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B ENEFICIÁRIO E PROMISSÁRIO ; A PROPÓSITO , O CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO

No documento OS LIMITES DA VINCULAÇÃO UNILATERAL (páginas 141-152)

P ARA UMA TEORIA DA PROMESSA

2. D ECOMPOSIÇÃO E ANÁLISE

2.4. E XPRESSIVIDADE , IMPLICITUDE E NEGATIVIDADE APARENTE

2.5.3. B ENEFICIÁRIO E PROMISSÁRIO ; A PROPÓSITO , O CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO

As definições do conceito de promessa que foram apresentadas como ponto de partida evidenciam o so-called “two-party affair” entre promitente (der

542 O CC compreende esta aceção do conceito de promitente enquadrando-o no sentido amplo de promessa (P). Neste sentido, encontra-se referências ao conceito em situações de discursos monologais (promessa pública – artigo 459.º/2); em casos de discursos dialogantes (contrato- promessa – artigos 410.º e ss. e 830.º/4; promessa de casamento – 1592.º/1) e em casos híbridos, (contrato a favor de terceiro – 443.º/1).

Versprechender) e promissário (der Versprechensempfänger), sendo este último, segundo de FERREIRA DE ALMEIDA, aquele sobre quem recai o ato – “favorável”,

ou “benéfico” – prometido por aqueloutro543. Nos direitos de common law também

se usa as expressões promisor e promisee com significado equivalente. Mas da alusão ao benefício surge igualmente o conceito de beneficiário (beneficiary) da promessa. É muito comum utilizar-se este termo como sinónimo de promissário e, em termos gerais, esta equivalência subjetiva está correta. Terminologicamente, enquanto que a ideia de beneficiário recai sobre os efeitos da promessa (atribuição de um direito de crédito), e bem assim sobre um dos elementos objetivos do seu conceito – o ato (prometido) favorável (a outrem) –, já o promissário se relaciona com a incidência subjetiva da própria promessa – aquele sobre quem a promessa é feita544. Contudo, nos ordenamentos jurídicos contemporâneos, a propósito do

contrato a favor de terceiro (stipulatio alteri ou ius quaesitum tertio), é percetível uma desmultiplicação de identidades subjetivas do lado da situação ativa aparentemente unitária. Com efeito, entre nós, e na esteira da maioria dos ordenamentos jurídicos europeus continentais e anglo-saxónicos, o regime da

stipulatio alteri vigente nos artigos 443.º e ss. do CC parece promover uma diferenciação conceitual entre as figuras de promissário e beneficiário545. Neste

sentido, torna-se necessário e útil ao tema que me ocupa, perceber o significado e a relevância (se é que realmente há) desta clivagem perante o conceito jurídico- filosófico de promessa; por conseguinte, não é meu objetivo discorrer sobre o regime jurídico e todas as particularidades desta estrutura contratual.

Antes de mais, uma prévia distinção. Atente-se nestas duas declarações promissórias:

543 Cfr., supra II, 2.1.; FERREIRA DE ALMEIDA, Texto e Enunciado, I, p. 464.

544É habitual na terminologia jurídica a utilização dos sufixos “-ente” (ou “-ante”) e “-or”, por um lado, e “-ário”, por outro, para indicar, respetivamente, aquele que pratica o ato e/ou negócio jurídico e aquele sobre quem esse ato e/ou negócio é praticado – atente-se nos binómios

locador/locatário, mandante/mandatário, mutuante/mutuário, depositante/depositário,

doador/donatário, comodante/comodatário, etc.

545 O artigo 443.º/1, in fine, do CC indica que o promissário é o “contraente a quem a promessa é feita”; já o artigo 447.º do CC adjetiva o terceiro de beneficiário da promessa.

(α): (A), perante (B), diz: “Prometo pagar €100 a (C)”

(ß): (A), perante (B), diz: “Prometo-te que vou pagar €100 a (C)”

No caso (α), a promessa é única e é feita de (A), promitente, para (c),

promissário (e beneficiário); (B) apenas é uma testemunha – pode ser um notário,

ou até uma divindade, nos casos de oaths (promessas ou juramentos feitos entre indivíduos onde a divindade é chamada a testemunhar sobre a sinceridade da declaração). Este não é verdadeiramente um problema plurisubjetivo, mas uma questão de eficácia da declaração promissória546. Já no caso (ß) tal problema

encontra-se evidenciado, no seu enunciado, através do recurso ao pronome oblíquo átono reflexivo “-te”. A declaração promissória expressamente indica (B) como

“promissário” – aquele a quem a promessa é feita – e (C) como “beneficiário” –

aquele que recebe o benefício (hic: o direito a receber €100). Este é o clássico exemplo de stipulatio alteri, nos termos da qual se coloca a questão de saber quantas promessas existem e quais os seus intervenientes.

O contrato a favor de terceiro não é um negócio típico. É um modelo negocial baseado numa estrutura subjetiva tripartida547. A noção de ANTUNES

VARELA é bem sintomática: “o contrato a favor de terceiro é o contrato em que um

dos contraentes (promitente) atribui, por conta e à ordem do outro (promissário), uma vantagem a um terceiro (beneficiário), estranho à relação contratual”548. A

atribuição patrimonial não tem, todavia, de ter necessariamente natureza creditícia: pode consistir na atribuição de um direito real (por exemplo, a hipoteca a favor de terceiro) ou até mesmo, no caso do direito português, se podem remitir dívidas ou ceder créditos (artigo 443.º/2 do CC) através dessa estrutura549. Por isso, o termo

546 (C) pode nunca chegar a ter conhecimento desta declaração; ou, inversamente, esta pode já lhe ter sido comunicada.

547 STÜRNER,MEDICUS, inPRÜTTING et al., BGB Kommentar, p. 664.

548 ANTUNES VARELA,Obrigações, I, p. 410. Curiosa é também a definição de LIMA REGO: “o contrato a favor de terceiro é um contrato em que as partes estipulam um efeito jurídico positivo de terceiro” (Contrato de seguro e terceiros, p. 493).

549 Para uma análise dos contratos a favor de terceiro falsos ou impróprios, LEITE DE CAMPOS,

Contrato a Favor de Terceiro, pp. 51 e ss.;MENEZES LEITÃO, Obrigações, I, p. 262. Cfr. VAZ

promessa, que envolve a ideia de vinculação (do promitente) à pratica de um ato futuro e incerto, não é o mais escorreito550. Para além desse facto, é preciso

salientar que as referências a estas identidades são redutoras das comuns situações jurídicas manifestadas no contrato a favor de terceiro de eficácia obrigacional porquanto o “promissário” também pode ser – e muitas vezes é – “promitente” (por exemplo, é devedor de um prémio de seguro) e, reflexamente, o “promitente” se encontra na posição de promissário/beneficiário dessa dívida.

Segundo a doutrina dominante, a “lógica geométrica”551 do contrato a favor

de terceiro apresenta três relações jurídicas552. Em primeiro lugar, a relação de cobertura (de provisão, de garantia ou básica), estabelecida entre o promitente e o “promissário” (Pt)↔(Pa). É neste acordo que jaz o enunciado da promessa, a

stipulatio alteri em sentido próprio, e que pode ser apenas uma cláusula acessória do negócio (estipulação ou cláusula a favor de terceiro). Para além disso, é na relação de provisão que se indicam todos os direitos e deveres entre o promitente e o “promissário” que servem de meios de defesa do promitente face ao terceiro (artigo 449.º do CC), sendo este determinado ab initio553. Em segundo lugar, a relação de valuta ou relação subjacente (Valutaverhältnis ou

Zuwendungsverhältnis). Esta relação liga o “promissário” ao terceiro beneficiário

– (Pa)↔(Be). É a justificação dos efeitos externos554. A sua função económico-

promessa de exoneração de dívida a favor de terceiro, por todos, LIMA REGO, “A promessa de

exoneração de dívida a terceiro”, pp. 681 e ss. Para uma nota de direito comparado, VERHAGEN,

in AAVv, Contracts for a Third-Party Beneficiary, pp. 153-5.

550 Assim também, FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos II, p. 44. 551 MENEZES CORDEIRO, Tratado, VII, p. 554.

552 MENEZES LEITÃO, Obrigações, I, pp. 258-9; ALMEIDA COSTA, Obrigações, pp. 353-4; MENEZES CORDEIRO, Tratado, VII, pp. 572-3; GOTTWALD, Münchener Kommentar, II,

comentário ao §328; STÜRNER,MEDICUS, inPRÜTTING et al., BGB Kommentar, pp. 664 e ss. FERREIRA DE ALMEIDA apresenta outras três denominações para estas relações, que, segundo o

autor, por razão “de amplitude legal e prática”, colocam o foque no próprio contrato a favor de terceiro: (i) relação contratual ou externa; (ii) relação subjacente ou interna e (iii) relação de atribuição (Contratos II, p. 46.)

553 O artigo 445.º do CC contempla um regime especial para as situações em que o terceiro é um conjunto indeterminado de pessoas jurídicas.

554 VERHAGEN, in AAVv, Contracts for a Third-Party Beneficiary, p. 155; para desenvolvimentos, WALL, Das Valutaverhältnis des Vertrags zugunsten Dritter, pp. 3-13.

social coincidirá ou não com a do contrato a favor de terceiro555, mas justificará o

interesse negocial de (Pa) na relação de cobertura. A relação subjacente não é elemento caracterizador da figura do contrato a favor de terceiro: ela é inexistente quando o terceiro é indeterminado (artigo 445.º do CC). Pode basear-se numa situação jurídica pré-existente, ou a existir, ou mesmo assumir outra natureza que não negocial (por ex.: se decorrer de uma obrigação de indemnização por via da responsabilidade aquiliana). Para além disso, quando o beneficiário for designado, não é exigível que este dê o seu consentimento quanto à possibilidade de lhe ser atribuído um direito e a relação pode ser geneticamente unilateral como sucede nos casos de atribuição de uma pura liberalidade por parte de (Pa) a (Be) que não tem sequer de ter cognoscibilidade do ato para que este produza efeitos jurídicos. Em qualquer dos casos, esta deverá ser entendida como uma atribuição

patrimonial indireta a (Be)556. Finalmente, a relação de execução, fixada entre o

promitente e o terceiro – (Pt)↔(Be) – nos termos da qual se encontra estabelecido o (efetivo) vínculo obrigacional de formação unilateral.

O contrato a favor de terceiro – cuja sua admissibilidade, ao longo da História, foi vista muitas vezes com alguma cautela557 – é um clássico exemplo da

555 FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos II, p. 46.

556 LEITE DE CAMPOS, Contrato a Favor de Terceiro, pp. 169-70. Acompanhando, MENEZES LEITÃO, Obrigações, I, p. 258. Na jurisprudência, TRC, proc. n.º 339/2001.C1, de 19-12-2006

(TELES PEREIRA).

557 Os resquícios históricos do contrato a favor de terceiro remontam à nossa já conhecida

stipulatio do ius romanum (cfr., supra, I, 2.4). Na fase clássica do direito romano era totalmente inadmissível a estipulação a favor de terceiro, independentemente do interesse do estipulante, tal como fixava a máxima “alteri stipulari dari nemo potest”, a não ser que a estipulação fosse feita, respetivamente, pelo filho ou escravo, ao pai ou mestre. A regra estava formulada no sentido de atribuir ineficácia processual à estipulação a favor de terceiro e isso começou a gerar alguns problemas processuais (cfr. HALLEBECK, in AAVV, Contracts for a Third-Party Beneficiary, pp. 10-1). Ao longo das diversas fases do direito romano, os juristas começaram a criticar esta solução e a abrir espaço para a admissibilidade de estipulações a favor de terceiro quando houvesse interesse do estipulante na prestação feita a terceiro (vide GAIUS em 3.103; I. 3.19.20 e ULPIANUS

– D. 45.1.38.21). A discussão seguidamente ampliou-se para o mandato a favor de terceiro (mandatum alteri) prosseguindo para o período intermédio. Os juristas do reino de Castela e os canonistas do direito medieval não viam propriamente um problema em se estipular a favor de terceiro. Como já foi referido, os juristas do período intermédio estavam preocupados com a validade jurídica de promessas unilaterais “vestidas” ou “nuas” e, por isso, a estipulação a favor de terceiro era um verdadeiro golden theme porque se tornava necessário perceber se a vinculação

exceção ao princípio da relatividade dos contratos, nos termos do artigo 406.º/2 do CC558. No direito português, o terceiro beneficiário nunca chega a ser “parte” do

acordo nem tão-pouco tem de aceitar a promessa559. Se o faz, o contrato

automaticamente se torna tripartido e desaplicando-se o regime jurídico dos artigos 443.º e ss. do CC. O conceito de beneficiário não está propriamente relacionado

seria possível quando a pessoa estava ausente (cfr. HALLEBECK, in AAVV, Contracts for a Third-

Party Beneficiary, pp. 21 e ss.) A ideia de que a estipulação a favor de terceiro deveria ser admissível foi reforçada especialmente pelos canonistas que atribuíam uma importância divina à palavra dada. O terceiro beneficiário destas promessas, segundo os canonistas, podia exigir o cumprimento da prestação com base na denunciatio evangelica (cfr. DE BUTRIO, Ad proeminum

69, Super librum). No direito do Reino de Castilla-León a ley “Paresciendo” do Ordenamiento

de Alcalá (1348), continha uma regra bastante ampla que indicava que alguém que pretenda vincular-se através de uma promessa unilateral ou um contrato, era obrigado a cumprir o prometido – isto era interpretado pela doutrina no sentido de permitir a stipulatio alteri ainda que não houvesse interesse por parte do estipulante (HOGG, Promises and Contract Law, p. 294). GROTIUS e a última fronteira do jusnaturalismo voltaram a pegar no assunto no séc. XVII

permitindo a estipulação a favor de terceiro com a pequena nuance de que o terceiro teria de aceitar a promessa (GROTIUS, De iure belli ac pacis, II. xi. 18.). Foi este o legado que os juristas do direito moderno e da escolástica pandectística receberam aquando da sua reforma, cujo resultado influenciou a maioria dos ordenamentos jurídicos continentais europeus com exceção do direito holandês que recebeu, até aos dias de hoje, a tese de GROTIUS. O direito inglês, por seu turno, sempre foi muito reticente em aceitar a stipulatio alteri por dois motivos: (i) por desconhecimento sistémico e (ii) devido ao regime jurídico da agency. Na era da dogmatização da Contract Law (séc. XIX), os antigos textos medievais vieram emergir – e de bom grado para a doutrina inglesa – a privity rule – inserida no ordenamento jurídico através do famoso caso

Tweddle v. Atkinson [1861] EWHC QB J57; 1 B. & S. 393 – e que nada mais é do que o equivalente ao direito inglês do princípio da relatividade dos contratos. A privity rule foi sujeita a muitas reconstruções doutrinais e pretorianas ao longo das décadas e a sua interpretação mais rígida caiu com a adoção do English Contracts (Rights of Third Parties Act), em 1999, após ter sido emitido, em 1996, o Report on Privity of Contract: Contracts for the Benefit of Third Parties (TREITEL, The Law of Contract, cap. 14, §§002). No resto dos ordenamentos jurídicos de common

law, a admissibilidade da stipulatio alteri fez-se de forma mais pacífica e anterior – face ao direito inglês. Por exemplo, no direito norte-americano previu-se tal regra no caso Lawrence v. Fox, 20 NY 268(1859) – para desenvolvimentos, cfr. CORBIN, On Contracts, §§772-8. Para um resumo

da adoção do contrato a favor de terceiro noutros ordenamentos jurídicos de common law, HOGG,

Promises and Contract Law, pp. 297-301.

558 O direito italiano consagra uma norma equivalente no artigo 1372 do codice. Sobre o princípio da relatividade dos contratos, por todos, LIMA REGO, Contrato de seguro e terceiros, pp. 474 e

ss.

559 Assim também se passa noutros ordenamentos jurídicos de civil law tais como o direito alemão, francês e italiano. De igual forma, desde o Contracts (Rights of Third Parties Act) 1999, que o direito inglês prevê que o terceiro nunca é parte do acordo feito entre o promisor e o stipulator [cfr. subsecção 1(5) da referida lei]. Inversamente, no direito holandês, e porque acolhe a doutrina da aceitação, o artigo 6:254 do BW prevê expressamente que o terceiro, após aceitar a promessa, torna-se “parte” do acordo, ao qual se aplicarão as regras previstas no artigo 6:279 do BW relativas aos contratos multilaterais.

com o interesse do credor da prestação (do terceiro), mas com a atribuição de uma vantagem patrimonial – constituição de um direito de crédito ou direito real – na sua esfera jurídica560. O “benefício” é meramente presuntivo, porquanto o terceiro

pode sempre recusar a “promessa”; se esta tiver caráter obrigacional, o seu vínculo ainda se encontra numa fase pré-consolidativa pois a aquisição do direito à prestação é, perante o direito português, automática e ipso iure561. Quanto à

estipulação a favor de terceiro em sentido próprio, o “promissário” tem de ter, sob pena de inadmissibilidade, um interesse digno de proteção legal (artigo 443.º/1 do CC) – que não se confunde com o interesse presente no artigo 398.º/2 do CC na medida em que o “promissário” não adquiriu, por força da promessa (stipulatio

alteri), uma vantagem patrimonial, proprio sensu: ele não é o efetivo credor ao recebimento da prestação, apenas tem – e quando tem – direito a exigir o seu cumprimento. Como bem refere FERREIRA DE ALMEIDA, o promissário “prescinde,

a favor do terceiro, do direito que, noutras circunstâncias, corresponderia à realização do seu próprio interesse”562. Tal interesse digno de proteção legal só

poderá ser concebido como alusão à função económico-social da promessa a favor de terceiro, interligando a cobertura à valuta.

Sem prejuízo de outras disposições contratuais que possam surgir na relação de provisão, promessa (a favor de terceiro), portanto, há apenas uma. O vínculo é estabelecido ipso iure entre o promitente e o beneficiário à custa do “promissário” que adquire o já mencionado direito a exigir o cumprimento da prestação por conta do terceiro – aqui, não há uma duplicidade de promessas, mas uma promessa bicéfala no que toca ao lado ativo, vigorando, todavia, um regime supletivo no que toca à aquisição deste direito. As partes podem acordar no sentido oposto (artigo 444.º/2 do CC); nestes casos, o promissário fica desprovido desse direito; apenas

560 Adiante, em II, 2.7.5, aprofundarei a questão do ato prometido como ato “benéfico”, onde, entre outros aspetos, abordarei a questão do interesse do credor.

561 O direito português acolheu a teoria do incremento (Anwachsungstheorie) ou receção automática – para uma perspetiva de direito comparado, cfr. VERHAGEN, in AAVV, Contracts for

a Third-Party Beneficiary, pp. 157-8).

lhe é concedido o direito à revogação antes da adesão563. O “promissário” e o

terceiro têm supletivamente solidariedade ativa, ex lege, perante o promitente. O fundamento da aquisição do direito à prestação não resulta do vínculo obrigacional (Pt)↔(Be) que tem natureza formativa unilateral; esse direito, a existir, justifica- se na qualidade que o “promissário” assume nesta estrutura tripartida. Porque a atribuição patrimonial é indireta, este sujeito da relação é visto como disponente, na medida em que concede o benefício a terceiro. O “promissário” dispõe do seu interesse de potencial credor em função do interesse do terceiro beneficiário de modo a que a atribuição patrimonial indireta seja eficaz por força da promessa emitida pelo promitente. A este facto não joga a relevância da função económico- social da relação de cobertura, pois por parte do “promissário” não tem necessariamente de corresponder uma contrapartida pecuniária ou de valor patrimonial no quadro da relação de cobertura. Em última instância, é possível conceber a coexistência de duas relações de liberalidade – a primeira, na atribuição indireta do benefício concedido a terceiro [liberalidade na disponibilidade de (Pa) perante (Be)]; a segunda, na própria relação de cobertura [liberalidade de (Pt) perante (Pa)].

Assim se consegue estabelecer uma melhor distinção entre dois casos aparentemente equivalentes. Imagine-se que (A) quer atribuir a prestação (z) a (C),

de forma unilateral, e vê-se restringido pelo princípio do contrato e pelas balizas traçadas pelo artigo 457.º do CC. De acordo com o iter que foi previamente delineado, (A) pode pedir (ou ordenar) a (B) que este atribua o direito de crédito

correspondente à prestação (z), à pessoa (C), não por conta e em nome daquele,

mas sob a forma de promessa unilateral de uma prestação, em troca de uma contrapartida qualquer – assumindo que esta relação é onerosa. Neste exemplo, o fim previsto por (A) verificou-se através da interposição da promessa unilateral

elaborada por (B). Agora pense-se numa situação equivalente, mas de forma

563 Se a promessa for feita no interesse do promitente e do “promissário”, a revogação terá de ser concedida por aquele – por exemplo, um seguro de vida (artigo 448.º/2 do CC).

inversa. Pretendendo prosseguir o mesmo fim visado no caso anterior, (A) promete,

perante (B) que irá realizar a prestação (z) a favor de a (C). Verifica-se, outrossim,

unilateralidade promissória e aparentemente o fim previsto também foi alcançado, alterando-se, no entanto, as posições jurídicas de (A), no sentido (Pa) para (Pt).

Ambas as situações parecem reconduzir-se à estrutura da stipulatio alteri. Contudo, só a primeira singrará e só esta é admissível perante o direito constituído porquanto na segunda não existe qualquer interesse digno de proteção de legal por parte de (B), falhando um pressuposto essencial para aplicação do regime vigente

nos artigos 443.º e ss. do CC. Não é ele que tem o interesse indireto de atribuição patrimonial a (C), mas sim (A), que, na presente situação, nunca poderá assumir a

qualidade de “promitente” nos termos específicos da noção de contrato a favor de terceiro. Por conseguinte, (B), que antes de se deparar com o princípio do contrato

e com o artigo 457.º do CC queria assumir a posição de promitente – emitindo uma promessa unilateral a favor de a (C) – encontra, no contrato a favor de terceiro,

uma forma lícita de contornar estas fronteiras à autonomia privada, alterando a sua pretensa posição de (Pt) para (Pa)564. Na verdade, e em face da stipulatio alteri,

ele nunca é um “promissário” na verdadeira aceção do termo tal como este se delimita no quadro teoria da promessa; ele é um “promitente de segundo grau”, um “promitente indireto” ou, como propõe FERREIRA DE ALMEIDA, um

“disponente”565.

Quando o contrato a favor de terceiro tem natureza promissória, a estipulação a favor de terceiro (em sentido próprio) tem uma estrutura formativo- discursiva de monólogo: é um negócio unilateral obrigacional embutido numa estrutura multilateral e dela funcionalmente dependente, verificando-se a eficácia externa da promessa unilateral dentro do regime interno do contrato. Destarte, não sendo um negócio “típico” representa um caso-exceção ao princípio geral vigente no artigo 457.º do CC. Mas o elemento unilateralidade perante o terceiro

564 Assim também, FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos II, pp. 50-1. 565 idem, p. 44.

beneficiário não se reconduz ao próprio acordo entre promitente e disponente566.

O caráter unilateral é gerado de forma unitária apenas pelo promitente no quadro desse acordo567. Por isso é que se verifica uma correspondência funcional e não,

como defende LEITE DE CAMPOS568, uma “concorrência funcional” de direitos de

crédito. A dualidade de situações jurídicas ativas e bem assim, o regime de oposição dos meios de defesa do promitente (artigo 449.º do CC) apenas são evidências da interligação entre as supra referidas relações. A funcionalidade está na conexão entre a relação de cobertura e a relação de execução – entre a causa da obrigação e a sua atribuição. O direito à exigibilidade da prestação por parte do disponente é uma consequência do seu interesse digno de proteção legal, elemento de admissibilidade desta estrutura tripartida.

Esta ideia de unilateralidade que ora proponho é difícil de conceber em alguns ordenamentos jurídicos fechados à ideia de auto-vinculação tais como o direito alemão que considera a relação de execução de natureza quase-contratual (vertragsänliche)569. Hoje em dia, no direito alemão, não é realmente certa qual a

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