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1.4 ATIVIDADES ECONÔMICAS NO CONTESTADO

1.4.1 A Vida no Lombo do Burro

Estabelecendo-se no Território do Contestado no início do Século XIX, o homem veio a praticar o tropeirismo nas jornadas que se deslocavam a partir desta zona, em direção aos Campos Gerais do Paraná, à Região Missioneira Gaúcha ou ao Litoral Catarinense, para a compra de mantimentos e utensílios, o que se fazia lá com o produto da venda de muares39 e bovinos criados nas fazendas.

As tropas xucras percorreram verticalmente o sertão catarinense por quase duzentos anos, conduzindo muares dos pampas aos muladeiros do vale do Paraíba, onde eram comercializados. As jornadas do Sul ao Norte duravam muitos meses, ao ritmo de três léguas (18 km) por dia. Depois das mulas, os tropeiros passaram ao tropeirismo de carga e ao transporte do gado, igualmente recolhido nos campos sulinos e levados para o norte. Nas invernadas, durante os descansos das tropas, a paisagem natural da Região do Contestado reteve muitos tropeiros paulistas e paranaenses, que aqui se estabeleceram. Ao longo dos caminhos, os pousos foram dando origem a currais, fazendas e povoados. A atividade do tropeirismo revelou uma soma de traços culturais que influenciaram a herança cultural do caboclo, influindo nos hábitos alimentares, na indumentária, no lazer, na linguagem, na medicina e, no folclore das histórias, lendas e mitos.

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O muar é um produto híbrido de burro e égua ou de cavalo e burra. Os produtos da primeira geração, especialmente, são sempre animais robustos, pacientes e sóbrios. Distinguem-se nêles dois tipos principais: um, ligeiro, próprio para os transportes a dorso nas montanhas e caminhos íngremes; outro, pesado, próprio para a tração. O sertanejo brasileiro atribui aos têrmos “égua” e “bêsta” sentido pejorativo, imoral mesmo (GOULART, 1961, p.179).

As origens do tropeirismo estão intimamente ligadas às necessidades de transporte de cargas no Sudeste do País, principalmente na ligação da costa com as minas do interior. Quando dos descobrimentos auríferos no Brasil no final do Século XVII e início do XVIII, atraídos pela cobiça, milhares de recém-chegados foram buscar a riqueza no interior.

Deslumbrados pela atração das matérias preciosas; com o pensamento dirigido para um único objetivo: o enriquecimento rápido; sem a mínima intenção de se fixarem nas paragens tão àvidamente procuradas, os homens que para elas acorrem não tem a menor preocupação em organizar meios de sobrevivência naquelas regiões tão afastadas e de tão difícil acesso. O fito exclusivo é encher as bruacas e dar as costas que o reino, na época, embora em situação financeira das mais críticas, continuava a oferecer a mesma vida faustosa que antes lhe proporcionavam as riquezas drenadas das Índias (GOULART, 1961, p. 25).

Nas zonas de mineração, era absoluta a ausência de animais de carga, de tração e de sela, razão pela qual os índios e os negros escravizados, e os mamelucos assalariados, eram os que se constituíam nos únicos meios de transporte.

Assim foi crescendo o negócio de escravos, gados, cavalgaduras, fazendas e mais víveres de tôda a sorte, conduzidas com o maior trabalho a que obriga o interêsse aos homens, servindo então naqueles princípios de condutores as mesmas cervizes humanas; porque o de bêstas ainda não tinha passagem franca (TAUNAY, p. 127).

Enquanto cresciam as necessidades por transporte, até que fosse intensificada a importação de negros, os paulistas arrebanhavam e vendiam índios, suprindo a falta de gente para todos os tipos de trabalhos braçais. Os bandeirantes, ao caçar índios Guarani nas reduções jesuíticas do Rio Grande do Sul, encontraram nas savanas sulistas milhões de cabeças de gado bovino, caprino e muar,

uma gadaria vivendo à gandaia, à lei da natureza, sôlta em campos ferazes, sem restrições e sem dono, como um presente régio a esperá-los. Nada mais lucrativo para quem andava à cata de mercadoria vendável do que arrebanhar cavalos e éguas, burros e bêstas, bois e vacas para vendê-los, a bom preço, nas regiões carentes dêsses animais (GOULART, 1961, p. 35).

Com a abertura da Estrada Real, numerosas manadas xucras, arrebanhadas nas campinas do Prata, passaram a ser encaminhadas para São Paulo e, daí, escoadas para outras direções, principalmente às minas, onde os muares se impuseram como cargueiros ideais devido as suas qualidades inatas para este serviço. Este escoamento veio a criar no Sul do Brasil o intenso tráfego de muares cargueiros em tropas. Tanto, que logo a Estrada Real passou a ser chamada de

Estrada das Tropas. E as tropas40 fizeram surgir o tropeirismo, evidenciando a figura dos seus condutores: os tropeiros.

Pelas suas qualidades como cargueiro, uma besta valia muito mais que um cavalo. Na feira de Sorocaba, por exemplo, em 1802, um cavalo valia 6$000, enquanto uma besta era vendida por 16$000; em 1808, por 20$000 e, na segunda metade do século XIX, já valia nada menos do que 50$000. Esta valorização fez com que no Prata e no Rio Grande do Sul, muitos estanceiros passassem a criar muares em larga escala. Com isso, quando o gado xucro diminuiu, os tropeiros puderam continuar abastecendo-se nas fazendas das campanhas sulinas e a evolução comercial promoveu a rápida expansão das áreas de criação.

Se as tropas eram uma só, os tropeiros eram diversos. Havia os comerciantes de muares, que iam pessoalmente às fontes buscar animais e os conduziam para vendê-los nas feiras paulistas; os empregados das fazendas, que dirigiam as manadas vendidas a mando do patrão; os que eram proprietários das manadas e alugavam seus serviços, ou seja, vendiam a capacidade de carga de seus animais. Uma prática dos tropeiros do Extremo-Sul era reservar alguns lotes de animais (de sete a onze bestas cada lote) após a venda da manada, aproveitando-os para o transporte de mercadorias no retorno, para si, para o patrão, ou para atender encomendas de bodegueiros de animais. Em comum, tinham os tropeiros41 o fato de serem os condutores das tropas. Contavam os tropeiros com o apoio de outros especialistas, que lhes davam suporte, como o cangalheiro, o seleiro, o trançador, o jacazeiro, o funileiro, o ferreiro e o ferrador, que trabalhavam em suas casas nos serviços gerais para as tropas.

Sobre os problemas, as necessidades e os cuidados dos tropeiros-de-cargas com relação aos animais da tropa, temos que:

Durante as caminhadas enfrentavam as tropas sérias e numerosas dificuldades: as passagens de rios, uns grossos, afogando os animais, ameaçando a integridade da carga; outros, no casco, os animais escorregando no leito pedregoso, ferindo-se nos espeques, atolando-se no lôdo. E as perigosas passagens pelas faldas dos morros, subindo ou

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Consta no Dicionário da Língua Portuguêsa, de Luiz Carlos de Morais, a autenticidade de que o termo “Tropa” é brasileiro genuíno: “têrmo do Brasil, bêstas da carga, que fazem o transporte de mercadoria, onde não há vias férreas ou fluviais, e seguem os seus condutores como que em caravanas”, registrando também seu derivado, “Tropeiro”, onde consta: “têrmo do Brasil, condutor de tropas; homem que viaja com cavalgaduras de carga, e cáfila, onde não há vias férreas ou fluviais, negociante que compra e vende tropas de muares” (MORAIS, apud GOULART, 1961, p. 63-64).

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Todos os homens envolvidos numa tropa chamavam-se tropeiros. Um lote dispunha do trabalho de três especialistas, o madrinheiro, o tocador e o arreador. O madrinheiro, geralmente um garoto, era quem montava uma égua mansa e seguia alguns passos à frente da tropa, para guiá-la. O tocador era o responsável pela condução do lote. O arreador era, em geral, o dono da tropa, seu administrador.

descendo por caminhos estreitíssimos, a barranca ou a vegetação densa, de um lado, o abismo, de outro, e os pedregulhos rolantes a empurrarem as alimárias para os “roladores”, não raro se despencando nos abismos, com carga e tudo, para a morte ou para a inutilização irremediáveis. Os caminhos, no intrincado das matas, estreitos, os galhos cegando os cargueiros, dilacerando os fardos, quebrando as caixas, desfazendo os jacás; os troncos e os tocos interceptando a paisagem; os atoleiros, traiçoeiros, engolindo por inteiro um animal. Acrescente-se mais o tratamento diário dos animais, às feridas e pisaduras, os males causados pelas ervas venenosas, pelas mordeduras de répteis, as doenças comuns dos cargueiros, os meios de evitá-las e de curá-las. A procura de bons pastos e aguadas; o transvio de animais durante a noite e a procura dos mesmos no dia seguinte. O zêlo pela carga, depósito sagrado que não pode sofrer o menor detrimento (ARINOS, 1921, p. 119)

Às dificuldades maiores, acrescentem-se ainda as estocadas de galhos, as mordeduras de insetos, as moléstias naturais e as picadas de espinhos, que também exigiam a atenção do tropeiro no trato dos animais durante as viagens. Mas nem só isso era problema para os condutores. As inconveniências de marcha e de trânsito também traziam muitas dificuldades. Por exemplo: quando se perdia muito tempo à espera de o leito de um rio baixar, em razão de enchente; o carregar-descarregar diário dos animais cargueiros, para dar-lhes descanso à noite; a fadiga dos muares pela marcha forçada; as precárias condições dos caminhos ou picadas, por onde transitavam, com piso natural e sem pontes para transpor cursos d’água; a perda de mulas, que tinham vida útil limitada ao máximo de seis anos; e, a indisciplina de muares novos que se extraviavam no percurso.

No extremo-sul do Brasil, para um lote de mulas, dizia-se “mulada” e, para um de eqüinos, “cavalhada”. O termo “caravana” designava animais cargueiros das tropas no Sul, como no nordeste brasileiro se dizia “comboio”. A palavra “comitiva” indicava a animalada de carga ao dorso. Em qualquer jornada, estava o tropeiro, o camarada, o madrinheiro, o cozinheiro e um ou alguns peões, cada um com uma tarefa específica.

Sendo mais forte e mais resistente do que o cavalo, o muar suportava bem de oito a 12 arrobas de 15 quilos. Se considerarmos uma tropa de 200 cargueiros, o que não era excepcional, e tomando por média oito arrobas de quinze para cada animal, temos que numa única viagem “poderiam ser transportados 24.000 quilos de cargas, o que constituía façanha exclusiva dêsse sistema de transporte na época do seu predomínio e na área a que servia com exclusividade” (GOULART, 1961, p. 97).

A “viagem”, para os tropeiros, era o cômputo das caminhadas entre a partida e a chegada. Já “caminhada” era um percurso vencido a cada dia de viagem. As caminhadas dependiam do ritmo das marchas; se a tropa fosse de cargueiros, podia-se alcançar a média de 15 a 25

quilômetros diários. “Caminhava-se légua e meia ou duas léguas na fresca da manhã. Na calma do meio-dia descarregavam à beira de uma aguada, para recomeçar o avanço de tardinha, até às quatro ou cinco horas. E assim, semanas, durante as quais percorriam de três a quatro léguas por marcha” (DORNAS FILHO, 1958, p. 22).

A alimentação do tropeiro nas jornadas era bem simples, pouco variada, embora farta, consistindo basicamente de carne seca e salgada (charque), feijão cozido quase sem caldo, angu de milho, farinha de mandioca, torresmo ou toucinho de fumeiro. Suas bebidas principais vinham da caneca de café fumegante, com muito açúcar, e do mate amargo e quente, o insubstituível chimarrão. Não era admitido beber cachaça nas viagens. O fumo usado era de rolo-em-corda, (“comum” ou “amarelinho”) esfarelado à mão e enrolado em palha de milho.

O fumo é um vício que o sertanejo adquire desde criança. A princípio, fuma escondido, metido no mato, com mêdo que o vejam a pitar. Depois, raro é vê-lo sem um cigarro de palha ou um cachimbo entre os lábios. Nunca deixam de trazer a quicèzinha “apareada” para picar o fumo cortado do rôlo, que depois esfarelam entre as mãos, amaciando-o para rodá-lo na palha do cigarro ou metê-lo no ôco do “pito”. É comum vê-los mascando e dando enormes cusparadas enegrecidas. Os dentes amarelecem depressa pela ação constante do fumo terrivelmente forte (GOULART, 1961, p. 122).

Ao longo dos caminhos, em locais de terras devolutas previamente escolhidas e geralmente em campo aberto, com pasto suculento e boa aguada, os tropeiros levantavam choças, de pau-a-pique, sem paredes e cobertas de palha, para servirem de “encosto”. Logo, surgiram aqueles que tomavam posse destes locais de paradas42, cercavam-nos como campos fechados (potreiros), substituíam a palhoça por um rancho rústico, para alugá-los aos tropeiros e, assim, transformavam os encostos em “pousos”.

Com freqüência, acontecia a reunião num mesmo pouso, de mais de uma tropa de diferentes procedências, com destinos iguais, opostos ou diversos. Quando assim ocorria, quem gostava eram os camaradas, pois, enquanto ali estivessem, haveria distração entre eles, narra Goulart, acrescentando que

acomodadas as alimárias retornam os camaradas ao pouso. A janta fumega na panela pendurada no tripé que o cozinheiro armou tão logo chegado. Cada um recebe seu prato bem servido e toma a sua caneca de café. Então é hora de pitar cachimbo ou cigarro de palha no canto da boca, na conversa que quase sempre gira em tôrno das peripécias da jornada do dia; ou então pegando na viola de Queluz, da sanfona, lá vem a cantoria encher o silêncio da noite [...]. Mas, conversem ou cantem, o certo é que o cansaço da caminhada de léguas os vai envolvendo; e com pouco se estiram nas baetas, por sobre pelegos recostados nas retrancas. E dormem. [...]. No dia seguinte, ainda com escuro,

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Um local que ficou conhecido a partir desta designação foi o “Pouso dos Curitibanos”, na Estrada Real, que mais tarde emprestou o nome ao povoado, vila e cidade de Curitibanos.

tomada a caneca de café, os camaradas se botavam para o pasto, ensopado de orvalho, para recolher os animais (GOULART, 1961, p. 138-139).

Na medida em que os encostos se transformavam em pousos, o local atraia para suas proximidades outro posseiro, concorrente, que também construía seu rancho e fazia surgir novo pouso. “[...] fincado o pouso, logo surgia nas suas imediações um ou outro morador, erguendo palhoça, acomodando criações, plantando milho e passando a negociar com os homens das tropas que ali pernoitassem” (ARINOS, 1921, p. 111). A abertura da venda, ou bodega, era o sinal de que aquele pouso prometia ser bom. E aí, vinha um terceiro homem, e os ranchos cresciam, passando a ser chamados estalagens. Encostos, pousos, hospedarias, bodegas, fazendolas, com potreiros ou currais, eram as atrações aos tropeiros viajantes, alguns dos quais vieram a escolher nossa região para nova moradia. Fixando-se, promoviam o aparecimento de núcleos populacionais e, assim, no decorrer do tempo, fizeram surgir as primeiras povoações, mais tarde vilas, no Território do Contestado.

A par de fazendeiros mais antigos que, na condição de sesmeiros, ocuparam desde cedo as terras de campos, no Rio Grande do Sul e mesmo nos Campos de Lages, muitos tropeiros paulistas e paranaenses enriqueceram rapidamente e, no início, sem abandonar a atividade, voltavam aos caminhos, escolhiam as melhores porções de terras-sem-dono nos seus percursos e as requeriam como sesmarias, ou delas se apossavam. Erguiam os currais e logo faziam ali surgir uma estância, geralmente suas futuras moradas. Nos campos e campinas, assim nasciam as fazendas de criação.

Muitos dos ex-tropeiros, agora novos-fazendeiros, seguindo tradições familiares, lançaram-se à criação de gado bovino, oportunizando emprego para outros tipos de homens: o peão, especializado nas lidas campeiras com o gado vacum; o mateiro, profundo conhecedor das matas e explorador dos ervais; e, o roceiro, o plantador de cereais e criador de porcos e galinhas; e, ainda, para novos tropeiros, pois a atividade era mantida. Também, por arrendamento, permitiam o surgimento de mais pousos nos rincões e cantões das propriedades. Para este conjunto todo, acorriam os profissionais de ofícios – seleiros e ferreiros, por exemplo – e a população aumentava.

Ao mesmo passo que a criação e o transporte de gado influiram para que as populações se agremiassem em determinados locais de “pouso” e de “currais”, a formação de “roças” com intentos industriais, isto é, com excessos comerciais, foi fixando essas e outras populações em lugares certos e estáveis e dando origem às fazendas, às freguezias, às vilas e às cidades, como aconteceu com Jaguariaíva, Piraí (Furnas), Castro, Ponta Grossa, Palmeira, Campo Largo, Rio Negro, etc.

A criação de gado, a lavoura do milho, feijão, trigo, etc., a industrialização e comércio do mate de 1722 em diante, obrigaram à vida sedentária os antigos homens de aventura, os nômades do ciclo da mineração; e as comunicações mais fáceis e seguras, pelo caminho das tropas ponteados de povoados, animaram as entradas de outros povoadores (MARTINS, [s.d.], p. 224).

Nos campos paranaenses, começou a acontecer o aluguel de pastagens para as “invernadas”, mais rentável aos proprietários das fazendas do que a atividade da criação de gado. Passaram os fazendeiros dos Campos Gerais (e, em parte, depois, os de Guarapuava e Palmas com a freqüência da estrada nas Missões) a reservar cada vez maior número de invernadas em suas fazendas, para arrendá-las aos tropeiros. Era uma renda mais fácil do que a da criação do gado. Mesmo o gado vacum, originário de Guarapuava, e remetido em tropas para S. Paulo, por causa das longas distâncias, deveria ser invernado nos Campos Gerais43.

Na segunda metade do Século XIX, constatava-se o avanço da invernagem, tanto de mulas como de bovinos. Se antes os Campos Gerais haviam sido usados apenas para criação, em pouco tempo, as fazendas paranaenses passaram a registrar o uso partilhado dos campos entre o criatório e a invernagem, sendo que, numa terceira fase, já era evidente o predomínio da transformação das propriedades em invernadas. Isso ocorreu também em Santa Catarina, onde as pastagens eram arrendadas aos tropeiros que, trazendo as tropas do Sul, necessitavam de um local para a engorda dos animais, estes que emagreciam nas penosas viagens. Foi a mesma necessidade de invernagem, também, que motivou dezenas de fazendeiros e de tropeiros paranaenses a adquirirem terras nos campos catarinenses, da mesma forma como aconteceu no Planalto Médio do Rio Grande do Sul.

Com a abertura das veredas das Missões, mais a Ocidente, o tráfego vertical dos tropeiros de muares e bovinos deslocou-se do eixo da Estrada Real, que era o de Viamão-Vacaria-Lages- Curitibanos-Papanduva-Rio Negro-Lapa, num primeiro momento, para o eixo Cruz Alta-Passo Fundo-Campos Novos-Curitibanos-Rio Negro-Lapa e, depois, para o traçado Passo Fundo- Clevelândia-Guarapuava-Palmeira ou Passo Fundo-Palmas-União da Vitória-Palmeira. No setor

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Tobias Monteiro, em 1903, fêz esta observação durante sua viagem ao Paraná: ‘A tendência atual é transformar

os campos do Paraná em campos de invernagem. Ponta Grossa e Palmeira invernam já o gado de Palmas e de Guarapuava e aspiram invernar o de Mato grosso. No sentido próprio, a invernagem é a engorda durante o inverno do gado importado, mas o sentido desta palavra se ampliou, e agora se aplica a todo o ano. O gado importado, no fim do verão, se refugia no mato, onde aumenta de valor durante o inverno, enquanto que o gado importado no fim desta estação encontra belos campos em que engorda ràpidamente” (MACHADO, 1969, p. 99).

Meridional da Região do Contestado, se Curitibanos foi um dos pioneiros pousos de tropeiros, na Estrada da Mata, Campos Novos foi um dos primeiros na Vereda das Missões44.

No final do Século XIX e na entrada dos anos 1900, o tropeirismo enraizou-se em locais cada vez mais internos da Região do Contestado, usando as primeiras estradas abertas pelo pisotear dos animais sobre antigos caminhos, além do percursos da Estrada Real e das veredas das Missões, como nos traçados que se observam em velhos mapas: entre Campos Novos e Curitibanos, passando pela Liberata e pelo Guarda-Mor; de Palmas a Palmeira, via Porto União da Vitória; entre Curitibanos e Porto União da Vitória, via Perdizes (São Sebastião); e, de Perdizes a Vila Nova do Timbó e daí a Canoinhas, apenas para citar alguns. A ligação da Região do Contestado com o Litoral fazia-se, na parte Setentrional, de Canoinhas a Joinville, passando por Rio Negro e São Bento e, na parte Meridional, de Curitibanos à Serra dos Pires, em direção a Rio do Sul e Blumenau, ou de Campos Novos e Curitibanos até Lages e, daí, via serra-a-baixo.

O tropeirismo cargueiro foi também importantíssimo para o desenvolvimento da indústria do mate no interior dos três estados do Sul, promovendo o transporte desde os armazéns, em que os ervateiros depositavam o produto da extração, ou desde os rudimentares barbaquás, aos engenhos nas vilas, com destaque para Curitiba e Joinville e, destas para embarque nos portos