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C ONDICIONALIDADE FORMATIVO ESTRUTURAL ; DISCURSOS : MONÓLOGOS E DIÁLOGOS

No documento OS LIMITES DA VINCULAÇÃO UNILATERAL (páginas 125-134)

P ARA UMA TEORIA DA PROMESSA

2. D ECOMPOSIÇÃO E ANÁLISE

2.3. C ONDICIONALIDADE FORMATIVO ESTRUTURAL ; DISCURSOS : MONÓLOGOS E DIÁLOGOS

Como se observou, a panóplia de funções associadas à promessa ascendem- na a um patamar meta-negocial. Analisada sob a égide da perspetiva de civil law, ela encontra múltiplas ingerências na teoria geral do negócio jurídico, desde a declaração formativa até à estrutura negocial. É precisamente perante a comunicação entre estes dois pontos – da declaração ao negócio – que a condicionalidade estrutural da promessa se coloca.

Aquando da descrição das modalidades dos negócios jurídicos, a tradição romano-germânica retrata esta temática de forma simples e fleumática. O negócio diz-se unilateral quando apresenta apenas uma parte e bi- multi- ou plurilateral (contratos) quando tem duas ou mais partes489. A questão apenas se refere ao

processo formativo. O conceito de parte está associado à lateralidade e não à pessoalidade490. O critério distintivo é aferível em função da justaposição de

representação de interesses unitários491. Assim, a compra e venda, a prestação de

488 Farei uso em diante desta panóplia de significados (declaração promissória, negócio unilateral obrigacional, força ilocutória de prometer) no desenvolvimento das temáticas do presente Capítulo. Há, igualmente, outros sentidos “intermédios” a dar à promessa. Pense-se no caso dos contratos unilaterais obrigacionais, em particular, na “promessa unilateral” referida pelo artigo 411.º do CC. Aqui, a palavra promessa relembra vagamente o conceito de promise do contract

law. A lei portuguesa, para além de – erradamente – a confundir com o arquétipo do negócio unilateral obrigacional, faz referência ao conceito de promessa no quadro da sua função eficiente. 489 CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral, II, pp. 55 e ss.; OLIVEIRA ASCENSÃO, Teoria Geral, II, pp. 33 e ss.; MENEZES CORDEIRO, Tratado, II, pp. 90 e ss.; CABRALDE MONCADA, Lições, pp. 167-8; CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral, pp. 285 e ss.PAIS DE VASCONCELOS, Teoria

Geral, p. 439.

490Para desenvolvimentos sobre o conceito de “parte” na teoria do negócio jurídico,FERREIRA

DE ALMEIDA, Contratos II, pp. 33 e ss.

491 Este critério foi objeto de alguma discussão doutrinária no palco nacional. Para CARLOS MOTA PINTO, a distinção faz-se em função no número de declarações (Teoria Geral, p. 285). CABRAL

serviços, o mandato, a doação, o comodato, o depósito e o mútuo, entre muitos outros, são considerados contratos porquanto compreendem duas ou mais declarações negociais contrapostas, mas convergentes; já a renúncia, a proposta, a revogação, a ratificação, a denúncia, a procuração, a adesão, a promessa pública, são negócios unilaterais porque apenas comportam uma única declaração que pode ser multipessoal492. Este critério não justifica a opção por uma destas duas

estruturas, apenas delimita as posições negociais inter-subjetivas e o sentido das suas declarações, ou seja, é descritivo quanto à estrutura, mas não é explicativo quanto ao seu fundamento. A distinção genérica entre negócio unilateral e contrato é autónoma quanto às causas eficientes de cada um dos negócios em concreto. A declaração promissória é transversal a toda a quaestio da lateralidade: tanto a declaração negocial tendente à constituição da promessa unilateral como aquela que prescreve os efeitos obrigacionais de um contrato terão natureza promissória493.

Destarte, proponho efetuar uma análise formativo-estrutural destas modalidades de negócios jurídicos obrigacionais vocacionada apenas e só na perspetiva dos modelos discursivos enunciados pela declaração promissória e não

DE MONCADA entende que parte é a pessoa ou o conjunto de pessoas que representam um interesse equivalente no mesmo ato (Lições, pp. 167-8). Para OLIVEIRA ASCENSÃO, parte é

entendida como a “titularidade dos interesses que se actua, nos negócios” (Teoria Geral, II, p. 33). MENEZES CORDEIRO critica estas posições, optando por uma diferenciação categórica baseada nos efeitos negociais (Tratado, II, pp. 90-3). Numa posição intermédia encontra-se CARVALHO FERNANDES embora, subscrevendo parte da posição de MENEZES CORDEIRO, acaba

por se apoiar nas teses de CABRALDE MONCADA e OLIVEIRA ASCENSÃO (Teoria Geral, II, pp.

57-9).

492 Como escreve FERREIRADE ALMEIDA, “há só uma declaração negocial, se o declarante – autor da declaração – for uma só pessoa ou se a mesma declaração for imputável a mais do que uma pessoa, isto é, se uma pluralidade de pessoas disser o mesmo. Nunca há, para o mesmo negócio jurídico unilateral ou para a mesma parte num contrato, uma pluralidade de declarações (pode é haver mais do que um enunciado). Um ‘coro a uma só voz’ produz e emite, em conjunto, a mesma declaração, composta por elementos idênticos: as mesmas funções (incluindo a função comunicativa), as mesmas pessoas, o mesmo objeto, as mesmas circunstâncias” (Texto e

Enunciado, II, p. 845).

493 A aceitação da proposta, a adesão, ou outros atos unilaterais acessórios não terão, per se, natureza promissória, embora alguns dos seus efeitos incidam sobre a eficácia das declarações promissórias.

naqueloutra destrinça bem sedimentada na doutrina. Não tratarei (por agora) do fundamento da adoção por uma das modalidades; analisarei, do ponto de vista da declaração promissória, as duas possíveis formas de discurso negocial.

O modelo comum apresentado pelos filósofos da linguagem é aquele em que o promitente declara ao promissário que irá fazer (z): “eu prometo fazer (z)”. Para estes autores, esta declaração promissória é direta e não condiciona os seus efeitos a uma resposta por parte do promissário. Mas há outras formas juridicamente relevantes de desenhar o discurso: “podes construir-me esta casa?”, “gostava que praticasse o ato (z)”, “prometes-me (z)?”, “troco este terreno pelo seu automóvel, parece-lhe bem?”. Nestes casos, o sentido é reflexo daqueloutra declaração porquanto parte do potencial beneficiário (speaker) da promessa, sendo o hipotético promitente, o alocutário (hearer). Perante todas estas situações, os juristas de civil law têm de fazer uma elucubração adicional que é saber qual a estrutura dialogante subjacente ao negócio previsto pelo promitente494. Se assumir

a forma de uma promessa unilateral – independentemente da sua admissibilidade perante artigos como o 457.º do CC – não requer, segundo a doutrina dominante, qualquer ato por parte do promissário para constituição do negócio. Se, por outra banda, o ordenamento jurídico (ou decorrer da intenção do promitente caso haja possibilidade de escolha) indicar que os efeitos obrigacionais decorrentes de uma declaração promissória só se verificam após aceitação da promessa por parte do promissário, então está-se perante uma situação plurilateral. Por este motivo é que, de um ponto de vista puramente formativo-discursivo, denomino o primeiro caso de monólogo e o segundo caso de diálogo. O caráter monologal ou dialogante apenas releva para efeitos constitutivos da obrigação promissória. No caso de

494 Este problema não se coloca perante os common lawyers que apenas terão de encontrar a

consideration na declaração promissória. Genericamente, a acceptance é fundamental para que a promessa produza efeitos a não ser que se trate de uma promessa feita under seal (deeds) caso em que a publicidade e o formalismo são bastantes para justificar a eficácia da promessa – a

consideration é presumida [GORDLEY, The Enforceability of Promises, p. 55; AAVV,

Fundamentals of American Law pp. 204 e ss.;HYLAND, Gifts, pp. 341 e ss.; casoTrustees of Jesse

monólogos diretos como na promessa pública e indiretos como no contrato a favor de terceiro, poderá existir um diálogo a jusante da constituição do vínculo quanto à adesão ou recusa da promessa.

Estas modalidades encontram acolhimento na doutrina da lateralidade do negócio jurídico não se confundindo com as diferentes direções comunicativas intersubjetivas. Assim, uma promessa pode ser “unilateral” – monologal – mesmo que o discurso tenha partido do lado do promissário: “prometes fazer (z)?”. A classificação do negócio jurídico é alheia a estes movimentos. O que releva é o número de declarações em função da sua unicidade orgânica. As consequências jurídicas atribuídas em concreto divergem consoante o negócio promissório previsto. Nas situações monologais, os negócios “completam-se, por definição, com a declaração que os consubstancie”495, ou seja, sem anuência do destinatário,

no caso de serem recetícias; nas dialogantes, é necessário o ato de aceitar a declaração promissória, elemento que espoleta a constituição do negócio projetado496.

É com este background que os filósofos e os juristas estabelecem a diferença entre promessas condicionais e promessas incondicionais497. Assumindo

que os demais requisitos de validade e eficácia estão verificados, uma promessa é incondicional quando a mera declaração promissória produz os efeitos obrigacionais pretendidos (formando a promessa unilateral); contrariamente, ela é condicional sempre que tais efeitos estejam previamente sujeitos a um ato por parte do beneficiário, nomeadamente, no caso da proposta, a aceitação (formando o contrato) 498. Tal divisão não se posiciona como prévia às questões validativas,

495 MENEZES CORDEIRO, Tratado, II, p. 92.

496 Quanto ao tema da formação de negócios plurilaterais analisarei sempre o modelo clássico “proposta-aceitação” para facilidade analítica.

497 BLACK, Agreements: A Philosophical and Legal Study, pp. 33 ss. PUFENDORF foi o primeiro autor a estabelecer a distinção entre promessas condicionais e incondicionais (cfr. Elementorum

Jurisprudentiae, I, xii, 1).

498 SHEINMAN, “Agreement as Joint Promise”, pp. 373 e ss. A título excursivo, faça-se notar neste contexto que o termo (in)condicional apenas se reporta à eficácia da declaração promissória (dp) e não à eventual suspensão ou cessação de efeitos no negócio promissório visado (P) – elemento

sendo exatamente sobre este dicroísmo que se coloca o problema da causa e

consideration. Por isso se fala em auto-suficiência da declaração negocial na prossecução da eficácia económico-social do negócio previsto.

Como referido, a dualidade não descreve todas as estruturas negociais que se encontram em jogo porque não olha para as declarações promissórias condicionais como constituindo, elas próprias, um negócio jurídico unilateral tal como sucede com o caso da proposta499. A proposta é tanto uma declaração

negocial como um negócio unilateral que produz efeitos potestativos no destinatário500. Não deixa de ser importante realçar que as promessas condicionais

representam quase a totalidade das relações obrigacionais fundadas na autonomia privada. As ofertas, propostas, e convites a contratar, se assumirem a função de promessa, são-lhes apostas – pelo ordenamento jurídico– uma condição de aceitabilidade que representa um entrave à vinculação unilateral.

acidental do texto negocial. Sobre o tema, HOGG, Promises and Contract Law, pp. 34-5; G. R.

GRICE, The Grounds of Moral Judgment, p. 56). Assim, quando se diz que (dp) é incondicional

não se deve deduzir que (P) também seja. Esta última só será se – e apenas se – a eficácia obrigacional de (P) estiver sujeita à verificação de um determinado facto, de acordo com a semântica textual de (dp): “eu pago-te (x) se fizeres (z)”. Independentemente da condicionalidade de (dp) que é resultado de uma análise sistémica, ela é eficaz contendo o seu texto a aposição de uma condição (cd) [“se fizeres (z)”]. Isto significa que a eficácia (e) da obrigação contida em (P) dependerá da verificação factual de (cdx):

(t1): (dp) ⊃(cdx);[(dp)(e)]∧[(P)(¬e)];

(t1,5): (cdx) verifica-se; logo,

(t2): [(P)(e)].

Contrariamente, para alguns autores como G. R. GRICE, a não verificação do evento futuro e

incerto tem como consequência a não existência de uma promessa. CARTER segue o mesmo

entendimento, propondo, contudo, algumas variações (cfr. CARTER, “Grice on Promising on

Condition”, pp. 31-2).

499 OLIVEIRA ASCENSÃO, Teoria Geral, II, pp. 43-50; FERREIRA DE ALMEIDA, escreve que a proposta tem “dúplice natureza jurídica, conforme o ponto de vista sob o qual se visualizam os seus efeitos: declaração negocial, cujo conteúdo proposicional se dissolve no texto contratual, sempre que uma outra declaração conforme (a aceitação) a venha completar no processo formativo; e negócio jurídico unilateral, independente quanto à sua eficácia jurídica, embora carecido de reacção de outrem para que tenha êxito o seu objectivo económico-social pleno” (Texto e Enunciado, II, pp. 789-90)

500 FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos I, p. 118. Na Alemanha também se encontram juristas que procuram identificar a posição do destinatário da proposta como uma expectativa jurídica ou direito de opção – cfr. WOLF,NEUER, Allgemeiner Teil, p. 420.

Desde os contributos dos voluntaristas, jusnaturalistas e contratualistas, GROTIUS, PUFENDORF e HOBBES, que os juristas e filósofos entendem que existe

uma forte ligação entre o ato de prometer e o ato de aceitar. No âmbito restrito da filosofia da linguagem, tal correlação é estabelecida na teoria dos atos de fala, nomeadamente na força da aceitação. Não há divergência em enquadrar a acceptio como ato performativo de força ilocutória. Alguns autores501 defendem a ideia de

que as promessas estão estruturadas para convencer ou, no mínimo, persuadir o promissário de que o promitente se quer auto-vincular à prática um ato futuro, considerando-se o ato de aceitação como o efeito perlocutório da promessa. Outros502 descartam qualquer eficácia perlocutória, sendo que apenas as ordens503

– e não as promessas – requerem um ato de aceitação por parte do destinatário504.

Na medida em que o efeito perlocutório (by saying) é habitualmente considerado como sendo puramente psicológico505, no caso da promessa versar sobre a busca

pelo ato de aceitar e não sobre a própria acceptio, conclui-se, em regra, que este ato jurídico não é elemento essencial da declaração promissória: apenas será se assim for indicado pelo promitente ou, no caso das promessas puramente jurídicas, exigido pelo próprio ordenamento jurídico. Esta exigência legal não afeta nem a validade nem a eficácia da declaração promissória506. Embora os seus efeitos

negociais intrínsecos – no caso da proposta, atribuição de um direito potestativo

501 HICKEY, “A Promise is a Promise”, p. 70. No mesmo sentido, H. P. GRICE, “Meaning”, pp. 377 e ss.

502 Por este motivo, a promessa distingue-se de declarações de intenção ou previsões enfáticas (SEARLE, Speech acts, p. 46).

503 A ordem é o reflexo da promessa porquanto atribui uma obrigação ao destinatário e não um direito de crédito. Parecido com a ordem, mas não se confundindo com esta por falta de natureza obrigacional encontram-se outros atos unilaterais como os conselhos e as recomendações. Os conselhos e as recomendações não geram, per si, obrigações jurídicas. Em bom rigor, a constituição da obrigação de indemnizar prevista no artigo 485.º/2 do CC não é intrínseca ao ato jurídico, mas é resultado de uma apreciação do ordenamento jurídico quanto aos efeitos negativos que esse ato pode ter na esfera do declaratário. É, pois, uma obrigação indireta.

504 Para apresentação de ambas as perspetivas, VAN EEMEREN, GROOTENDORST, Speech Acts, pp. 55 e ss.

505 Os efeitos perlocutórios podem assumir diversas formas: convencer, persuadir, desencaminhar, surpreender, etc. (AUSTIN, How to do things with words, p. 109).

no destinatário e auto-sujeição do declarante – se produzem segundo os critérios fixados pelo artigo 224.º do CC, já os efeitos negociais projetados – atribuição de um vinculo obrigacional estabelecido entre o promitente e o promissário – encontram-se previamente dependentes de aceitação por parte do destinatário.

Ao contrário da proposta, a aceitação é um ato jurídico performativo e reflexivo de natureza não-negocial507. É uma declaração elaborada na fase

formativa do negócio jurídico não fazendo parte do conteúdo do mesmo: é a forma de exercício do direito potestativo atribuído pela declaração promissória. A proposta não representa a causa finalis da inserção no texto negocial da função económico-social nem da função eficiente, mas sim o ato gerador dos efeitos previstos nessa mesma declaração. Por conseguinte, a acceptio nunca terá natureza promissória.

Contrariamente, os juristas de common law têm vindo a defender a ideia de que a acceptance pode, em certos casos, compreender uma declaração promissória508. Assim será nos bilateral contracts quando esta consagre uma counter-promise. Todas as promessas juridicamente exigíveis estão sujeitas a

consideration, seja ela qual for, que é externa ao promitente509. Na generalidade

dos casos, a consideration é baseada na ideia de reciprocidade, “something valid

in the eye of law510”. Esta reciprocidade – que não se confunde com a função

económico-social de troca – manifesta-se em elementos valorativos511 da

promessa, desde a troca à gratuitidade não-pura, mas tem inexoravelmente de partir do promissário512, nunca de terceiros. Na medida em que nestas modalidades

contratuais a acceptance tem natureza promissória, a consideration será sempre

507 Assim também, FERREIRADE ALMEIDA, Texto e Enunciado, II, p. 796. 508 STOLJAR, “Promise, Expectation and Agreement”, p. 206.

509 Sem prejuízo do facto de as promises sem consideration não serem juridicamente exigíveis, elas poderão produzir, ainda assim, efeitos jurídicos (para desenvolvimentos, TREITEL, The Law

of Contract, Cap. 3, §§076, 093, 111, 152). 510 Thomas v. Thomas (1842) 2 Q.B.851, p. 859. 511 TREITEL, The Law of Contract, Cap. 3, §§027 e ss.

512 Barber v. Fox (1682) 2Wms. Saund. 134 n.(e); Tweddle v. Atkinson (1861) 1 B. & S. 393, pp. 398-9.

algo mais do que simplesmente “eu aceito” 513. O problema reside na ausência da

natureza promissória na acceptance dos unilateral contracts, nos termos dos quais a teoria do contract law vê-se forçada a ficcionar atos de aceitação. Nestes casos, a consideration está no cumprimento do ato ou situação prevista pela promessa. A unilateralidade não se encontra associada à ideia de uma parte, mas sim à ideia de

uma só promessa. Por exemplo, a promessa de recompensa (promise of rewards) é um unilateral contract514. O caso mais famoso, datado dos finais do séc. XVI, e

commumente citado na doutrina e jurisprudências atuais, é aquele em que alguém prometeu, ad incertam personae, £100 a quem caminhasse a pé de Londres a York515. Este contrato é qualificado de unilateral porque a sua existência e eficácia

não dependem de uma contra-promessa do destinatário da oferta.

Como TREITEL516 chama a atenção, a ratio desta classificação traz consigo

dificuldades teóricas porque há contratos que, nascendo unilaterais tornam-se, no decorrer do cumprimento da promessa, bilaterais517. Assim, quando alguém

promete a outrem uma determinada quantia pecuniária em troca de um serviço – pintar uma casa –, se o promissário não emitir uma contra-promessa, e se nada fizer, não será responsável perante o promitente; todavia, o contrato diz-se unilateral. Se, por outro lado, o promissário começar o trabalho de pintura, considera-se que houve acceptance fundada numa implied promise, transformando-se o negócio em “contrato bilateral”, ficando ambas as partes

513 Williams v. Carwardine (1833) 5 C. & P. 566, 4 B. & Ad., 621. 514 Carlill v. Carbolic Smoke Ball Co. (1893) 1 Q. B. 256.

515 A derrota ortodrómica é muito significativa para a época em causa: 280,75km. O caso é Rogers

v. Snow (1573) Dalison 94.

516 TREITEL, The Law of Contract, Cap. 2, §051;

517 New Zealand Shipping Co. Ltd. v. A. M. Satterthwaite & Co. Ltd. [1974], mais conhecido como caso The Eurymedon (1975) A.C., pp. 154 e ss. Neste caso, pode ler-se a seguinte passagem: “a

bargain initially unilateral but capable of becoming mutual” (p. 475). O que estava em causa era

um implied contract decorrente da Hymalaia clause vigente num pré-existente contrato de transporte de mercadorias entre Liverpool, Grã-Bretanha e Wellington, Nova Zelândia. O Tribunal considerou que a regra segundo a qual uma obrigação contratual já existente e eficaz não pode servir de consideration a uma obrigação futura e autónoma contém exceções. Para desenvolvimentos sobre a Hymalaia clause, TREITEL, The Law of Contract, Cap. 14, §062 e ss.

vinculadas ao cumprimento promissório518. Ora, para um civil lawyer, esta questão

coloca-se na fase formativa do negócio, sendo apenas um problema de interpretação de comportamentos concludentes. A exigibilidade, por parte do ordenamento jurídico quanto à aceitação é a causa da descrição da lateralidade negocial519 e não o próprio ato de aceitar. Nos ordenamentos de common law, a

“ignorância sistémica” quanto à natureza e efeitos da proposta (offer) resultam naquela justificação classificativa. Para estes, a declaração promissória corresponde ontologicamente ao unilateral contract [(pd)⟺(P)], o que não sucede, como vimos, nos sistemas de civil law. E mais: nos ordenamentos de

common law, com exceção das deeds, a declaração promissória será sempre condicional de modo proporcionar a consideration necessária à sua exigibilidade jurídica, não podendo ser puramente gratuita. O fundamento da reciprocidade está na aposição dessa condição: “prometo pagar-te (z) se fizeres (x)”. A consideration, embora partindo do enunciado do promitente, jaz na aceitação do promissário. Neste sentido, assim que uma determinada oferta é classificada como sendo um contrato unilateral, ela poderá ser aceite através da performance da condição aposta520 ou pode ser revogada até ao momento da aceitação521, contando que este

ato não necessita de ser comunicado ao oferente para que seja eficaz522. Esta linha

dogmática é dominante, mas não é unanime na doutrina anglo-americana. Veja-se, por exemplo, a “recente” tese de TIERSMA quanto ao papel da promise, da offer e

da acceptance no âmbito dos unilateral contracts. Através de uma argumentação retirada (num primeiro momento) da teoria dos speech acts, curiosa e aparentemente livre de qualquer influência romano-germânica, o jurista pretende demonstrar que promise é, por definição, incondicional – aproxima-se do conceito

518 Assim também, caso The Unique Mariner (1979), no. 2 Lloyd’s Rep 37 (pp. 51-2).

519 Note-se que há casos em que é conferido pelo princípio da autonomia privada (liberdade de celebração) às próprias partes (ou parte), a possibilidade de livremente optar por uma das modalidades discursivas.

520 Harvela Investments Ltd v. Royal Trust Co. of Canada (C.I.) Ltd. (1986]) 1 AC 207. 521 TREITEL, The Law of Contract, Cap. 2, §052.

No documento OS LIMITES DA VINCULAÇÃO UNILATERAL (páginas 125-134)