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CAPÍTULO V – ESTADO E MEDIAÇÃO NO CPR

5.6 Síntese das Pesquisas

5.6.2 Entrevistas

5.6.2.4 Profissional do Registro de Imóveis

O acordo feito em face do conflito envolvendo o CPR reflete positivamente na solução de questões jurídicas que ainda estão a impedir a titulação de outra área ocupada por moradores da cidade de Santa Maria, também dentro do polígono da Fazenda Santa Maria. São questões que têm reflexos no campo do Registro de Imóveis, circunstância que torna oportuno o comentário do especialista em registros imobiliários. Para esse fim, foi entrevistado o presidente da Associação de Notários e Registradores do Distrito Federal – ANOREG-DF, Sr. Allan Nunes Guerra (doc. Anexo XXXV). Sobre a situação jurídico- registral, afirmou ele:

Conheço na medida da necessidade que tive em auxiliar com meu conhecimento na área notarial e de registro, com orientações para regularização da área.170

[...]

De acordo com o princípio da continuidade registral, era preciso registrar a transmissão da herança às centenas de herdeiros, para que eles pudessem transmitir propriedade sobre parte do imóvel a Terracap, Codhab e Distrito Federal, para que esses se tornassem proprietários das áreas e, então, adotasse as ações de regularização urbanística, ambiental e social, inclusive

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O questionário de entrevistas recebido por meio eletrônico não contém numeração sequencial, tornando necessária a leitura integral do documento que se acha incluído entre os anexos deste trabalho.

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do Condomínio Porto Rico, completando com a regularização fundiária (entrega de título de propriedade aos ocupantes).171

A participação dos registradores de imóveis nos processos de regularização fundiária urbana é valiosa, não se restringindo à atuação passiva de quem apenas prenota títulos e os examina para registrá-los em seguida, ou devolvê-los por fundamento legítimo. Ao episódio, o profissional especializado deu sua contribuição, dizendo:

Fui procurado, na Anoreg, por um dos advogados dos herdeiros da área maior onde estava implantado o ―Condomínio Porto Rico‖, que buscava orientações sobre a possibilidade de registro do formal de partilha no cartório imobiliário, em vista das dificuldades que estava tendo em cumprir as exigências cartorárias, e tendo presente o objetivo de dar andamento aos compromissos firmados no Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta firmado entre os representantes dos herdeiros, Distrito Federal, Codhab e Terracap, no final de 2010.172

Ademais, o profissional especializado tem a autoridade do ofício acerca dos fenômenos que precederam a questão sob tratamento, lançando luzes sobre suas causas, quando disse:

Tal como vários outros assentamentos no Distrito Federal, tenho que o Condomínio Porto Rico nasceu da negligência, ou mesmo estímulo, governamental à ocupação de áreas públicas ou particulares, sem maiores preocupações com a regularidade fundiária, urbanística e ambiental.173

Fornece também valioso diagnóstico de problemas jurídico-registrais que precediam a regularização fundiária, ou mesmo a solução dos interesses identificados com esse complexo conflito, os quais certamente não poderiam ser inseridos dentro dos limites objetivos e subjetivos de uma sentença, corroborando a percepção de que o método judicial para lidar com tais questões tem limites que neles não se pode inserir, sem drásticas reduções, a realidade social que se pretende pacificar. Sobre esse aspecto, disse o entrevistado:

Para a especialização objetiva, era necessária a adequada e correta individualização do terreno, com a adoção, principalmente, das medidas constantes do Provimento n.º 2, de 19-4-2010, da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, bem como das previstas na Lei n.º 6.015/1973, no tocante à retificação da área/matrícula, implicando na elaboração do georreferenciamento da gleba, obtenção de anuência dos confrontantes, cancelamento do cadastro de imóvel rural (CCIR) no INCRA, cadastramento do imóvel como urbano na Secretaria de Fazenda do Distrito Federal, cancelamento do cadastro (NIRF) do imóvel na Receita Federal,

171

Questionário de entrevista, item 13. 172

Questionário de entrevista, item 2. 173

bem como suscitação de dúvida registrária, em vista de impugnação por parte de um dos confrontantes, provocando a remessa do processo à Vara de Registros Públicos para julgamento.

Para a especialização subjetiva, era necessário promover a adequada identificação e qualificação dos herdeiros da gleba e dos seus cônjuges, ou seja, nome completo, nacionalidade, profissão, estado civil, regime de bens, número da cédula de identidade/órgão emissor/UF (ou filiação), número do CPF/MF e residência e domicílio.174

[...]

A situação de fato indicava a ocupação de partes da área pela Terracap, Codhab, Distrito Federal e posseiros. A situação de direito indicava a necessidade de registrar a partilha para conferir a propriedade a cada herdeiro. Assim, uns e outros viam prejudicadas suas pretensões à efetiva posse e propriedade plena. Os moradores do assentamento sem a propriedade plena e os proprietários de direito sem a posse direta. Eram 4 troncos sucessórios, contemplando mais de 370 herdeiros, de várias gerações, por ocasião da partilha (hoje a quantidade já é maior, em razão do falecimento de alguns desses herdeiros partilhantes).175

Não bastassem essas dificuldades de ordem prática, havia ainda o agravante da impossibilidade de fracionamento do terreno entre os herdeiros reconhecidos com o inventário:

Não havia possibilidade de divisão cômoda entre os herdeiros, vez que, com a sucessão, tornaram-se condôminos pró-indiviso. Não é imaginável determinar a localização da área de cada um no todo. Além disso, teria que ser equacionada a questão da ocupação de parte da área pela Terracap, Codhab, Distrito Federal.176

Por isso, diante de tantas questões jurídicas de difícil solução, indagado a respeito da viabilidade de uma solução judicial para o conflito, expressamente disse nela não acreditar. Confira-se:

Penso que seria possível, porém extremamente difícil obter resultados satisfatórios por meio de sentenças, em razão da quantidade de envolvidos e do seus mais diversos interesses e necessidades.177

[...] uma desapropriação, por exemplo, além de excessivamente onerosa ao Estado, talvez nunca chegasse a termo, tamanha a complexidade: citação de todos os herdeiros; julgamento de tantas contestação e recursos; possíveis impugnações de herdeiros; dificuldade (quase impossibilidade) de obter a especialização objetiva do imóvel; ausência de continuidade registral.178

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Questionário de entrevista, item 4. 175

Questionário de entrevista, item 9. 176

Questionário de entrevista, item 10. 177

Questionário de entrevista, item 7. 178

Ora, somente entre os 376 herdeiros e outros contemplados (Ver nota n.º 101), com visões de mundo distintas, já era difícil qualquer unidade de consenso. Essa dificuldade aumentava substancialmente quando os interesses desses sucessores entravam em confronto com os interesses de dezenas de milhares de moradores informais, não se olvidando que os interesses de herdeiros e de ocupantes deviam ainda entrar em harmonia com os interesses políticos do Estado-Administração. Some-se a tudo isso a enorme complexidade dos entraves legais concernentes à situação fundiária e seu entrelaçamento destoante com a ordem urbanística e a primazia da proteção ambiental. Logo, nessa complexidade de fatos e circunstâncias, o limitado método judicial de composição de conflitos não poderia mesmo oferecer resposta que contemplasse a todos os interesses em conflito e, ainda, outorgasse solução substancial aos dissensos entre partes e guarida aos interesses difusos. Com razão, pois, o entrevistado, ao não acreditar na possibilidade da solução advinda do método judicial clássico, reforçando, assim, a conclusão acadêmica aqui exposta.

A compreensão da dimensão da regularização fundiária urbana assim definida pelo artigo 46 da LF n.º 11.977/2009 precisa ser bem assimilada pelos registradores imobiliários e demais intérpretes autorizados do sistema jurídico, pois, conforme disse o entrevistado:

Na nossa área de atuação, costumamos tratar da regularização fundiária com a visão de regularidade do imóvel e regularidade da propriedade. Assim, a regularização fundiária nem sempre tem relação com a regularização urbanística e ambiental, como preceitua o conceito de regularização fundiária constante da Lei n.º 11.977/2009, no seu artigo 46.179

[...]

É da máxima importância a regularização fundiária para que prosperem a regularização urbanística, ambiental e social, visto que sem aquela, a grande dificuldade na obtenção destas, como ocorre no Porto Rico que, por mais que tenha obtido cuidados nessas questões, ainda não chegou ao estágio de pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana, especialmente quanto à titulação de propriedade em favor de seus ocupantes.180

A essa altura já é oportuna a opinião do entrevistado a respeito da opção pela mediação, em lugar do sentenciamento judicial:

O ajuste formalizado por meio do TAC, homologado em juízo e com força de título executivo foi a melhor opção, tanto para os ocupantes do Condomínio Porto Rico, quanto para as demais partes (públicas ou particulares). A área maior, onde se localiza o ―Condomínio‖, já está registrada em nome dos herdeiros e já é possível o cumprimento da sua obrigação assumida no TAC (diretamente ou por meio de empresa de

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Questionário de entrevista, item 5. 180

empreendimentos imobiliários que venha a adquirir a área livre de ocupação) de transmitir a gleba em que se assenta o condomínio ao Distrito Federal, para que esse prossiga na regularização, culminando com a outorga de título

de propriedade em nome dos moradores do assentamento.181

[...]

A grande quantidade de herdeiros (quase 400), as condições econômicas da maioria deles pessoas muito pobres), o fato de o quinhão recebido por meio da herança estar em condomínio pró-indiviso e não demonstrar-se, assim, adequado à exploração para a geração de renda; e o fato de haver assentamentos e outras ocupações na área, apontavam para um cenário em que os herdeiros disporiam de um patrimônio que não seria capaz de satisfazer suas necessidades. Já o Estado via prejudicado o seu objetivo de viabilizar sua política habitacional de interesse social, em função dos litígios instalados. Com o ajuste celebrado, os herdeiros obrigaram-se a transferir partes da área ao Estado, para que ele desse continuidade às suas ações de interesse público e o Estado, em contrapartida, obrigou-se a tornar a área restante própria para a implantação de empreendimentos imobiliários, valorizando-a.182

Sobre os ganhos reciprocamente auferidos pelas partes ou interessados, assim afirmou:

Diria que a mediação resultou em uma negociação do tipo ganha-ganha, equacionando as necessidades dos envolvidos e potencializando o proveito de cada um, com reflexo positivo exemplar na busca das funções sociais da propriedade urbana e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.183

Mesmo que somente tenha enaltecido os elevados ganhos que as partes e interessados obtiveram, não se mostram evidenciadas perdas significativas, circunstância que deixa concluir que a mediação somente trouxe vantagens, sem causar ônus de maior expressão. Certamente que um ou outro descontentamento episódico surge na vastidão do universo de pessoas, mas, no geral, não basta para infirmar o valor da composição do conflito e os benefícios que propicia à esmagadora maioria.