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CAPÍTULO IV – O “CONDOMÍNIO PORTO RICO”

4.1 A Urbanização no Distrito Federal e o CPR

A insuficiência ou inadequação das políticas públicas de planejamento urbano, de gestão do patrimônio público imobiliário e de acomodação das populações no Distrito

Federal, notadamente das populações mais pobres, somadas a questões jurídicas, políticas, econômicas e sociais, constituem a raiz do surgimento do CPR. Sem acesso ao espaço urbano formal, somente restava a premência da ocupação informal como meio de atender às necessidades fisiológicas e psicológicas dos indivíduos, criando por seus próprios e limitados recursos alguma coisa que pudessem chamar de lar. Desses desavisos que estão praticamente em toda a história recente da Capital Federal sobejou uma comunidade de fato estabelecida no extremo limite sudoeste do Distrito Federal, já nas cercanias com o Estado de Goiás. (Ver adiante: Fig. 1.)

O que se denomina ―Condomínio Porto Rico‖ é um complexo estado de fatos e outras tantas intrincadas situações de direito, que se sobrepõem em determinada porção de terras da antiga Fazenda Santa Maria (atual Matrícula n.º 42.569, do 5.º Serviço do Registro de Imóveis do Distrito Federal – doc. Anexo II), dando lugar à cidade com o mesmo nome, no Distrito Federal (doc. Anexos XXX, XXXI, XXXII e XXXIII). Originariamente, o Registro Imobiliário antecedente (Matrícula 27.848/5.º RI/DF – doc. Anexo III) declarava tratar-se de uma área com estimados 130,8 alqueires84, o que corresponderia a 633,07,20 hectares, ou 6.330.720 metros quadrados. Aliás, a inexatidão entre o valor declarado pelo Registro de Imóveis e a área física efetivamente encontrada, e seus precisos limites, constituíam fatores de irregularidade fundiária, sanável pela proposta do Georreferenciamento instituído pela Lei n.º 10.267/2001. Por isso, nas providências para o acertamento fundiário do imóvel, foram feitas as medidas e definições poligonais pelo método da referida lei, cujos resultados foram inseridos no Registro Público Imobiliário ainda no bojo da antecedente Matrícula n.º 27.848, consoante Averbação n.º 15 (Av-15/27.848), em data de 24/02/2014. Dita matrícula foi encerrada logo em seguida, na mesma data de 24/02/2014, cedendo lugar ao descerramento da subsequente e atual Matrícula n.º 42.569, também de 24/02/2014. O trabalho de georreferenciamento revelou, contudo, que área efetiva do imóvel é de 704,52,47 hectares, ou 7.045.247 metros quadrados, ou 145,56295 alqueires geométricos.

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Enquanto medida agrária (MG, RJ e GO) um alqueire corresponde a 10.000 braças quadradas, ou a 4,84 hectares, ou simplesmente a 48.400 metros quadrados.

Fig. 1: Mapa temático do Distrito Federal e, nele, a RA XIII – Santa Maria-DF.

Fonte: TERRACAP

Situa-se o CPR na parte sudoeste da RA XIII – Santa Maria-DF, já bem próximo da divisa com o território do estado de Goiás. Conforme o mapa temático (Ver adiante: Fig. 2), percebe-se o efeito socioeconômico característico das zonas de exclusão, ao acomodar as populações mais pobres – que foram expulsas para essas regiões periféricas e distantes.

Fig. 2: Mapa temático da RA XIII - Santa Maria-DF e, nele, o CPR.

Fonte: TERRACAP

Pela análise da aerofotografia e mapa temático do CPR (Ver adiante: Fig. 3), surgem aspectos de compleição a denotar o acentuado adensamento populacional horizontal, a falta de integração das vias de circulação interna com o sistema viário formal do Distrito Federal como um todo – e, assim, o comprometimento da mobilidade urbana para o lugar –, a

ausência de espaços remanescentes para a implantação de serviços públicos de saúde, educação e lazer, a supressão da cobertura vegetal nativa e o comprometimento de manancial hídrico.

Fig. 3: Aerofotografia e mapa temático do CPR.

A parcela do imóvel que é ocupada por parte da cidade de Santa Maria-DF, bem como aquela correspondente ao CPR, não foram parceladas por meio de loteamento formal e, embora estejam incluídas dentro do polígono da expansão urbana definido pela LCD n.º 735/2008, com a modificação que lhe foi feita pela LCD n.º 803/2009, e, embora sejam passíveis de urbanização, juridicamente ainda se mantêm como terras rurais, ao menos enquanto não sejam consumados os procedimentos de regularização fundiária urbana assim definida no conceito que lhe foi dado pelo art. 46 da LF n.º 11.977/2009.

Sua localização é dada pelas coordenadas georreferenciadas e públicas constantes do termo de abertura da atual Matrícula n.º 42.569 do 5.º RI/DF, tornando assim certas a respectiva configuração geométrica, suas divisas e linhas poligonais, localização e área, com elevada precisão e confiabilidade cartográfica, circunstâncias que viabilizam o aproveitamento racional do terreno e asseguram os elementos de identificação para efeito da proteção jurídica à propriedade certa e definida.

O CPR teve início no ano de 2003, por meio de simples ocupação de fato. Atualmente, tem população estimada em pouco mais de 15 mil habitantes.

Conforme R-1/42569, do 5.º RI/DF, as terras em que está assentado o CPR estão atualmente registradas em nome de 379 (trezentos e setenta e nove) herdeiros, cessionários e credores dos espólios de Anastácio, Agostinho, Alexandre e João Pereira Braga, encerrando um imbróglio fundiário que tem suas origens na segunda metade do século XIX. Com o inventário, e pelas despesas do patrocínio, a verba honorária correspondente foi ajustada, homologada e comutada em percentual correspondente a determinadas frações do imóvel, para pagamento dos respectivos advogados. Quanto ao remanescente, este foi partilhado aos herdeiros e um cessionário, sendo que a maior cota ideal de herdeiro é de 3,125%, enquanto a menor cota ideal da partilha ficou em 0,0029%. Ao cessionário, por ter adquirido três cotas de herdeiros, coube a fração de 4,06%, conforme itens de partilha n.º 3 (―dos honorários advocatícios‖), n.ºs 3.4.1, 4.4.1.10.2 ao 4.4.1.10.8 e 4.5.5, respectivamente.

Ao longo do período o Distrito Federal expediu quatro decretos desapropriatórios, relativos a quatro áreas distintas, sendo duas para aproveitamento em favor da Companhia Imobiliária de Brasília – TERRACAP, uma para a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal – CAESB e outra para a Companhia Urbanizadora da Nova Capital – NOVACAP. Todavia, a Administração Pública ainda não concluiu os procedimentos das desapropriações decretadas há mais de uma década, mormente com o pagamento das correspondentes indenizações. Em relação a uma desapropriação em favor da TERRACAP,

defeitos jurídicos graves levaram-na à invalidação judicial, não obstante o pagamento já ter sido feito a quem não ostentava a qualidade de proprietário. Somente com o TAC 2010, relativo à composição preliminar para a regularização fundiária do CPR, foi possível restaurar, por mútuas concessões, o direito da TERRACAP à referida área mal desapropriada. Porém, ainda assim, tramitam na Justiça do Distrito Federal três processos em andamento, autuados sob os números 2003.01.1.086547-2, 2004.01.1.011147-8 e 2006.01.1.129613-785, para resolver essas desapropriações inconclusas.

Tenha-se em conta que os atuais proprietários-herdeiros, em autêntico regime de condomínio civil, se viram despojados da respectiva posse em face de ocupação parcial levada a cabo com a implantação do CPR; ou; ainda, noutra parcela, por obra da Administração Pública do Distrito Federal por ocasião da implantação da Cidade de Santa Maria-DF e pelas desapropriações inconclusas antes referidas. Nessa situação os ocupantes do CPR e de parte de Santa Maria também não podem contar sequer com a segurança jurídica formal propiciada pelas leis civis, já que não têm reconhecidos quaisquer direitos reais sobre os terrenos ocupados em detrimento daqueles herdeiros-proprietários.

O CPR foi constituído sem planejamento formal obediente às melhores técnicas de uso racional da superfície. Essa circunstância agora exige a reorganização e, eventualmente, até mesmo a redefinição dos traçados por critérios técnicos e sociais que permitam aproveitamento máximo do estado físico de suas construções e sistema viário, de modo a integrá-lo ao funcionamento orgânico da cidade e, assim, assegurar a todos o pleno desenvolvimento das funções sociais do meio urbano e o bem-estar de seus habitantes.

Ademais, sobrepaira situação de intensa degradação ambiental, não só pelas atividades antrópicas que levaram à supressão de vegetação nativa – inclusive em áreas de preservação permanente86 assim definida pelo Código Florestal na faixa de proteção do Ribeirão Santa Maria –, mas também pela existência de antiga jazida mineral para extração de areia e cascalho, para a construção civil.

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Certidões expedidas em 16/06/2014 pela Serventia do Juízo da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal informam que ditos processos ―[...] ainda encontra-se em trâmite, não tendo sido proferida sentença até a presente data‖ (doc. Anexo IV).

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Código Florestal (LF n.º 12.651/2012), art. 4o: ―Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

I - as faixas marginais de qualquer curso d‘água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:

Por fim, em face da indefinição fundiária, urbanística e ambiental, o Poder Público se viu diante de acentuadas restrições ou limitações para a implantação de edifícios de prestação de serviços públicos, tais como saúde, educação, segurança e lazer, já que não tinha dominialidade sobre terras que ainda são de propriedade particular, notadamente quanto à área ocupada pelo CPR – que não foi alvo de qualquer daquelas desapropriações –, tampouco é servida de algum planejamento e infraestruturas de serviços públicos. Logo, tem acentuadas limitações para a implantação de redes de serviços, já que não pode investir recursos públicos em terrenos do domínio particular.