele seja; [...] Longe de ter por objeto único ou principal o indivíduo e seus interesses, a educação é, acima de tudo, o meio, pelo qual a sociedade renova perpetuamente as condições de sua própria existência.

Para a formação para a sociedade, muito bem complementa a ideia de Durkheim, a definição de Rousseau acerca do homem total que a educação deve formar. Paiva6 bem resume a ideia do autor:

A mensagem contida no romance é a formação do que denomino de homem total, [...]. Enfim, o Emílio propõe formar um tipo próprio de cidadão cuja especificidade é a de ser um cidadão legítimo tanto de uma sociedade perfeita, idêntica à que concebe no Contrato Social, como de uma mais real, cheia de imperfeições e na qual a presença de homens como Emílio possa contribuir ao seu melho- ramento.

Educar para a sociedade é educar para o trabalho, para saber identificar sua função como cidadão e como membro de uma engrenagem maior que é a vida em sociedade. Bem aduz Pfeffer7 “mais do que preparar o aluno para o mercado de trabalho, devemos nos preocupar com ensiná-lo a ser uma pessoa.”

Morin8 buscou trabalhar em suas obras acerca do método, o “pensar por si mesmo para responder ao desafio da complexidade dos problemas.” Justamente o que está ausente no ensino do direito. Prossegue o autor9:

Se é verdade que tudo, em nossa época, está em crise, a crise concerne não menos profundamente aos princípios e estruturas do conhecimento que não impedem de perceber e de conceber a com- plexidade real, ou seja, também a complexidade de nossa época e a complexidade do problema do conhecimento.

Neste mesmo sentido pronuncia-se Soares, Nogueira e Gomes10, ao afirmar que “a estabilidade sobre a qual, até agora, a legitimidade na educação e da educação vinha se amparando esfumaçou-se.”

As bases da educação não sustentam mais a sua estrutura. Novos alicerces são necessários. Novos modelos educacionais, uma nova visão do ensino, e isso só será possível, se a pesquisa em educação se voltar ao problema.

Freire, dedicado ao estudo da educação, defendeu a pedagogia da libertação. Mädche11, ao comentar a obra do autor afirma que se a educação:

[...] visa incutir obediência ao homem, ela cimenta, com isso, sua não autonomia. Se ela o habilita para o pensamento e para o questionamento crítico, ela o liberta para a libertação própria e do mundo.

5 DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. 3. ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1952, p. 66-67.

6 PAIVA, Wilson Alves de. A Formação do cidadão na Obra de Jean-Jacques Rousseau. In Revista Fragmentos de cultura, Goiânia, v. 17, n. 1/2, p. 77-92, jan./fev. 2007, p. 81.

7 PFEFFER, Renato Somberg. Reflexões sobre a educação contemporânea: a contribuição de Abraham Joshua Heschel a partir de suas raízes judaicas. In Conjectura: Filosofia e Educação. Caxias do Sul, v. 16, n. 3, set/dez. p. 68-77, 2011, p. 71.

8 MORIN, Edgar. O Método: 3. O conhecimento do conhecimento. Tradução de Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Editora Sulina, 1999, p. 36.

9 MORIN, Edgar. O Método: 3. O conhecimento do conhecimento. Tradução de Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Editora Sulina, 1999, p. 261.

10 SOARES, Lúcia de A.; NOGUEIRA, Eliete J.; GOMES, Luiz F. No cenário da pós-modernidade: a reiterada exigência de qualidade e excelência contemporânea. In ta Conjectura: Filosofia e Educação. Caxias do Sul, v. 18, n. 1, p. 120-134, jan/abr. 2013. 11 MÄDCHE, Flávia C. Abrindo perspectivas: A intersubjetividade na pedagogia de Paulo Freire. Porto Alegre: Dacasa Editora, 1998, p. 11

A educação, para Freire12 , portanto, é uma prática para a liberdade. Aduz o educador:

Mas se os homens são seres do que fazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis, todo fazer do que tem de ter uma teoria que necessariamente o ilumine. O que fazer é teoria e prática. É reflexão e ação. Não pode reduzir-se [...] nem ao verbalismo, nem ao ativismo.

O autor destaca algo realmente latente na crise da própria educação e de seus fundamentos. A prática não tem sustentação sem a teoria, e a teoria sozinha não produz efeitos. A reflexão é talvez a grande chave para o ensino. A chave que abrirá as portas para o conhecimento esquecido. Não se trata optar entre a teoria ou a prática. Ambas são necessárias a formação do cidadão, do profissional.

Neste sentido, aduz Ribeiro13 que a educação:

[...] parece ter assumido o dualismo cientificista, o qual – ao privilegiar apenas uma das manifestações do conhecimento – o encara como único, tomando-se, assim, a parte pelo todo. Com isso, dissolve-se a conexão entre a teoria e vida. Nesse sentido, não cabe perguntar, em termos de teoria ou prática, sobre qual ênfase deve ser dada em um processo de formação. Ambas dizem respeito aos interesses de formação dos sujeitos.

Outrossim, quando a separação entre a teoria e a prática é exercida na formação de bacharéis em direito, a consequência é a (des)instrução de profissionais que desconhecem a realidade social, e a função do direito na sociedade. A separação entre teoria e prática nesses termos acarreta um distanciamento do direito em relação à realidade que o envolve. Em avaliações realizadas pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) [...] constatou-se que as faculdades de direito no Brasil não são capazes de propiciar aos seus alunos instrumentos adequados para a compreensão da sociedade em que vivem e, portanto, aplicar ade- quadamente o direito. Assim, as faculdades de direito não formam profissionais competentes para o mercado.14

A modificação da educação, em especial ao presente estudo, do ensino jurídico, não se trata de melhoria na formação dos profissionais, estar-se diante de um déficit social, pois os operadores do direito que farão a estrutura ju- diciária do país. Nas mãos de profissionais inabilitados estará a direção do direito.

Diante disso, torna-se uma condição essencial reavaliar a real função da escola, uma vez que ela de- veria cumprir com sua tarefa prioritária de formar sujeitos autônomos, devendo também o ensino leva-lo a interpretar as diversas linguagens que lhes são oferecidas em seu cotidiano, de maneira a possibilitar que se tornem sujeitos de suas próprias escolhas, decisões estas que não sejam tomadas apenas em benefício próprio, mas sim da coletividade.15

Precisa-se modificar não somente as grades curriculares dos cursos de direito, precisa-se alterar o modelo de ensino, e isso perpassa pelos docentes e discentes, cada um consciente de seu papel no processo de aprendizagem. Pois se anuncia no ensino do direito uma crise de paradigmas, uma crise da educação jurídica.

3 EDUCAÇÃO JURÍDICA: O DESAFIO

Muito se debate entre os Educadores Jurídicos, a denomina “crise do ensino”, e muito se discute acerca da “crise do direito”. A “crise” parece ser uma boa justificativa para demonstrar que não está bom, mas não temos solução. As Universidades, os estudantes, os professores, e os profissionais do direito devem, perceber que estamos diante de um problema. Uma necessária alteração de paradigma. O direito não acompanha o evoluir da sociedade. E o ensino jurídico 12 FREIRE, Paulo. apud MÄDCHE, Flávia C. Abrindo perspectivas: A intersubjetividade na pedagogia de Paulo Freire. Porto Alegre: Dacasa Editora, 1998, p. 64.

13 RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral. Para uma releitura das relações entre teoria e prática em educação: contribuições de Habermas. In Conjectura: Filosofia e Educação. Caxias do Sul, v. 20, n.1, p. 119-140, jan/abr. 2015, p. 137.

14 SCABIN, Flávia; ACCA, Thiago. Clínica do direito. In Métodos de ensino do direito: conceitos para um debate. GUIRARDI, José Garcez (org.). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 8.

15 LASTÓRIA, Luiz A. C. N.; SILVEIRA, Bruno P.; STEFANUTO, Jéssica R. R.; PIMENTA, Juliana C. F.; DUCI, Juliana R. Teoria crítica da sociedade: um olhar sobre a educação em tempos de sociedade tecnológica. In Conjectura: Filosofia e educação. Caxias do Sul, v. 18, n.1, p. 164-178, jan./abr. 2013, p. 170.

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persiste ignorando o fato de que não está formando profissionais habilitados para essa nova sociedade, para os desafios que a contemporaneidade apresentam.

Bem destaca Barreto Filho16 em seu estudo comparado do ensino jurídico americano, ao aduzir que:

[...] para que possa a Universidade bem desempenhar o seu papel, é preciso que os estudantes tenham a consciência de sua missão social, que é a de preparar-se efetivamente para o desempenho de suas tarefas específicas na sociedade.

O problema da educação jurídica é o andar para trás, não se avança, regride-se. Nunes17 afirma que:

O modelo estabelecido nas faculdades ou cursos de direito é arbitrário e sem nenhum sentido cien- tífico nem pedagógico. Não se faz nem ciência nem se ensina a conhecer. Ele foi estabelecido há décadas e nunca modificado.

Ainda, Hommerding18 complementa que o ensino do direito se resume a formar “despachantes judiciais”, pois produz apenas “repetidores de fórmulas antigas”.

A educação não inova, não provoca, apenas reproduz, de forma maçante e inútil o conhecimento de sempre, que em nada acrescenta, nem ao direito, nem a sociedade.

Evidência desse raciocínio, e de tudo aqui exposto, é a teoria desenvolvida por Freire denominada de teoria da concepção “bancária” da educação.

Aduz o autor19 que nessa modalidade de “aprendizado” há uma contradição entre educador e educando, o educador tem o trabalho de “encher os educandos de conteúdos”, apenas realizando “depósitos de comunicados – falso saber – que ele [o educador] considera como verdadeiro saber.” Ainda, reporta-se o autor, a mesma concepção que Sartre, denomina de concepção alimentícia do saber, aduzindo que este seria como um “alimento que o educador vai introduzindo nos educandos, numa espécie de tratamento de engorda.”

O direito não pode deixar-se apenas “alimentar”. É preciso corresponder aos anseios sociais. É preciso ao menos acompanhar a evolução da sociedade, já que não é possível prever seu andar.

Ghirardi20, bem salienta o fim das certezas, e as fortes modificações sociais, que acarretam a modificação do direito, e a necessidade de modificação da formação jurídica:

O direito, como elemento central na organização das sociedades, não poderia ver-se a salvo deste am- plo movimento de esfacelamento de antigas certezas. Estruturado a partir de elementos cuja solidez e sentido encontram-se agora constantemente questionados, o discurso jurídico encontra-se também em meio a um processo de redefinições de suas matrizes básicas. A tarefa de redimensionar a lógica que informa as relações jurídicas a partir da fluidez das novas estruturas implica, em última análise a reconstrução do direito como forma social e como objeto de ciência, e tem por corolário, conforme aponta Lyotard, a crise dos modos de configuração de seu espaço de ensino. [... ] tais solicitações redesenham as expectativas em relação ao profissional do direito, cuja atuação exige hoje proficiência em uma ampla gama de saberes não imediatamente atrelados a noções de formação jurídicas mais tradicionais.

Berticelli21, da mesma forma acentua o declínio do modelo tradicional de ensino, diante do evoluir da socie- dade, e a necessária mudança de paradigmas do ensino:

A educação, em particular, necessita, mais do que nunca, de continuar a ser um processo emancipa- tório sem, contudo, a desmesurada e descabida pretensão salvacionista, fundacionalista e totalizadora em velhos e irrecuperáveis moldes.

16 BARRETO FILHO, Oscar. Novos métodos no ensino do direito: a experiência americana. Disponível em: <http://www.revistas. usp.br/rfdusp/article/view/66567>. Acesso em: 25 de janeiro de 2016, p.377.

17 NUNES, Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5.

18 HOMMERDING, Adalberto Narciso. Fundamentos para uma compreensão hermenêutica do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 84. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 35. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 63.

19 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 35. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 63.

20 GUIRARDI, José Garcez (org.). Métodos de ensino do direito: conceitos para um debate. São Paulo: Saraiva, 2009, p. V-VI. BERTICELLI, Ireno Antônio. Epistemologia e educação: da complexidade, auto-organização e caos. Chapecó: Argos, 2006, p. 45-46. 21 BERTICELLI, Ireno Antônio. Epistemologia e educação: da complexidade, auto-organização e caos. Chapecó: Argos, 2006, p. 45-46.

O direito desconhece o direito. Conhece apenas a lei. A lei não basta a sociedade. A sociedade clama por segurança jurídica, pela estabilidade e a certeza prometidos com a regulamenta da vida organizada. O poder judiciário e as instituições de ensino, assim como a maioria dos operadores e estudiosos do direito, negam a verdade posta.

Faria e Campilongo22, bem manifestam esse pesar:

Este é o trágico e paradoxal círculo vicioso da ‘pesquisa’ jurídica tradicional: alienada dos processos legislativos, desconhece o fundamento de interesse das leis; alienada das decisões continuadas dos tribunais, desconhece os resíduos dos problemas e do desespero forense do homem.; alienada da verificação empírica, desconhece as inclinações e tendências da sociedade brasileira moderna. Con- sequentemente, há que se reconhecer que, se a finalidade das faculdades de direito não tem sido a produção do conhecimento jurídico e a Poder Judiciário a sua criação, o ambiente natural para o desenvolvimento da pesquisa científica está comprometido com a sua própria negação.

Aos docentes, é que cabe a busca de um novo educar. Para então motivar os discentes nessa busca pela qua- lificação da educação jurídica. Pois grande é a preocupação quanto as decepções dos professores à magia da educação. Freire23, adverte:

Cedo ou tarde, porém, o feitiço se desfaz, desfazendo também a esperança ingênua que o alimentou. Alguns, entre esses educadores, frustrados com os resultados de sua própria magia, em lugar de negá- -la, negam o papel mesmo da subjetividade na transformação da realidade, passando assim a engrossar as fileiras mecanicistas.

A educação jurídica, bem evidencia a entrega ao ensino mecanicista que se refere Freire, ao ensino substituí- do pelo treino. Mas o educador24, ciente da função do professor, aduz:

Me parece demasiado óbvio que a educação de que precisamos, capaz de formar pessoas críticas, de raciocínio rápido, com sentido de risco, curiosas, indagadoras não pode ser a que exercita a memori- zação mecânica dos educandos. A que treina, em lugar de formar. Não pose ser a que ‘deposita’ con- teúdos na cabeça ‘vazia’ dos educandos, mas a que, pelo contrário, os desafia a pensar certo. Por isso, é a que coloca o educador ou educadora a tarefa de, ensinando conteúdos aos educandos, ensinar-lhes a pensar criticamente.

Ao professor ensinar. Ao aluno apreender. Projeto simples de execução complexa. No mesmo sentido que Freire aduz ao educador a função primordial do ensino, Ruy Barbosa25, no seu célebre discurso dirigido aos acadêmicos de direito, bem sintetiza a ideia do que se busca na pesquisa em educação aqui proposta:

Mas, senhores, os que madrugam no ler, convém madrugarem também no pensar. Vulgar é o ler, raro o refletir. O saber não está na ciência alheia, que se absorve, mas, principalmente, nas ideias próprias, que se geram de conhecimentos absorvidos, mediante a transmutação, por que passam, no espírito que os assimila. Um sabedor não é um armário de sabedoria armazenada, mas transformador refle- xivo de aquisições digeridas.

Por fim, as incontestáveis palavras de Rousseau26, que afirma: “tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos quando grandes nos é dado pela educação. ” Para o pensador a educação não é uma ciência, é uma arte.

Talvez a mágica tenha acabado, a arte não mais produz admiradores, mas enquanto houver plateia, e en- quanto houver o mágico, as luzes do conhecimento não se apagam, a produção da educação espetáculo ainda é uma possibilidade.

22 FARIA, José Eduardo; CAMPILONGO, Celso. A sociologia jurídica no Brasil. Porto Alegre: fabris, 1991, p. 28-29. 23 FREIRE, Paulo. Ação cultural: para a liberdade e outros escritos. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011, p. 242. 24 FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: Cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: editora Unesp, 2000, p. 100. 25 RUY BARBOSA (de Oliveira). Oração aos moços. São Paulo: Martin Claret, 2010, p. 44.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conhecimento não pode ser um saber construído sobre a realidade social, mas, ele mesmo, deve ser a realidade social.

A multi/inter/transdisciplinariedade é uma necessidade para a educação. Os problemas postos à educação não mais serão solucionados pelas fórmulas tradicionais. A busca da pergunta adequada, da questão que não possui mais resposta evidente é a chave da educação contemporânea.

Mas os impasses são muitos. A desvalorização da teoria em face a supervalorização da prática, faz da educação uma caricatura dela própria. A compreensão de que a teoria e a prática são duas faces da mesma moeda deve ser resga-

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