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O perigo da presunção (10:1-13)

1 Coríntios 10:1-11:

1. O perigo da presunção (10:1-13)

Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos sob a nuvem, e todos passaram pelo mar, Hendo sido todos batizados, assim na nuvem, como no mar, com respeito a Moisés. 3Todos eles comeram de um só manjar espiritual, 4e beberam da mesma fonte espiritual; porque bebiam de uma pedra espiritual que os seguia. E a pedra era Cristo. 5Entretanto, Deus não se agradou da maioria deles, razão por que ficaram prostrados no deserto. 6Ora, estas coisas se tornaram exemplos para nós, afim de que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram. 7Não vos façais, pois, idólatras, como alguns deles; porquanto está escrito: O povo assentou-se para comer e beber, e levantou-se para divertir-se. *E não pratiquemos imoralidade, como alguns deles o fizeram, e caíram num só dia vinte e três mil. 9Não ponhamos o Senhor à prova, como alguns deles já fizeram, e pereceram pelas mordeduras das serpentes. wNem murmureis como alguns deles murmuraram, e foram destruídos pelo exterminador. uEstas coisas lhes sobrevieram como exemplos, e foram escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado.12Aquele, pois, que pensa estar em pé, veja que imo caia. 13Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus éfiel, e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar.

Paulo extrai suas lições da história de Israel, relembrando como Deus lidou com o seu povo sob a velha aliança, durante o período da peregrinação no deserto, sob a liderança de Moisés. O povo de Deus recebeu muitas bênçãos, mas também foi culpado de muitos pecados, pelos quais foi severamente punido.

a) As bênçãos (1-4)

O povo de Israel desfrutou muitas bênçãos do Senhor: proteção, orientação, sustento, perdão. Todas elas ocorreram em uma série de incidentes notáveis, nos quais Deus interveio para demonstrar o seu controle soberano sobre a vida daquelas pessoas.1

experiências vividas pelo povo de Deus no tempo de Moisés. Eles

estiveram todos sob a nuvem, e todos passaram pelo mar, tendo sido todos batizados, assim na nuvem, como no mar, com respeito a Moisés. Todos eles comeram de um só manjar espiritual, e beberam da mesma fonte espiritual.

É enganoso traduzir pneumatikos por "espiritual"; é melhor "sobrenatural", porque Paulo não pretende negar a natureza física do manjar (ou maná) e da água. Ele parece querer indicar que, além de esses dois elementos serem necessários ao sustento físico do povo, também possuíam um valor espiritual, nutrindo todo o seu relacionamento com Deus. Isto se confirma pela maneira como Paulo iguala a rocha (que forneceu água)2 com o próprio Cristo (v. 4). Em outras palavras, Paulo está enfatizando a origem divina da provisão do povo. Em um incidente posterior, no final dos quarenta anos3 de peregrinação no deserto, a água saiu da rocha, assim como ocorrera no início. Na verdade, os dois acontecimentos (embora muito semelhantes nos detalhes) são totalmente diferentes no significado espiritual: na história original, Moisés agiu em obediência a uma ordem clara de Deus, enquanto que no incidente posterior, ele agiu com presunção. O Senhor censurou a presunção de Moisés com tanta seriedade, que por causa desse pecado específico foi-lhe negado entrar na Terra Prometida.

Antes de o povo de Israel receber esse sustento físico e espiritual (“comida sobrenatural" e "bebida sobrenatural"), todos foram

batizados, assim na nuvem, como no mar, com respeito a Moisés (v. 2). O

emprego da palavra batizados é, naturalmente, muito significativo. Ser batizado com respeito a Moisés significava que eles estavam se colocando sob a liderança de Moisés, de forma voluntária e incondicional. A linguagem admirável, mas pouco usual, de Paulo nesta passagem enfatiza o paralelo entre os privilégios do povo de Deus sob a liderança de Moisés e os privilégios do povo de Deus sob a liderança de Jesus. Nas dxtas épocas históricas havia dois acontecim entos repletos de significado: ser batizado numa demonstração de lealdade ao guia designado por Deus; e ser regularmente nutrido com alimento e bebida "sobrenaturais".

Paulo compara a atitude presunçosa do povo de Deus sob a liderança de Moisés com a arrogância de certos cristãos coríntios. Eles também haviam passado pelas águas do batismo, cientes do profundo significado desse ato, em submissão a Jesus como Senhor.4 Eles também participavam regularmente de refeições coletivas,5 durante as quais eram nutridos física e espiritualmente. Esses cristãos, tal qual o povo de Deus sob a liderança de Moisés, estavam recebendo grandes

bênçãos; mas receber bênçãos não corresponde, de modo algum, a receber os privilégios e as responsabilidades da bênção. Eles ficaram tão obcecados pelos direitos, que estavam abusando da eficácia de seu relacionamento com o Senhor.

Observamos que a importância espiritual do batismo é acentuada pelo fato de os filhos de Israel jamais terem estado realmente na nuvem ou no mar. Da mesma forma, o significado preeminente do batismo é o que Paulo destaca em Romanos 6:lss., e não a experiência do batismo propriamente dito. Os israelitas foram batizados "com respeito a Moisés"; os cristãos de Corinto foram batizados com respeito a Cristo. Os dois atos denotam fidelidade, mas os cristãos não estavam vivenciando as implicações práticas dessa fidelidade. O que levou Paulo a fazer tal acusação?

b) Os pecados (5-10)

Antes de enumerá-los, temos de observar a declaração crítica do versículo 5: Entretanto, Deus não se agradou da maioria deles, razão por que

ficaram prostrados no deserto.6 De fato, da geração que partiu do Egito

com Moisés, sabemos que apenas dois chegaram a Canaã: Josué, filho de Num, e Calebe, filho de Jefoné.7 Eis aí a seriedade do desagrado de Deus com uma geração presunçosa. Convém destacar, de passagem, que tudo o que o texto declara é: ficaram prostrados no deserto. Nada se diz em termos do destino eterno deles, porque não é esse o ponto central dessas histórias. O ponto central é declarado em 10:6: Ora, estas

coisas se tornaram exemplos para nós.

Os pecados do povo de Deus sob a liderança de Moisés ecoam estranhamente nos pecados semelhantes, cometidos pela comunidade cristã de Corinto: cobiça, idolatria, imoralidade, abuso da paciência do Senhor e murmuração. Determinados acontecimentos ocorridos na peregrinação pelo deserto estavam, sem dúvida, na mente de Paulo. Ele se lembrou especificamente do bezerro de ouro,8 do anseio pelas comidas do Egito,9 da imoralidade geral com as filhas dos moabitas e da história da serpente de bronze.10 A narrativa dos episódios desse período não é uma leitura muito agradável.

Paulo recomendou incisivamente aos coríntios que não se vangloriassem de sua suposta condição espiritual. Nós todos caímos em uma cilada perigosa, diz o apóstolo, se nos permitimos pensar que o pecado não tem importância. Eles pensavam que a combinação dos sacramentos com as experiências espirituais era suficiente para

protegê-los da apostasia. Eles descansavam (de maneira quase miraculosa) nos meios de graça (os sacramentos) e nas experiências concedidas por Deus, e não no próprio Deus em Cristo. Paulo m encionara há pouco sua própria necessidade de ser autodisciplinado, para não deixar de receber tudo o que Deus lhe reservara. Ele desejava que os coríntios desenvolvessem a mesma determinação e disciplina.

c) O castigo (5-10)

As conseqüências do pecado de Israel são resumidas em três frases dramáticas e trágicas: ficaram prostrados (v. 5); caíram (v. 8); foram

destruídos pelo exterminador (vs. 9-10). Esta última assemelha-se à

situação descrita em 5:5.” A destruição da carne, neste caso de milhares de pessoas, não incluiu necessariamente a destruição eterna. Aquelas pessoas não viram a Terra Prometida, mas, quanto ao seu destino eterno, nada foi registrado. Paulo deseja que esses irmãos amados, porém jactanciosos, dêem o melhor de si para o Senhor. Os mesmos fatores que prejudicaram as vidas do povo de Deus no passado, sob a liderança de Moisés, também acabam com as comunidades cristãs de hoje. Eles foram registrados para nos servirem como exemplos (v. 11). Essas tragédias aconteceram para nos advertir da rampa escorregadia em que a rejeição a Deus nos lança. Encontram-se na Bíblia para benefício nosso, para nos dar bom senso (este é o significado básico de nouthesian, v. 11, literalmente: depositar "razão" em nós).

d) A advertência (11-13)

Mas existem muitos outros aspectos atemporais na saga da Páscoa e do Êxodo; ela não foi registrada apenas para nos acrescentar um pouco mais de sabedoria. Os próprios contemporâneos de Paulo viviam numa geração especialmente privilegiada, sobre quem os fins dos séculos

têm chegado (v. 11). Esses "séculos" poderiam ser uma combinação "da

era ou ordem mundial presente" com "a era vindoura" (anunciada na primeira vinda e a ser consumada na segunda vinda de Cristo). Nesta explicação, cada pessoa que está em Cristo vive dias cruciais "entre duas eras" (o que os teólogos freqüentemente intitulam "viver no tempo sobreposto"), em que cada dia a mais é um prêmio. Bruce resume assim: "O padrão da revelação divina, da desobediência

humana e do julgamento divino manifestado na experiência dos israelitas em sua peregrinação do Egito a Canaã é reproduzido na era do Novo Testamento."12

Por outro lado, esta notável frase do versículo 11 pode estar dizendo que a história do êxodo e as peregrinações no deserto foram registradas para nosso benefício (isto é, para a edificação dos cristãos); nós somos o povo que Deus, o Senhor da História, tinha em mente quando esses eventos aconteceram e foram registrados.13 Obviamente certos incidentes na "história da salvação" do povo de Deus sob a antiga aliança desempenharam um papel mais central e destacado do que outros. O êxodo é, indiscutivelmente, o acontecimento mais importante de todos.

Alegar que a atividade de Deus no palco da história mundial está totalmente centralizada na igreja cristã talvez pareça relativamente inofensivo para a maioria dos cristãos ocidentais. Precisamos entender que, aos olhos de alguns teólogos latino-americanos ou africanos, comprometidos com o tema da libertação, tal exegese da história do Antigo e do Novo Testamento (que interpreta o êxodo co m o ponto central, tanto em sua ocorrência no Antigo Testamento como em sua interpretação no Novo Testamento) é absolutamente fundamental. De fato, a saúde da igreja mundial e a integridade de seu testemunho acerca do reino de Deus podem muito bem depender de o êxodo ser devidamente exposto e aplicado. O mínimo que podemos, e devemos, asseverar é que o êxodo foi um acontecimento sui generis (porque os judeus eram o povo da aliança), não podendo ser aplicado a toda e qualquer libertação da opressão. De qualquer forma, estes versículos acionam uma das bombas-relógio teológicas mais explosivas do mundo de hoje.

A injunção de 10:1,2 Aquele, pois, que pensa estar em pé, veja que não

caia, não é uma simples advertência contra a superespiritualidade

coríntia. Sem dúvida, ela também a inclui, mas haveria pouca necessidade de Paulo usar a linguagem apelativa do versículo 11, se tudo o que desejasse nos transmitir fosse o perigo espiritual de pensarmos que já estamos livres de certas tentações. O sentido da raiz de peirasmos não é tanto "tentação" (v. 13), mas antes "prova". Paulo está advertindo os coríntios: "Vocês estão enfrentando muitas provas difíceis por causa da fraqueza de seus recursos espirituais; porém, a questão principal da provação/tentação não é a força atrativa do pecado, e, sim, a natureza dela: é uma prova do tipo tudo ou nada. Vocês vão sair delas com uma capacidade de recuperação maior e uma fé mais ardente no Deus vivo? Ou será que a determinação de suportá-

las até o final foi sutilmente sugada?"14

Da mesma forma, hoje, aquele que deprecia o êxodo como um determinante para o reino de Deus deve ter o cuidado de não ser derrubado por acontecimentos violentos e irresistíveis; e quem se julga

entendido nas forças tempestuosas que operam neste mundo

reconsidere sua avaliação teológica em relação aos acontecimentos deste século, como a ameaça nuclear. O cristão que se considera imune a essas forças ainda não entendeu que, na turbulência da aldeia global de hoje, ninguém pode alegar que encontrou uma posição de estabilidade permanente (aí reside a força do verbo hestanai no tempo perfeito: "estar em pé"). Só existe um lugar que garante tal segurança:

O Senhor é sublime, pois habita nas alturas; encheu a Sião de direito e de justiça.

Haverá, ó Sião, estabilidade nos teus tempos, abundância de salvação, sabedoria e conhecimento; 0 temor do Senhor será o teu tesouro.15

1 Coríntios 10:12 não é, portanto, apenas uma advertência pessoal para que se leve mais a sério a vulnerabilidade de ser um discípulo cristão; muito mais que isso, é uma perspectiva etema da atividade de Deus na história, e em especial, na história da salvação. Se as pessoas agraciadas com todas as bênçãos "sobrenaturais", derramadas sobre os filhos de Israel no tempo de Moisés, caíram e continuaram caindo de muitas maneiras, entãos os cristãos de Corinto certamente não estavam imunes. E se, além disso, nós somos aqueles sobre quem os fins

dos séculos têm chegado, então estamos enfrentando tudo o que Paulo

quis dizer com a expressão: "angustiosa situação presente",16 e muito mais.

Se pensamos que tudo isso é demais para nós, Paulo prossegue, de m aneira característica, oferecendo uma clássica palavra de encorajamento: Deus é fiel (v. 13). Podemos nos apoiar nele, sem reservas. Podemos pensar que as nossas provações pessoais são grandes demais e que ninguém é capaz de entendê-las, quanto mais nos aliviar delas. Mas não vos sobreveio tentação ("aprovação", "teste”)

que não fosse humana (v. 13). Deus mesmo já passou por esse caminho

em Jesus. Ele sabe o quanto podemos suportar. Ele também conhece o caminho que está trilhando, o caminho pelo vale, a via de escape, o dia do livramento, e a alegria da perseverança porque a vitória é certa: tudo isso ele já experimentou pessoalmente.

Livramento (ekhasis) é quase um homônimo de "êxodo", e Lucas17

descreve a morte redentora de Jesus como o "êxodo" que ele estava para

cumprir em Jerusalém. Deus mesmo provê esse êxodo aos oprimidos e

aos que estão sendo duramente provados. Ele não é vingativo; não está esperando para punir os presunçosos. Não estamos sozinhos nesta situação, junto conosco seguem inúmeros outros, para quem o período da provação está sendo igualmente, se não mais, exasperante. É a consumação indubitável de um êxodo já realizado que nos capacita a suportar: vemos a luz no final do túnel e prosseguimos com vigor.

2. O perigo da transigência (10:14-22)

Portanto, meus amados, fugi da idolatria. l5Falo como a criteriosos, julgai vós mesmos o que digo. u Porventura o cálice da bênção que abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos, não é a comunhão do corpo de Cristo? ,7Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão. ^Considerai o Israel segundo a carne; não é certo que aqueles que se alimentam dos sacrifícios são participantes do altar? wQue digo, pois? que o sacrificado ao ídolo é alguma coisa? ou que o próprio ídolo tem algum valor? 20Antes digo que as coisas que eles sacrificam, é a demônios que as sacrificam, e não a Deus; e eu não quero que vos torneis associados aos demônios. nNão podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios: não podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios. nOu provocaremos zelos no Senhor? somos acaso mais fortes do que ele?

Depois da grave advertência aos cristãos complacentes, que corriam o risco de basear sua segurança eterna em cumprir todas as práticas "religiosas" corretas, Paulo insiste: fugi da idolatria (v. 14). A ordem é a mesma de 6:18: "Fugi da impureza". O cristão que se deleita na liberdade em Cristo recebida de Deus, como muitos coríntios, pode facilmente comprometer a verdade. Tendo reafirmado a prioridade da liberdade cristã, Paulo agora os admoesta a não assumirem uma atitude descuidada e leviana para com a idolatria - o problema que os coríntios enfrentavam, em especial, e que ele já investigou com maiores detalhes no capítulo 8.

Paulo acabara de recordar (v. 7) a maneira como os filhos de Israel deixaram que suas vidas fossem contaminadas pela idolatria. A narrativa do bezerro de ouro em Êxodo 32 está repleta das

informações mais esclarecedoras e penetrantes acerca da degeneração que a idolatria sempre produz. Paulo não se dispõe a acrescentar algum se ou mas ã reprovação da idolatria. Ele reconhece que não está falando a débeis mentais, mas a homens criteriosos (v. 15).18 Daí ele apelar para que julguem por si mesmos aquilo que ele diz (v. 15: krinate pode conter uma referência indireta ao prazer dos coríntios em julgar isto e aquilo).

Paulo fundamenta o seu argumento no sacramento da Ceia do Senhor. A cerimônia central do culto cristão, judaico ou pagão inclui mais do que meras palavras e atos. Aqueles que participam dessas cerimônias tornam-se verdadeiros "parceiros". A raiz grega koinonos ocorre quatro vezes neste parágrafo, e há duas ocorrências da palavra

metecho ("participar", vs. 17, 21). A participação se dá de duas

maneiras: ims com os outros como co-adoradores e, por outro lado, com o deus, os deuses ou o Deus a quem se adora. Os adoradores participam juntos da realidade espiritual que está por trás de tudo o que acontece. Barrett traduz a palavra koinonia por "participação comum", isto é, a ênfase recai sobre aquilo que se partilha e sobre a experiência partilhada por todos os participantes. Podemos comparar esse termo com a famosa expressão "a comunhão do Espírito Santo".19 Todos nós partilhamos dele como cristãos, e é essa participação comum que une todos nós como cristãos.

Analisemos as quatro aplicações de koinonia/koinonos nesta seção. Primeira (v. 16), todos os que participam do cálice da bênção na celebração da eucaristia, na festa do amor do povo de Deus, participam do sangue de Cristo, ou seja, dos resultados da morte expiatória de Cristo, de todos os seus efeitos.20 Quer seja em relação à comunhão cristã, aos sacrifícios judaicos ou ao ritual pagão, os participantes fazem muito mais do que uma mera participação "em memória" de algum evento histórico do passado. Calvino escreveu: "A alma tem uma comunhão tão verdadeira no sangue, quanto o vinho em contato com a boca."

A expressão o cálice da bênção geralmente é usada em relação ao terceiro cálice tomado na refeição da Páscoa, quando se fazia a seguinte oração de graças: "Bendito és Tu, ó Senhor nosso Deus, que nos dás o fruto da vide." Ao dizer que o cálice é bendito, Paulo está abreviando a declaração de que Deus está.sendo louvado através do cálice. Há pessoas que crêem que o uso da primeira pessoa do plural em: "o cálice da bênção que (nós) abençoamos", indica que qualquer cristão pode celebrar esta refeição eucarística, no sentido de presidi- la; cf. Barrett: "há de se notar que Paulo não parece confinar a

enunciação da ação de graças a um grupo limitado de cristãos".21 O mesmo raciocínio se aplica à comunhão do corpo de Cristo (v. 16). Outros aspectos do significado de participar do corpo e do sangue de Cristo surgirão quando examinarmos 11:17-34.

O segundo par de versos em que o companheirismo é central está em 18 e 20. Em ambos os casos a palavra não se refere a uma participação abstrata, mas a pessoas que participam ativamente.

Considerai o Israel segundo a carne, diz Paulo, não é certo que aqueles que se alimentam dos sacrifícios são participantes do altar? Os sacerdotes

recebiam partes especiais de carne, que eram separadas para eles, enquanto que, para os adoradores comuns, separavam-se outras porções. Os adoradores não tinham nenhuma responsabilidade nas cerimônias realizadas no altar; simplesmente recebiam alguns dos benefícios da refeição ritual.22

Por analogia, fica explícita a direção dos argumentos de Paulo. Os cristãos participam com o Senhor e uns com os outros do ato central da comunhão, uma participação tão íntima e completa que ele diz:

Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão (v. 17). Qualquer homem "criterioso"

concluiria que as mesmas verdades se aplicam ao culto idólatra. Morris descreve: "Os demônios fazem uso da inclinação dos homens para cultuarem ídolos. Assim, quando os homens sacrificam aos ídolos, não se pode dizer que estão praticando alguma atividade neutra, destituída de sentido. Estão de fato sacrificando a espíritos maus... Participar da comida é estabelecer comunhão. Deste modo entram em "companheirismo" com os "demônios". Paulo não quer que aconteça isso com os seus amigos coríntios."23 Ao afirmar que não