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2.2 A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO NO CABOCLO

2.2.2 Movimento Messiânico

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Sobre as conotações atribuídas aos termos “jagunços” (na Campanha de Canudos) e fanáticos” (na Campanha do Contestado), ver as interpretações de Maria Isaura Pereira de Queiroz, no capitulo “Jagunços” na obra O

Como se observa, há referências explícitas sobre “movimento messiânico” ou “guerra dos fanáticos”, quando o conflito social da Guerra do Contestado é visto com mais ênfase pelo lado religioso.

Por messianismo, entende-se a crença religiosa da vinda de um ‘redentor’, que altera a ordem das coisas para haver mais justiça entre os homens. A ‘vinda do Messias’ é uma crença que acompanha os povos há séculos. Tendo em Jesus Cristo o ‘Messias-Libertador’, as igrejas cristãs são messiânicas em Cristo. Entretanto, outros movimentos, fora das Igrejas e, ao longos dos anos, caracterizam-se como messiânicos por constituírem processos de libertação de grupos sociais localizados, em momentos de desequilíbrio social e manifestados em situações de opressões, em meio à miséria e à ignorância.

Para que um movimento se caracterize como ‘messiânico’, deve conter as propostas básicas da crença popular da volta do Messias, ou a vinda de um representante seu, a fim de proporcionar à sociedade a tão almejada paz e a esperada justiça social, e deve se materializar num grupo formado ao redor de um líder carismático, que apresenta as propostas ao povo. Os movimentos messiânicos são tão velhos quanto a própria humanidade:

A História Humana é perpassada por uma dupla corrente de luta pela modificação das condições de vida dos Homens. Uma corrente chamada ‘prometéica’ tem suas raízes no mito de Prometeu, o homem que ousou invadir a mansão dos deuses para roubar a autonomia dos humanos, conquistar o fogo sagrado. Esta corrente é aquela que é assumida pelos movimentos ditos de revolução social. Não espera um salvador, mas acha que os próprios homens, sem esperar por deuses, têm que assumir seu destino. E a outra corrente, é a messiânica, que espera a solução dos problemas humanos a partir de um Messias, um salvador. Alguém enviado por forças superiores para dar cabo da injustiça e da exploração de que são vítimas os homens. Uma solução quase sempre extra-terrena ou promovida por um ser dotado de qualidades supra-humanas (SOUZA,

in O Contestado, jun. 1977).

O movimento do Contestado se enquadra nos tipos de movimentos religiosos que têm sido chamados de “messiânicos”94, ao lado do de Canudos, Juazeiro, dos “Muckers” e outros similares. Seu conceito tem sido usado entre nós numa acepção por vezes bastante imprecisa.

Messianismo é todo aquele movimento em que um número maior ou menor de pessoas, em estado de grande exaltação emotiva, provocada pelas tensões sociais, se reúnem no culto a um indivíduo considerado portador de poderes sobrenaturais, e se mantêm reunidas na esperança mística de que serão salvas de uma catástrofe universal e (ou)

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Sob o termo messianismo, dois fatos sociais diferentes são designados: a crença na vinda de um enviado divino que trará aos homens a felicidade, a paz, condições mais felizes de existência; e a ação de um grupo que, obedecendo às ordens de um líder que acredita de origem sagrada, tem o fim de realizar sobre a terra a Idade de Ouro prometida messiânica (QUEIROZ, 1957, p. 273).

ingressarão ainda em vida num mundo paradisíaco: a terra sem males, o reino dos céus, a cidade ideal... (QUEIROZ 1981, p. 25l).

A palavra messianismo indica o anseio de um povo, movido por um líder para achar a Terra da Promissão, país onde reina a paz e a prosperidade. “Os movimentos messiânicos registram-se especialmente entre os nativos dos países colonizados; eles serviram como um meio, uma alavanca, para obter a liberdade” (PIETERS, 1981, p. 2). Esta crença foi o impulso dos “fanáticos” para enfrentar tudo e todos com coragem durante o sangrento conflito.

Este impulso chama-se ‘messianismo’ e revela uma das características da alma do nosso homem do campo. O nosso caboclo é essencialmente um místico e sonhador, que vai atrás do paraiso perdido, de um Eldorado nunca atingido. Queremos ver mais de perto este sentimento nobre e perigoso, que vive em certas pessoas, mais declarado numas do que em outras, que é no fundo um elemento positivo, caso seja bem dirigido, mas que mostra uma face horrorosa quando está sendo explorado por homens sem alma (PIETERS, in O Contestado, mar. 1978).

A maioria dos movimentos messiânicos no Brasil encontrou raízes na herança cultural portuguesa, na crença religiosa do “Sebastianismo”95. Foi assim também no Contestado. “Tão enraizado era o espírito messiânico em Portugal, que Lord Tirawley, embaixador inglês, escreveu que a metade da população de Lisboa era de cristãos-novos esperando o messias, e a outra parte era de portugueses que estavam esperando a volta de Dom Sebastião” (PIETERS, in O Contestado, mar. 1978). Pela sua interpretação, temos que nem todos os movimentos messiânicos são sebastianistas e que todos os movimentos sebastianistas são messiânicos96. Foi o “messianismo-sebastianista” que se propagou pelo Sul do Brasil, trazido pelos vincentistas na ocupação do solo meridional, como crença religiosa das camadas mais pobres da população, baseada em profecias que alimentavam suas esperanças por melhores condições de vida.

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No século XVI, em Portugual, o jovem rei Dom Sebastião (1554-1578) foi confundido com um “príncipe encantado”, idealizado pela imaginação de um poeta em 1530, em cujos versos anunciava a próxima volta dele, depois de morto, para ser um libertador. Dom Sebastião, grande guerreiro, foi morto em combate, na batalha de 1578, em Alcazar Quibir, no Marrocos e seu corpo não foi encontrado. Seu desaparecimento animou a crença de que estava “encoberto” e que um dia voltaria, vivo, à frente do “exército celeste”, para levar Portugal ao auge da glória. E “[...] as crenças sebastianistas se tornaram algo que fazia parte da alma portuguesa. E isso passou cheio para o Brasil, onde o mito de Dom Sebastião está escrito em muito verso popular, em muita oração, e onde mais de um messias foi tido como Dom Sebastião reencarnado” (BROD, 1974, p.22.).

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Sobre messianismo no Contestado, recomendamos a leitura de: MONTEIRO, Duglas Teixeira. Os Errantes do

Novo Século; um estudo sobre o surto milenarista do Contestado. São Paulo: Duas Cidades, 1974; QUEIROZ,

Maurício Vinhas de. Messianismo e Conflito Social; a Guerra Sertaneja do Contestado. 3. ed. São Paulo: Ática, 1981; QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. La “Guerre Sainte” au Brésil: Le Mouvement Messianique du

“Contestado”. São Paulo: Boletim USP (187), 1957; e QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Messianismo no Brasil e no mundo. 2. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1976.

São Sebastião sempre recebeu profunda devoção dos caboclos da Região do Contestado, até porque se vincula à idéia de “guerra santa”. Esta idéia aristocrática no cristianismo apareceu quando a Igreja começou a conviver com os poderes constituídos, para a conversão dos infiéis ou gentios por uma “guerra de missão” e foi cristalizada no tempo do papa Gregório Magno pela transformação das imagens dos santos guerreiros. Os primeiros santos (da tradição ocidental) foram: São Jorge, São Martinho, São Maurício, São Miguel e São Sebastião, todos inicialmente só santos, apesar de terem sido guerreiros, mas depois santos-guerreiros, ou santos-militares, assim tidos simultaneamente como soldados de Cristo e soldados da Cristandade.

Uma bem feita imagem de São Sebastião acompanhou constante e permanentemente os sublevados do Contestado, do primeiro ao último acampamento. Conduzida na linha-de-frente, chegou a ser danificada por tiros disparados pelos militares. Depois foi objeto de saque, levada embora, mas acabou voltando ao lugar onde estava antes da Guerra do Contestado: na capela do então Distrito de São Sebastião da Boa Vista, Município de Curitibanos (hoje Distrito de São Sebastião, Município de Lebon Régis).

Curiosamente, mesmo levantando a estátua do São Sebastião santo-guerreiro, o sebastianismo no Contestado direcionou-se em função de Dom Sebastião messias-libertador. Quando os sertanejos organizaram suas forças para combater os militares, criaram aquele que denominaram “Exército Encantado de São Sebastião”, lembrando o “príncipe encantado, o libertador, o santo que voltaria”. Incorporaram a idéia messiânica e também o chamavam de “Exército de São João Maria” ou “de José Maria”, preparado para a guerra santa.