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A TO PROMETIDO COMO ATO FUTURO E INCERTO

No documento OS LIMITES DA VINCULAÇÃO UNILATERAL (páginas 182-187)

P ARA UMA TEORIA DA PROMESSA

2. D ECOMPOSIÇÃO E ANÁLISE

2.6. O ATO PROMETIDO

2.6.4. A TO PROMETIDO COMO ATO FUTURO E INCERTO

A ocorrência ato prometido é um ato futuro e incerto tal como incerto é o cumprimento de uma obrigação promissória.

A característica da futuridade significa que não se podem prometer atos passados662. Tal conclusão aparentemente la paliciana contempla corolários

relevantes no que toca ao uso comum da ideia de promessa. Em pleito é habitual ouvir-se frases como “eu prometo que não o matei” ou “eu juro que fiz o pagamento a tempo e horas”. Tais declarações não são promessas porque falta-lhes o elemento objetivo – o ato prometido – e não têm natureza performativa – são

661 ANTUNES VARELA chega mesmo a utilizar a palavra “promessa” quando descreve situações de prestação de facto de terceiro, referindo que “a promessa de facto terceiro reconduz-se, por conseguinte, a uma verdadeira promessa de facto próprio: conseguir o obrigado a prestação do facto de terceiro (ANTUNES VARELA,Obrigações, I, p. 86). Este é um problema de obrigação de meios como bem indica o jurista, e que não se confunde com o cumprimento feito por terceiro. 662 A segunda condição de SEARLE indica que, ao expressar a promessa, o speaker prevê um ato futuro que será por si praticado (SEARLE, Speech Acts, pp. 57-8).

auto e hétero-constatativas – versando sobre realidades fáticas sujeitas ao nosso já conhecido teste (v/f). É ou não é verdade que o declarante matou? É ou não é verdade que o declarante efetuou o pagamento a tempo e horas? Estas declarações reconduzem-se a garantias (em sentido lato) sobre uma determinada realidade concreta, qualificadas como “verdade” ou “mentira”. Da mesma forma, e com duas pequenas exceções, as reps and warranties, cláusulas muito frequentes nos contratos comerciais, também não compreendem – por si só – declarações promissórias663. As reps são declarações de ciência, por conseguinte, hétero-

constatativas. Quanto às warranties é preciso distinguir se são garantias (assurances) de um facto passado ou futuro664. No primeiro caso, deverão ser

tratadas como reps. No segundo, torna-se necessário fazer uma outra distinção: se o seu objeto for a prática de um ato futuro por parte do declarante, então são verdadeiras promessas; mas se nelas não se prevê a prática de um ato próprio, mas a projeção da verificação de um determinado status quo, devem ser consideradas como meras apostas (predictions)665. As apostas poderão igualmente conter uma

promessa que se repercute, por exemplo, na obrigação – sob condição suspensiva – de pagamento de uma quantia caso o evento não se venha a verificar. E no âmbito

663 Nas famílias de common law também se estabelece uma diferença entre o conceito de condition e warranty: enquanto o primeiro é de tal forma vital que dá lugar à resolução, o segundo apenas provocará no declarante a obrigação de indemnizar a contraparte por prejuízos que a falsidade possa ter causado (COYLE, Bank Finance, p. 8; sobre a matéria da misrepresentation em geral, TREITEL, The Law of Contract, cap. 9; MCKENDRICK, Contract Law, I, cap. 17).

664 STOLJAR considera que o conceito de warranty abrangerá tanto factos passados, como presentes e futuros (“Promise, Expectation and Agreement”, p. 197). ATIYAH reforça a ideia de que este conceito compreende uma multiplicidade de significados jurídicos (Promises, Morals

and Law, p. 161); ver também, para uma perspetiva contrastante com o conceito de promessa, HOGG, Promises and Contract Law, p. 48-50.

665 Na tradição negocial romano-germânica este tipo de representações está, na maior parte das vezes, contido nos considerandos iniciais. Já nos ordenamentos de common law fazem parte do clausulado. A internacionalização das práticas contratuais ao nível do direito comercial tem vindo a evidenciar uma certa preferência pelas partes pelo segundo modelo. Resumidamente, estas cláusulas têm como objetivos, inter alia, (i) a extração de informação relevante para efeitos de motivos determinantes da vontade; (ii) a criação de justificação expressa quanto a certas questões contratuais – por exemplo, determinação do preço, identificação de deveres acessórios e prestação de garantias; (iii) facilitar meios de prova; e (iv) regular questões de responsabilidade obrigacional.

das reps e warranties meramente constatativas também se extrairá promessas de indemnização por danos causados como resultado da aferição negativa da veracidade concreta: “caso as declarações não correspondam à verdade material, prometo pagar (z)” (cláusula penal) ou simplesmente “...respondo pelos prejuízos causados”. Um caso ainda mais complexo resulta daquele em que se cria uma obrigação promissória na qual o ato prometido corresponde a uma declaração futura hétero-constatativa. Vejamos novamente a declaração “eu prometo que não o matei” e comparemo-la com esta “eu prometo que vou dizer a verdade: eu não o matei”. Sem prejuízo do que se dirá adiante quanto ao reforço de obrigações pré- existentes, enquanto que na primeira se afirma como verdadeiro um determinado

status quo, já na segunda o declarante se obriga – no futuro, que pode ser imediato666 – a dizer alguma coisa que seja, outrossim, verdadeira667. Só esta

segunda declaração – que, em bom rigor, compreende duas frases de efeitos distintos – consagra uma promessa pelo facto de existir um ato futuro a ser praticado pelo promitente: dizer a verdade.

No que diz respeito ao elemento incerteza, cumpre mencionar que o mesmo já foi tratado en passant aquando da análise ao problema da sinceridade, maxime no que toca à abordagem da quinta condição preparatória de SEARLE668. Como foi

aí referido, haverá sempre a possibilidade de o cumprimento da obrigação promissória nunca se verificar, seja por uma razão imputável ao promitente, seja por um motivo a este alheio. A incerteza quanto ao cumprimento do ato prometido

666 Na minha opinião, o presente é o futuro imediato. Contrariamente, HOGG entende que uma promessa não pode ser feita quando o ato prometido é imediato – ou concomitante – ao ato enunciativo (HOGG, Promises and Contract Law, pp. 22-3). Neste sentido, o elemento futuridade

provoca uma certa inquietação nas teorias contratuais baseadas na ideia da promessa que são típicas dos ordenamentos jurídicos de common law porque não resolvem o problema de saber onde está a promessa em contratos de troca, nos termos dos quais os efeitos pretendidos são instantâneos.

667 Assim também, embora com algumas nuances, STOLJAR, “Promise, Expectation and Agreement”, pp. 197 e ss.

não deve ser confundida com a incerteza quanto ao facto futuro e incerto que confere eficácia a uma obrigação promissória (condição suspensiva).

Esta característica está estritamente ligada ao tema do reforço obrigacional que é descrito como o problema da validade de promessas cujo ato prometido jaz, na esfera do promitente, como prestação debitória proveniente de outra fonte: a promessa de outra e sobre outra promessa. Nestes casos, há identidade de sujeitos, de objeto, de motivos, de circunstâncias e funções (identidade plena). Com exceção de algumas vozes minoritárias como é o caso de VON WRIGHT669, o

entendimento generalizado na filosofia é o de que o reforço de promessas – rectius: o reforço obrigacional por via de declarações promissórias – não constituem novas promessas, mas apenas repetição ou confirmação de uma obrigação; não têm, por isso, eficácia constitutiva. Para os juristas, o problema é paralelo: é o de saber qual o fundamento da obrigatoriedade da promessa de reforço. Em primeiro lugar, tudo dependerá da interpretação da declaração. Assumindo que a identidade plena se projeta no âmbito de interesses equivalentes, é preciso tomar em consideração a natureza do negócio e a sua relação com a obrigação pré-existente. À partida, não há qualquer justificação para se atribuir validade eficácia jurídicas às promessas de identidade plena. Seria manifestamente não-equitativo e juridicamente absurdo conceder a possibilidade de mesma regulação de interesses ser objeto de uma multiplicidade de vínculos obrigacionais, cada um fazendo emergir uma obrigação de indemnização autónoma. Porém, se a declaração promissória for dotada de autonomia e abstração através de incorporação num título de crédito como uma livrança, perdem-se alguns elementos da identidade plena – pelo menos, o motivo e a função – conferindo-se validade e eficácia ao reforço promissório.

No âmbito de reforço de deveres ex lege, as conclusões são idênticas com a pequena nota que não são rigorosamente reforços de promessas, mas promessas de prática de atos aos quais recai sobre o promitente um prévio dever de conduta. Nas relações jurídico-sociais encontram-se alguns casos desta espécie que representam

apenas um simples formalismo que relembra os antigos conceitos de honra e valor

da palavra dada no quadro da ideia de promessa. Uma testemunha dirá “prometo

dizer a verdade”; o Presidente da República, “prometo que cumprirei os meus deveres constitucionais”; uma pré-declaração670 anti-plágio terá o seguinte

enunciado “prometo que tudo o que escreverei é da minha inteira autoria com exceção de alguns aspetos que serão devidamente assinalados”. Ora, tanto o dever de dizer a verdade em pleito, o dever de cumprir os comandos constitucionais e o dever de não plagiar são deveres jurídicos anteriores e autónomos face às declarações aparentemente promissórias. Tais declarações não fazem emergir uma

nova promessa com conteúdo idêntico àquele que foi estabelecido pelo dever legal nem tão-pouco afetam esse dever de alguma forma671.

Finalmente, é preciso mencionar que uma promessa de uma promessa (ou uma promessa sobre uma promessa) não deve ser confundida com uma promessa de cumprir uma promessa (ou uma promessa de cumprir uma obrigação pré- existente). Na minha opinião, há uma pequena, porém muito interessante diferença. A primeira situação – promessa de uma promessa – é uma mera repetição de um enunciado negocial promissório já eficaz no qual se verifica identidade plena que se evidencia também na identidade do ato prometido:

(t1): “prometo pagar-te (z1)”

(t2): “não te preocupes, eu pago-te (z2);

sendo que (z1)⇔(z2).

Na promessa de cumprir uma obrigação pré-existente, o ato prometido (z2)

não corresponde ao ato de pagamento (z1), mas ao cumprimento de tal obrigação.

O cumprimento como objeto do ato promissório é um ponto delicado que será

670 Só as pré-declarações anti-plágio tem uma estrutura aparente de promessas porque se reportam à prática de um ato futuro. Porque são feitas como representação de factos passados, as típicas declarações anti-plágio (apenas) têm natureza auto e hétero-constatativa.

671 Note-se que esta conclusão apenas se aplica no sistema jurídico. Do ponto de vista moral, há lugar a uma emergência obrigacional porquanto os deveres que derivam diretamente da lei, na medida em que têm subjacente fundamentos dogmáticos específicos numa linguagem que lhe é característica, são intangíveis noutras ordens.

adiante tratado adequadamente aquando da análise à figura da promessa de cumprimento672. Aqui, ao contrário do primeiro caso, não há correspondência entre

os atos prometidos:

(t1): “prometo pagar-te (z1)”

(t2): “não te preocupes, eu prometo cumprir o prometido;

então, (z1)⇎(z2).

No documento OS LIMITES DA VINCULAÇÃO UNILATERAL (páginas 182-187)