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A TO PROMETIDO COMO ATO PESSOAL

No documento OS LIMITES DA VINCULAÇÃO UNILATERAL (páginas 179-182)

P ARA UMA TEORIA DA PROMESSA

2. D ECOMPOSIÇÃO E ANÁLISE

2.6. O ATO PROMETIDO

2.6.3. A TO PROMETIDO COMO ATO PESSOAL

O integral e adequado cumprimento da obrigação dará lugar, em princípio, à satisfação do interesse do beneficiário da promessa, resultando na extinção da relação promissória656. Regra geral, o ato prometido deverá ser praticado por quem

prometeu, ou seja, pelo promitente. É, como indica STOLJAR, um “ato pessoal657”.

653 ALMEIDA COSTA, Obrigações, p. 696.

654 Assim também, TRP, proc. n.º 0833700, de 16-10-2008 (DEOLINDA VARÃO).

655MENEZES LEITÃO, Obrigações, I, pp. 128-9. Cfr. TRL, proc. n.º 10878/2005-7, de 14-02-2006 (PIMENTEL MARCOS), que considera que o franquiador se obriga suportar a utilização do seu o seu nome, a sua insígnia ou marca por parte do franquiado. Aqui verifica-se um implied term cujo conteúdo é uma prestação de facto negativo na modalidade de prestação de pati. Esta distinção feita pela doutrina e jurisprudência afigura-se (na minha opinião) infeliz porque as prestações de

pati envolvem sempre a abstenção de todos os atos de possam contrariar a conduta prevista e “prometidamente” tolerada. Reportam-se, portando, a um agrupar de prestações de non faccere com um determinado escopo.

656 Isto não significa, necessariamente, a extinção do negócio obrigacional. Assim será nos modelos-padrão de negócios unilaterais obrigacionais; nos demais, o cumprimento da obrigação apenas tem como efeito a sua extinção. As teses que defendem a obrigação como uma estrutura complexa – que inclui situações jurídicas substantivas e processuais – pretendem explicar que todas as situações jurídicas que extravasam a obrigação (stricto sensu) e o direito de crédito correlativo fundam-se num único objetivo que é, nas palavras de PESSOA JORGE, “proporcionar

ao credor a satisfação das utilidades através da realização de uma conduta do devedor” (Obrigações, p. 124.).

E é exatamente um ato pessoal porque o vínculo obrigacional liga o promitente à prestação debitória. Todavia, o ordenamento jurídico permite que o cumprimento da obrigação promissória seja prestado por um terceiro, estranho658 à promessa.

Esta possibilidade que se encontra no sistema jurídico é alheia às teorias clássicas da promessa, merecendo, nesse sentido, uma especial atenção.

É pacificamente aceite que o cumprimento de uma obrigação que derive de uma promessa possa ser efetuado por um terceiro – que não se confunde com o representante legal ou voluntário – interessado ou não no cumprimento (artigo 767.º/1 do CC)659. Não é necessário o consentimento do credor para que o

cumprimento possa operar; caso recuse receber a prestação quando esta puder ser efetuada por terceiro, incorre em mora do credor (artigo 768.º/1 do CC). A hipótese de cumprimento por terceiro não configura um caso excecional. A tese da irrelevância subjetiva do cumprimento é perfeitamente justificável. A não ser que se trate de uma prestação fungível, o interesse do beneficiário manifestado no cumprimento da obrigação promissória transcende a pessoalidade concreta. Por seu turno, na medida em que não há conexão noético-jurídica entre a

658 PALANDT, Kommentare, p. 344.

659 GALVÃO TELLES, Obrigações, pp. 230 e ss.; ALMEIDA COSTA, Obrigações, pp. 999 e ss.; no mesmo sentido aponta o direito alemão no §267 do BGB (cfr.FIKENTSCHER,Schuldrecht, pp. 176 e ss.; ZÖCHLING-JUD, in PRÜTTING et al., BGB Kommentar, pp 434-5; para desenvolvimentos, MARKESINIS, et al., The German Law of Contract, pp. 361 e ss.). Por sua vez,

o artigo 1180 do codice – que tem subjacente a doutrina italiana da unilateralidade negocial do ato de cumprimento –indica que os casos de cumprimento de terceiro podem ser efetuados contra a vontade do credor nas situações em que não haja interesse por parte do devedor em cumprir pessoalmente (cfr. GALGANO, Trattato, pp. 38 e ss.; NOBILI, Le obbligazioni, pp. 53 e ss.; AAVV,

Diritto civile, pp. 152 e ss.). Nos ordenamentos jurídicos de common law, o cumprimento por terceiro ou por conta de outrem, conhecido por vicarious performance também é admitido sempre que haja aquiescência do credor – cfr. Hirachand Punamchand v. Temple [1919] 2 KB 330;

Customs & Exercise Commissioners v. National Westminister Bank Plc [2002] EWHC 2204; [2003] 1 All ER (Comm) 327. O credor não pode recusar o cumprimento da obrigação por terceiro sempre que este facto não lhe cause prejuízo – cfr. British Waggon Co. v. Lea & Co (1880) 5 QBD 149. Este poderá recusar a prestação em duas situações: (i) quando a prestação for infungível – o desconhecimento desta classificação nos direitos anglo-americanos leva as fontes mediatas a complicadas elucubrações sobre o caráter “personal” do contrato (para desenvolvimentos, TREITEL, The Law of Contract, cap. 17, §10) e; (ii) sempre que for estipulado pelas partes que a

prestação apenas poderá ser feita pelo devedor. Tal regra pode ser extraída de um express como de um implied term como bem demonstra o caso Davies v. Collins [1945] 1 All ER 247.

intencionalidade auto-vinculativa e a vontade (pessoal) de praticar o ato prometido – sem prejuízo das condições de felicidade acima abordadas – não há qualquer motivo que justifique que o cumprimento de uma promessa seja feito impreterivelmente pelo promitente porquanto o interesse deste estará, pelo menos indiretamente, consumido na própria satisfação do credor.

A possibilidade da prestação feita por terceiro não deve ser vista como um desvio às teorias tradicionais da promessa. O terceiro não é devedor da obrigação e, portanto, não responde pelo não ou mau cumprimento. Neste sentido, se em (t1),

perante (B), (A) diz “eu prometo fazer (z)” e em (t2), é (D) quem cumpre, por conta

de (A), não se verifica qualquer modificação no conteúdo da declaração

promissória. É errado assumir que se dá uma alteração subjetiva no que diz respeito à pessoa do promitente: não se opera qualquer assunção de dívida por parte de (D)660. O ato prometido apresenta-se, consequentemente, como um ato de natureza

pessoal.

A inalterabilidade da declaração promissória nos casos de prestação feita por terceiro não pode ser vista no sentido “eu prometo que ela te paga”. Estas declarações devem ser tratadas com algum cuidado. Quando se diz “eu prometo que outra pessoa fará (z)” não se está realmente a prometer que alguém praticará um determinado ato porque não há auto-vinculação de ato de terceiro. Para além disso, não se está perante um caso de hétero-vinculação porque, à partida, não se encontra qualquer fundamento jurídico para que tal possa acontecer (a menos que

660No direito inglês, por força das teses dos “contratos pessoais” (personal contracts), não deixa de ser interessante verificar que certos fundamentos da operação de assignment – hic no sentido de transferência de liabilities – se aplicam aos casos de vicarious performance, sem prejuízo de serem situações juridicamente diferentes como bem demonstra o famoso caso Stewart v. Reavell’s Garage [1952] 2 QB 545. Neste caso, um Bentley de 1929 foi levado a uma oficina porque os seus travões falhavam. Os funcionários da oficina sugeriram que o serviço deveria ser prestado por uma pessoa por eles sub-contratada, sugestão essa que foi aceite pelo proprietário do automóvel. O serviço prestado não resolveu o problema, os travões voltaram a falhar e o dono do Bentley ficou gravemente ferido. Em pleito, a oficina tentou demonstrar que esta operação resultou numa transferência de responsabilidade dos funcionários da oficina para a pessoa sub- contratada. O tribunal entendeu que se tratava de um caso de prestação feita por terceiro, consentida pelo credor, e que não tinha como efeito a assunção de qualquer obrigação por parte do sub-contratado, pelo menos nas relações com o dono do automóvel.

o devedor pré-consinta). De qualquer forma, a formulação hétero-vinculativa nunca poderia ser feita na primeira pessoa, mas sim (nesta situação concreta) na terceira. Adicionalmente, ainda se pode olhar para este tipo de declarações numa perspetiva garantística: “eu garanto que ela pagará” ou “eu garanto que a outra pessoa fará (z)”. O promitente não conseguirá assegurar que a outra pessoa executará a prestação debitória; quanto muito ele poderá apostar no resultado concreto – cumprimento ou não cumprimento. A existir promessa, ela não reside no cumprimento de terceiro do ato (por ele) prometido, mas na garantia de que, se o terceiro for inadimplente, o declarante-promitente se vincula a cumprir. Este é o clássico modelo da garantia pessoal. Finalmente, outra possibilidade interpretativa é a de considerar a frase “eu prometo que ela te paga” no sentido de “eu prometo que farei todos os possíveis para que ela te pague” – promessa que tem como objeto uma obrigação de meios661.

No documento OS LIMITES DA VINCULAÇÃO UNILATERAL (páginas 179-182)