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CAPÍTULO V – ESTADO E MEDIAÇÃO NO CPR

5.3 Aspectos Centrais do TAC/2010 e da legislação na Composição de Interesses no

assentado o próprio equilíbrio constitucional-democrático.

No entanto, não sendo esse o objetivo deste trabalho reserva-se para outra empreitada, quiçá em razão de alguma contingência futura, a oportunidade para desenvolver a ideia desse sentenciamento radical.

5.3 Aspectos Centrais do TAC/2010 e da legislação na Composição de Interesses no CPR

Em 16/12/2010 as partes apresentaram o instrumento da composição voluntária, o TAC/2010.

Até aqui, insistiu-se com a tese de que não era possível, pelo método sentencial, alcançar disposições impositivas que pudessem refletir o equacionamento substancial tal como se obteve com o referido TAC/2010. Há pouco aventou-se, por dever, que, se a mediação falhasse, somente restaria vislumbrar solução incomum no radicalismo sentencial que importasse rompimento com o formalismo procedimental, para assim abrir a fórceps um espaço novo a um modelo de sentença de alcance até então incomum. Talvez esta não constitua a alternativa derradeira, mas seria a mais imediata depois do fracasso da mediação, ainda que de duvidosa receptividade no conservadorismo em que se encastelam as cúpulas de custódia do pensamento jurídico dominante, sem respostas às irredutíveis contingências das demandas intrépidas e irrecusáveis no dever estatal de prestar a jurisdição em nome da paz social, afastando assim o impasse epistêmico.

Felizmente a mediação oportunizada no episódio do CPR, mesmo com a pouca experiência e equívocos do pioneirismo do órgão judicial, ainda assim produziu os resultados que o desoneraram da radical sentença.

Seguem-se, então, os aspectos centrais da composição, agasalhados no respectivo TAC apresentado à homologação judicial em 16/12/2010:

a) Participaram do ajuste, pelo Estado, o Distrito Federal, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal – CODHAB e a Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal – TERRACAP; pelos proprietários-herdeiros, os espólios de Anastácio Pereira Braga, Agostinho Pereira Braga, Alexandre Pereira Braga e

João Pereira Braga, estes representados pela respectiva inventariante Leonídia Braga Meireles, assistida pelos advogados Maria das Graças Calazans, Marco Antônio Marques Atiê e Manoel Augusto Campelo Neto; e, como anuente, o espólio de Adorvenil Joaquim Alves, representado pela inventariante Carmelita Rodrigues Alves, assistida pelo advogado Marco Antônio Marques Atiê. A pluralidade dos firmatários do referido TAC ressoa na teoria da ação comunicativa habermasiana. Pela mediação foi possível a construção do objeto do entendimento coletivo e, no desdobramento finalístico, a pacificação do conflito.

Decerto que não se vê a presença do grupo dos ocupantes informais no termo do acordo, mesmo que estejam reunidos sob uma associação civil que os representa. No entanto, tal aspecto se liga a questões de conveniências e entendimentos referentes à liberdade dos que se ajustaram, mesmo sem a participação daquela associação. Trata-se de aspecto que não reforça a eficácia do ajuste, embora, particularmente, fosse desejável que ao menos a Associação fizesse parte dos compromissos coletivos – assinalando também os seus. Porém, quando o interesse da coletividade dos ocupantes informais se insere no âmbito da tutela estatal, a esta caberá outorgar-lhes os benefícios da moradia social na perspectiva da LF n.º 11.977/2009, notadamente no que tange à regularização por interesse social da ARIS do Setor Habitacional Ribeirão, criada pela LCD n.º 753/2008, dispondo o seu artigo 2.º:

O Setor Habitacional Ribeirão é composto pela Área de Regularização de Interesse Social – ARIS Ribeirão, ocupada pelo assentamento denominado Porto Rico, declarada Zona Especial de Interesse Social – ZEIS, cuja poligonal se encontra descrita no anexo II desta Lei Complementar, e pela área destinada à implantação de equipamentos urbanos e comunitários, aos espaços livres de uso público e a recolocação de famílias ocupantes de áreas de risco, preservação ambiental e que interfiram com o projeto de urbanismo.

§ 1.º A área do Setor Habitacional Ribeirão limita-se ao norte e a oeste com a cidade de Santa Maria, ao sul com a rodovia DF 290 e a leste com o ribeirão Santa Maria.

§ 2.º A área descrita no § 1º é integrante da Zona Urbana de Dinamização, sobreposta por Área Rural Remanescente, conforme estabelecido pela Lei Complementar n.º 17, de 28 de janeiro de 1997, que instituiu o Plano Diretor do Ordenamento Territorial PDOT do Distrito Federal.

Referida LCD já deu as balizas da regularização fundiária urbana do lugar, quando estabeleceu a densidade populacional máxima por hectare (§ 3.º), o percentual da área total destinada a equipamentos comunitários e coletivos (§ 4.º), a área mínima dos lotes residenciais unifamiliares (§ 5.º), usos permitidos (§ 6.º) e coeficiente de aproveitamento básico (§ 7.º).

Ademais, a titulação dos moradores constituirá procedimento inerente à regularização fundiária, visando cumprir o direito social e a propriedade urbana (art. 3.º). Previu a participação popular (§ 1.º) e elegeu o cônjuge virago para o efeito da titulação (§ 2.º).

A implantação da infra-estrutura básica caberá ao Poder Público, de modo a atender às exigências da LF n.º 6.766/1979, com a implantação de vias de circulação, escoamento de águas pluviais, rede de abastecimento de água potável, energia elétrica e solução para o esgotamento sanitário (art. 4.º). As áreas remanescentes não ocupadas serão aproveitadas nos objetivos da política habitacional do Distrito Federal, após o remanejamento das famílias ocupantes de áreas de risco (Parágrafo único).

Por fim, segundo a LC 753/2008, o projeto urbanístico do parcelamento observará as restrições fisicoambientais e adotará as medidas mitigadoras apontadas pelo estudo e licença ambiental (art. 5.º).

b) As diversas considerações expressamente assentadas no TAC/2010 revelam que por meio da composição, foram estabelecidas completas e amplas políticas públicas voltadas à construção e execução de medidas para o equacionamento dos problemas locais. As ações ajustadas se apoiam em princípios e premissas do direito social à moradia, no atendimento de medidas que assegurem a proteção ao direito de propriedade dos herdeiros, no cumprimento das exigências legais concernentes ao utópico desenvolvimento sustentável das funções da cidade e proteção ao meio ambiente local. Além disso, por meio do empenho coletivo na busca de solução conciliatória, visando à regularização fundiária do Condomínio Porto Rico, evitou-se o agravamento do conflito social ali existente entre moradores, proprietários e o Estado118, superando os entraves jurídicos, políticos e sociais do indesejável status quo.

c) Nos termos da cláusula primeira, o anuente outorgou condições a que a TERRACAP restabelecesse determinado registro imobiliário de certa área conexa obtida por desapropriação, registro este que lhe fora cancelado por decisão judicial passada nos autos da Ação Civil Pública autuada sob o n.º 2003.01.1.076708-5. Essa providência permitiu à TERRACAP recuperar o efeito declaratório e constitutivo do Registro Imobiliário cancelado, restabelecendo-o plenamente. Embora se referisse a uma área de terras reconhecida como alheia ao patrimônio dos herdeiros, nesse patrimônio tinha origem e assim integrava o polígono do Setor Habitacional Ribeirão. O ajuste desse aspecto correlato viabilizou a regularização da região como um todo e, mais precisamente, incluiu no processo aquela parte

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formal de Santa Maria que se mantém sem registro imobiliário, ao lado da comunidade do CPR.

d) O Estado, por meio da cláusula segunda, reconheceu o domínio privado da área sobre a qual está assentado o CPR, afastando embaraços que impediam a retificação do Registro Imobiliário assentado na matrícula n.º 27.848, de propriedade dos herdeiros. Essa foi a contrapartida pela outorga dada à TERRACAP, referida na alínea anterior.

e) Pela cláusula terceira, os herdeiros reconheceram a existência do assentamento irregular do CPR e se comprometeram a transferir o domínio da respectiva área à CODHAB, para efeito da execução da regularização urbana correspondente.

f) Conforme a cláusula quarta, alínea ―c‖, além de vincular essa transferência à execução de política pública de interesse social, o compromisso de transferência se dará de modo gracioso, sem qualquer custo para o Estado ou suas entidades descentralizadas.

g) Nos termos da cláusula quinta, os herdeiros se comprometeram a aceitar o projeto urbanístico de parcelamento elaborado pelo Estado em relação às áreas ainda desocupadas, as quais permanecerão sob o domínio particular dos proprietários-herdeiros, cumprindo ao Poder Público o ônus da obtenção das licenças ambientais necessárias, inclusive cumprir as condicionantes que se vislumbravam diante de extensão de terras degradadas, com 48 hectares.

h) Pelas cláusulas sexta e sétima, foram fixadas as obrigações comutativas formais e materiais que tocam à TERRACAP e à CODHAB.

Desse modo, porquanto a classe dos herdeiros cedeu gratuitamente parte de suas terras em favor do Estado, teve em contrapartida a essa cessão a agregação de valor às terras que remanesciam desocupadas, possibilitando-lhes ganhos compensatórios proporcionados pela potencialização de uso que o mercado imobiliário projeta na exploração econômica, segundo as diretrizes então fixadas pela LCD 753/2008 e seu detalhamento por meio das Diretrizes Urbanísticas consignadas no Projeto DIUR 01/2014, aprovado pela Portaria SEDHAB n.º 12/2014 (DODF de 17/03/2014).

As disposições, cláusulas, condições e fins consignados no TAC/2010 surgiram como a medida capaz de assegurar o equilíbrio da pacificação do conflito. Não poderiam, pois, ser consubstanciados por qualquer síntese sentencial, na medida em que abarcam aspectos de dispositividade, sendo que a esta somente as partes envolvidas têm acesso diante da liberdade geral de contratar. A comutatividade, isto é, as vantagens e sacrifícios recíprocos, dá o

necessário equilíbrio ao ajuste e assim as mútuas concessões dão à composição voluntária as guias internalizadas na psique, o que remete aos raciocínios de conveniências, aspectos que jamais são acessíveis ao Estado-jurisdição se acaso pretendesse, no mais absoluto solipsismo e onisciência, arrogar-se conhecedor da fixação da vontade das partes. Lado outro, dentro dos limites objetivos e subjetivos determinados pela lei processual (CPC, artigos 460 e 472) a sentença jamais poderia estabelecer disposições tão distantes do conteúdo da lide posta ao julgamento, eis que, basicamente, o interesse dos autores-herdeiros era o de tão somente obter tutela acerca do respectivo direito de propriedade, sem que nos limites da questão controvertida estivessem inseridas questões ligadas ao direito social à moradia, à proteção da ordem urbanística e do meio ambiente. Com efeito, a plasticidade do consenso é a que lhe confere maior legitimidade.