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CAPÍTULO V – ESTADO E MEDIAÇÃO NO CPR

5.6 Síntese das Pesquisas

5.6.2 Entrevistas

5.6.2.5 Representante dos ocupantes do CPR

O beneficiário também tem sua visão de mundo, convindo por isso tomar as considerações feitas pela Sra. Terezinha da Silva Rocha, Presidente da Associação de

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Questionário de entrevista, item 11. 182

Questionário de entrevista, item 14. 183

Moradores do CPR (doc. Anexo XXVIII) e residente no local desde o ano de 2000. Nessa condição e sobre as expectativas iniciais para a solução do conflito em proveito dos moradores do CPR, disse que não as tinha:

[...] no começo foi bem difícil pois por se tratar de uma área particular, tínhamos a certeza que ia ser condomínio fechado, onde nós moradores íamos ter que fazer toda parte de infraestrutura, só em 2003 foi que começou aparecer a possibilidade do governo entrar e tornar pública, foi quando surgiu os herdeiros de quilombolas reivindicando seus direitos pela terra, foi quando se deu início a uma grande briga judicial, os herdeiros com uma ação reivindicatória, nós moradores recorremos da ação, os parceladores começaram a ser procurados pela PF, várias pessoas foram presas na operação grilo da PF entre eles tinham policiais, deputados, grileiros e outros, diante de muita luta pela regularização onde o governo pudesse desapropriar e torná-la pública. Em 2008 o porto rico tornou-se área de interesse social, sendo assim uma área pública.184 (sic)

A visão política e estratégica dos moradores do CPR teve efeito determinante para a consolidação do CPR, o que faz valioso o relato:

[...] surgiu como uma área particular, cujos os proprietários eram, o Sr Maurício de Oliveira Pradera, dono da 3ª etapa e o Sr Francisco de Assis Martins Junior dono de toda a 1ª etapa, sendo que o mesmo deu para seu advogado Dr. Fernando uma parte de terra como forma de pagamento pelos seus honorários, o mesmo loteou e vendeu formando assim a 2ª etapa, já a etapa centro surgiu de uma chácara onde fica a casa amarela, o dono o Sr Walber Talles, dividiu a mesma em lotes e vendeu que é formada por 4 quadras. Todos os moradores que moram no Porto Rico compraram seu lote de particulares, até que em 2003 apareceram os espólios de Anastácio Pereira Braga, representados por seus advogados Maria da Graças Calazans, Antonio Marcos Atier e Campelo.185 (sic)

No entanto, é relevante notar que, desses supostos ―proprietários‖, de quem os moradores teriam adquirido os respectivos lotes, não se tem conhecimento de quaisquer títulos que lhes assegurassem a propriedade da coisa vendida; ao menos não tinham títulos revestidos de qualidades formais e substanciais abrigados no Registro de Imóveis, aptos a suportar a constituição de direitos reais em proveito dos moradores do CPR, consoante art. 1.225, inciso I e arts. 1.227 e 1.245 do CC.

Cabe considerar, ainda, que nenhum loteamento formal fora previamente registrado, autorizando os pretensos loteadores a promover a subsequente comercialização, mesmo porque o domínio das terras da Fazenda Santa Maria, Quinhão n.º 23, esteve vinculado à propriedade dos espólios de Anastácio, Agostinho, Alexandre e João Pereira Braga desde o

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Questionário de entrevista, item 2. 185

final do século XIX, sem nenhuma trasladação juridicamente válida. Daí porque a hipótese da ação de grileiros, como era frequente no Distrito Federal naquela ocasião, faz inteiro sentido para explicar a ―Operação Grilo‖ da PF – pela qual pessoas influentes terminaram presas por ilicitudes ligadas à ocupação indevida de terras alheias e o subsequente parcelamento informal.

Sobre as conversações estabelecidas para a construção do objeto do consenso para pôr fim ao conflito, delas não participaram os moradores, ou a respectiva associação presidida pela entrevistada. A esse respeito, disse ela que a

[...] Associação de moradores não foi ouvida nas decisões tomadas pelo judiciário é como se nós não existíssemos ou nossa opinião irrelevante para os poderosos, ficamos com sentimento de impotência sem ter a quem recorrer ou o que fazer, quanto ao TAC ficamos sabendo através dos jornais.186 (sic)

Deveras, a inserção dos moradores no palco das conversações somente poderia enriquecer o âmbito comunicativo e dele extrair a composição mais ampla e representativa, de modo que o Estado não se comportasse como o tutor nas questões sociais, mas cedesse espaço aos interessados diretos segundo o sentido da democracia participativa em relação à classe dos ocupantes – a quem se reconhece o direito social à moradia. No entanto, ainda assim, a composição alcançada teve o reconhecimento e aprovação da entrevistada, ao dizer:

O acordo foi bom, nós moradores ficamos felizes, pois agora temos a certeza que vamos ter segurança de nossas moradias garantidas por lei, assim que sair nossas escrituras e, também pelo fato de termos todos os nossos benefícios, como; escola de ensino médio, posto de saúde, Cras, área de lazer, creche, CREA, cose e outros, e como toda parte de infraestrutura.187 (sic)

Além do resultado da composição alcançado em proveito dos moradores do CPR, também era oportuno indagar a respeito do método da mediação. A tal respeito, a entrevistada avaliou:

Muito bom, pois só através de uma mediação conseguimos resolver um problema que vinha a anos se arrastando no judiciário que de agora em diante esse modo de negociação seja feito sempre pois só assim para se chegar a um denominador comum, tornando-se bom para ambas as partes, pois os direitos tem que ser respeitados, no meu ponto de vista achei ótimo, todos saíram ganhando, e até parabenizo o poder público por essa grande ideia.188 (sic)

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Questionário de entrevista, item 5. 187

Questionário de entrevista, item 7. 188

Mas, em meio aos diversos interesses dos personagens que participaram para a formação do conflito, inclusive os próprios ocupantes do CPR, pairam sensações de injustiças persistentes. Disse a entrevistada a esse respeito:

[...] eu sempre questionei o fato dos grileiros não pagarem pelos seus crimes, sim pois se eles venderam uma terra que não era deles por que não devolver tudo o que eles pegaram dos compradores já que nós vamos ter que pagar para os herdeiros e para o governo, sim pois o acordo entre herdeiro e governo somos nós que vamos pagar, acho que a justiça tem que ser correta se não é muito fácil qualquer pessoa invadir uma área pública ou particular pegar todo o dinheiro e fazer campanha eleitoral e depois quem sofre as consequências são as pessoas que compraram de boa fé com o objetivo da casa própria acho que está na hora do poder público começar a ver com um olhar mais crítico e achar uma punição para todos só assim podemos dizer que as leis estão começando a funcionar e ver a justiça com outros olhos.189 (sic)

Quer parecer que a aferição das condições objetivas e subjetivas com as quais o sistema jurídico reconhece ou não a boa-fé do agente exige uma incomensurável aproximação entre o conceito erudito construído pela dogmática jurídica de um lado e, de outro, aquele que é consubstanciado pela realidade social nem sempre tão culta, na qual as massas excluídas ainda lutam pela realização dos básicos direitos sociais, entre eles o acesso ao conhecimento pela via da educação pública. Portanto, diante dessa realidade social e cultural, o conceito de boa-fé exige uma compreensão a ser construída a partir de uma perspectiva analítica feita em bases sociológicas mais profundas e flexíveis, tornando assim possível alargar substancialmente os horizontes da visão elitista em que se acha presa a dogmática jurídica dominante.

O conceito de boa-fé nos conflitos sociais contemporâneos exige, pois, a inserção dos elementos contingenciais que estão na sua própria base, o impostergável enfrentamento das demandas, a premência que motiva os credores sociais nas suas necessidades cotidianas fundamentais – quando levam os indivíduos excluídos dos benefícios sociais e econômicos à alternativa derradeira de buscar a realização de direitos fundamentais pelo esforço próprio, ainda que sob todos os riscos de reprovação e revés que venham experimentar em razão do empreendimento.