• Nenhum resultado encontrado

1.4 ATIVIDADES ECONÔMICAS NO CONTESTADO

1.4.2 O Monarca da Coxilha no Campesinato

O pastoreio nas fazendas de criação de gado no Território do Contestado tinha duas referências básicas: uma, da origem e procedência dos fazendeiros (os proprietários) e dos peões (seus empregados) e, outra, da época e do traçado em que ocorreram as imigrações de paulistas- curitibanos-paranaenses, de um lado, e rio-grandenses, de outro.

Os fazendeiros e peões que por primeiro ocuparam os Campos Gerais do Paraná, de Guarapuava, de Palmas, de São João, do Irani e o Campo Erê, assim entrarando na parte Setentrional-Ocidental (ou Norte e Oeste) do Território Contestado, não eram nem rio-grandenses e nem gaúchos, e, sim, portugueses e paulistas, depois curitibanos e paranaenses, com cultura diferente daqueles que vieram dos Pampas para viver na parte Meridional-Oriental (ou Sul e Leste) do Território do Contestado, nos Campos de Lages, de Curitibanos e em Campos Novos45. Os pioneiros eram lusos-brasileiros que haviam revelado uma cultura típica paulista, não igual à dos luso-brasileiros que ocuparam o Rio Grande do Sul e desenvolveram a cultura gaúcha46.

45

As diferenças entre o peão de bombacha da região Sul e o peão das botas de cano alto do Sudeste e Centro-Oeste do País podem ser observadas ainda hoje nas expressões do tradicionalismo: enquanto que, na primeira, do saudoso Teixeirinha - o “gaúcho de Passo Fundo”, tchê! - proliferam os centros de tradições gaúchas – CTGs, as festas de rodeios crioulos e a música nativista, na segunda, do famoso Mazaropi - o “Jeca Tatú”, uái! - proliferam as festas de peão-boiadeiro e a música regionalista da região Goiás-São Paulo-Minas, a dita música caipira.

46

Hoje, na voz corrente popular urbana, tem-se que as atividades das fazendas “são coisas de gaúchos”. Inicialmente, explicamos que nem todo o gaúcho é rio-grandense e nem todo rio-grandense é gaúcho (a não ser afetivamente). Os vocábulos não são sinônimos. Isso deve ficar bem claro em nosso estudo, pois, por rio-grandense, consideramos o habitante de qualquer lugar e de qualquer tempo do Rio Grande do Sul e, por gaúcho, o homem intimamente ligado

Rubio Brasiliano tomou emprestado o significado do termo “gaúcho” de Romanguera Correa, que, por sua vez, o havia tomado de Daniel Granada, e faz a sua apresentação:

“Gaúchos eram conhecidos alguns bandos de índios guerreiros e cavaleiros que habitavam grande parte da República Argentina e, obrigados a mudar frequentemente de sítio por causa dos contínuos ataques de seus inimigos, não tinham habitação certa. Mais tarde, aplicou-se aquéla denominação aos restos já muito esparsos e aniquilados pelas guerras dos indígenas que existiam na República Oriental e no Rio Grande do Sul, extremamente valentes e cavaleiros, tinham os mesmos instintos e costumes da vida errante e vadia daquêles cuja denominação receberam”.

Generalizado o têrmo, como sucede a todo vocábulo que sái de seu “habitat”, a palavra “gaúcho” tomou extensão, passou a constituir o símbolo de um povo, têrmo de orgulho, a falar do filho indômito da terra pampeana, o cavaleiro ousado, de poncho e espora, a galopar pelo tapete verde da gléba. [...].

O gaúcho é um produto do meio, consequencia lógica de uma colonização isolada e tardia, exposta aos ataques de vizinhos belicosos e imperialistas. [...].

Como produto do meio, êle incarna maravilhosamente a altivez, que não se abate; a independência, na qual ninguem o supéra; a bravura, que é o seu caráter; e o patriotismo, que é o seu culto extremado (BRASILIANO, 1935, p. 89).

Com vigor, foi só depois da Revolução Farroupilha (1835) e, com muito mais intensidade após a Revolução Federalista (1893), trazendo muitos aventureiros e refugiados, é que a cultura gaúcha, já conhecida no setor Meridional-Oriental do Contestado desde a abertura da Estrada das Tropas, ou Estrada Real, e a partir dos Campos de Lages, chegou ao setor Setentrional-Oeste do Contestado, facilitada pela abertura das veredas das Missões, pois a ligação entre a região das Missões (RS) e os Campos de Palmas (PR) ou os Campos Novos (SC) fazia-se obrigatoriamente por ali.

Para erguer suas estâncias e construir suas fazendas no Rio Grande do Sul, oriundos de São Paulo, muitos tropeiros paulistas e curitibanos, pioneiros na atividade do tropeirismo, estabeleceram-se em sesmarias ou posses ao longo da Estrada Real e suas adjacências. Para cuidar das criações, estes fazendeiros valeram-se de exímios peões que conheceram nos primeiros campos desbravados – de Viamão, das Vacarias do Mar – nas campanhas abaixo de Cruz Alta e de Rio Pardo, onde predominavam os estancieiros que, na maioria, eram imigrantes açorianos que trocaram as lavouras do litoral pelos campos do interior do Rio Grande do Sul e os luso- brasileiros, na maioria originários de São Paulo, compondo as racistas elites das Milícias ou do Regimento dos Dragões, que receberam terras em troca da prestação de serviços militares, como

às atividades das fazendas de criação de gado, tanto o residente no Rio Grande do Sul, como na Argentina, no Uruguai e no Planalto do Paraná e de Santa Catarina. Aquele peão que lida com gado nas fazendas não é, necessariamente, nem gaúcho e nem rio-grandense. Mas é peão.

aconteceu quando da Guerra Guaranítica e da guerra contra o idealista Artigas, entre 1812 e 1817, entre outras oportunidades.

Fora dos pontos mais avançados da colonização castelhana, que vinha do oeste, e as terras ocupadas realmente pelo elemento português, que vinha do norte, passou a formar-se um recanto não policiado, valhacouto de gente má e que tinha em regra contas a ajustar com a justiça. [...]. Afluem em massa aventureiros e gente de trabalho, santos e malvados. [...]. As terras repartem-se entre colonos e soldados, uns e outros pouco se diferenciando entre si. Todo colono vê-se obrigado a ser meio soldado e todo soldado não deixa de ser um colono ou estanceiro. (CIDADE, 1966, p. 18).

Deve-se ressaltar que, nas camadas ricas, onde os escravos tremiam diante de seus donos, nas milícias e nas estâncias da Região Central, ao homem rio-grandense “[...] desde o início foi tomada uma precaução típica da nobreza metropolitana: ele terá que defender a condição de homem branco.[...]. Branco para um lado, negro para outro” (LESSA, 1984, p. 76). Por seu turno, pela proximidade com o Prata e à vista da ligação de Rio Grande com a Colônia de Sacramento, as populações pobres dos pioneiros luso-brasileiros e açorianos da área do Tapes misturaram-se com os negros escravos e com os indígenas e castelhanos do Uruguai. Este tipo humano – etnicamente puro ou mameluco duas vezes, mulato e cafuzo – veio a ser o mesmo que também foi usado como mão-de-obra quando do desbravamento das Vacarias dos Pinhais, pois as primeiras sesmarias da região de Vacaria foram requeridas quando da abertura da Estrada Real.

No limiar do século XIX já se começava a definir uma sociedade rio-grandense. O meio impunha ao lagunense, ao português, ao paulista e ao açoriano suas condições, forçando-os à mudança nos hábitos e costumes, tendendo à uniformização. As vigas mestras da nascente sociedade eram a estância, a igreja e as milícias. Em redor dos grandes estanceiros agrupavam-se parentes, amigos, protegidos, aventureiros, índios e mestiços. Isso tudo, somando aos escravos pretos, formava reduto forte, dando ao chefe do clã poder semelhante ao do antigo senhor feudal.

É certo que a presença constante da guerra mantinha costumes semi-bárbaros. A falta de recursos para existência faustosa, onde predominasse o luxo e o conforto, obrigava o estanceiro a manter padrão de vida semelhante ao de seus peões e agregados. Embora senhor de grandes áreas de campo e de milhares de cabeças de gado, o poder aquisitivo do estanceiro era reduzido. O campo e o gado valiam pouco. [...].

A flor da sociedade habitava o litoral e as vilas de Porto Alegre e Rio Pardo. Entre os fazendeiros do litoral, concentravam-se homens instruídos, com hábitos de vida civilizada, à maneira européia. A proximidade do porto de Rio Grande permitia-lhes reputar melhor os produtos de sua fazenda e adquirir utilidades importadas do Rio de Janeiro ou do reino (FERREIRA FILHO, 1978, p. 64-65).

Francisco de Paula Cidade, em Rio Grande do Sul – Explicação da História pela

Geografia, lembra-nos a chegada dos açorianos e a rápida miscigenação:

Multiplicam-se a partir daí as “entradas”. Muitos trazem os seus haveres, notadamente escravos. Desce, a partir dessa época, uma onda de prêtos e mulatos sobre as campinas

do sul. Em menos de um século já equivalem em número à metade dos brancos. Cruzam-se as três raças, e uma delas, a indígena, entra logo a ser absorvida, notadamente pela raça branca, o que se explica pela beleza das chinas, mulheres que nascem da união dos brancos com as índias. Na segunda, e principalmente na terceira geração, desde que não se verifiquem desvios no processo de cruza, o tipo ariano prevalece definitivamente.

Ficam frente-a-frente, sem que se saiba até quando, brancos e prêtos, entre os quais, como um hífem étnico, borbulham os mulatos, tipos de transição.

Como fossem a princípio raras ali as mulheres brancas, as uniões, quer ocasionais, quer permanentes, entre homens brancos e índias, deviam ter sido as mais comuns. Aliás, as pobres mulheres americanas deviam ter sido conduzidas à fôrça, se não por interêsse, a encher de uma larga descendência de mestiços os primitivos ranchos riograndenses. Ao multiplicarem-se as estâncias, o concubinato deveria crescer sempre mais e mais. A mestiçagem melhoraria a aparência das mulheres e facilitaria a aproximação entre os idos de outras terras e as raparigas nascidas em território riograndense. Surgiriam assim dois novos tipos, embora originários de troncos irmãos: o caboclo e a china. Um é o herói, o façanhudo autor de mil proesas eqüestres e guerreiras, a outra, a amorosa e humilde servidora do seu homem, a inspiradora apagada e anônima de tantos atos que haveriam de levar os lares para a história a fama sem par dos seus descendentes (CIDADE, 1966, p. 25-26).

Continuamos recorrendo a Francisco de Paula Cidade para compreendermos melhor esta população rio-grandense do começo do século XIX que, depois, chegou ao Território do Contestado:

A êsse tempo, já tem começado o ataque dos aventureiros por todos os lados, dos territórios que se estende do Rio Grande do Sul até às margens do Prata, isto é, contra todo o território sul-riograndense e da atual República Oriental do Uruguai. Bandos numerosos de arrebanhadores de gados alçados, de matadores de animais de que se aproveitam apenas certas partes consideradas mais fáceis de transportar, abordam esas terras, vindos dos quatro pontos cardeais. Vieram os chamados faeneros, que provinham do território da atual Argentina, numa situação perfeitamente legal; vieram os changadores, espanhóis, indígenas ou mestiços, os arrojados descendenrtes dos lusitanos e, enfiam, os tropeiros indígenas mandados das dependências dos padres missionários e, os tropeiros portuguêses, vindos da região ao norte das cabeceiras do Rio Uruguai (CIDADE, 1966, p. 33).

Temos, assim, uma noção geral sobre as origens do fazendeiro e do peão-de-fazenda, tipo humano que, como gaúcho, entrou no Planalto Norte do Rio Grande do Sul e que predominou no Planalto Serrano Catarinense, no final do Século XIX e no começo do Século XX – o rio- grandense – originário dos Campos de Viamão e das Vacarias Missioneiras, que veio com a Estrada Real após 1730, ocupando os Campos de Lages e se dirigindo a Campos Novos e aos Campos de Curitibanos. Aqui, nos latifúndios do Planalto Catarinense, longe do grande volume de violência que marcou sua cultura em solo sulino, pôde ele dedicar-se mais ao cotidiano das fazendas de criação, mas, nem por isso, descuidar-se, por experiência própria, das questões de segurança, o que o mantinha alerta permanentemente.

O território do Rio Grande, antes de ser percorrido regularmente pelos homens de negócio e pelos funcionários do govêrno, já era provàvelmente valhacouto de homens sem lei. Isso exige que os seus primeiros povoadores fôssem indivíduos dispostos a tudo. Para insular-se dentro de uma dessas primitivas estâncias era preciso ter muita coragem; para resguardar o que possuía, era indispensável estar sempre pronto para matar ou morrer. Essa onda irriquieta de brigões contribui paradoxalmente para firmar a segurança dos moradores. Só depois disso podem vir os homens morigerados do reino de além-mar. Estabelece-se então a corrente imigratória dos lavradores, de outra índole, como os casais açorianos. Do prolongado contato entre o ramo primitivo, arrebatado, de vida mais um menos nômade, dedicado à pecuária, e o reinol há pouco chegado, surge um tipo intermediário, que é o substractum, que hoje concorre para um outro tipo, que ainda há de firmar-se. [...].

Homens rudes e de pouca fé, ou quando nada, meios crentes, meios descrentes, tangidos pelas asperezas de um meio físico, ainda não submetido à vontade de seus novos possuidores, haviam de extremar-se em suas paixões, dando à vida dêsses tempos heróicos um aspecto semi-bárbaro.

Dêsse caráter primitivo da vida vão surgir necessidades, de cuja satisfação hão de originar-se outras exigências, com reflexos sobre os costumes. O homem vai sentir-se órfão nas solidões dêsses descampados que se perdem de vista, cercado de desconfianças, quando não de inimigos e de malfeitores.

Vai procurar alianças, com as quais diminuirá o número de prováveis rivais e aumentará o de amigos certos. Tornar-se-á cada vez mais hospitaleiro, para beneficiar-se êle mesmo alhures dessa hospitalidade. A experiência, como mestra de vida, mostrar-lhe-á como os gestos fidalgos provocam a reciprocidade. Certos atos de generosidade, praticados como reflexos de necessidades locais, apreciados pela própria prole, passarão a ser olhados como um bem de família e por fim, incorporar-se-ão aos costumes. As gerações que se sucedem aparecem então com tôdas essas qualidades, engastadas na alma (CIDADE, 1966, p. 61- 68).

Destruídas e abandonadas as reduções jesuíticas dos Sete Povos e expulsos os Guarani da Banda Oriental do Uruguai, ficaram expostas as estâncias e as vacarias indígenas, que se estendiam desde São Borja até o Alto Uruguai, com pólo em Cruz Alta, no Mato Castelhano e na Vacaria dos Pinhais, às quais logo acorreram os fazendeiros e estanceiros rio-grandenses. Para os trabalhos rudes, nestas, são recrutados os mesmos homens dos campos do Extremo-Sul, mas agora, a eles adicionando-se com mais vigor o derrotado e sobrevivente elemento indígena Guarani, já familiarizado na lida com o gado missioneiro.

Não podemos esquecer que as primeiras fazendas de criação de gado nos campos de Guarapuava e de Palmas foram instaladas por curitibanos oriundos dos Campos de Curitiba e dos Campos Gerais do Paraná (e não por fazendeiros rio-grandenses) a partir da primeira metade do Século XVIII, estes que, naquela época, levaram para as fazendas de criação numerosos grupos de índios e de mamelucos - e não de gaúchos.

A indústria do transporte e da criação de gado se manteve com resultados satisfatórios para as poucas necessidades da vida rural desse tempo, visto ter penetrado profundamente nos costumes e nos hábitos da população. Por sua vez, os índios e mamelucos aos quais o trabalho da mineração não seduzia, encontraram na vida agitada dos campos de criação e na condução de tropas a longas distâncias, ocupações à feição

de suas índoles, a esse mister se afeiçoando de tal maneira que o Governador da Capitania D. Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, os preferiu para a realização das entradas que lançou a todas as partes do sertão do Sul, recomendando aos seus auxiliares “essa gente cavaleira de Curitiba como a mais própria para enfrentar índios e castelhanos com os quais se confundia” (MARTINS, [s.d.], p. 221).

Os primeiros povadores dos Campos de Guarapuava e de Palmas provinham das pioneiras comunidades curitibanas, de Curitiba, São José dos Pinhais, Campo Largo, Palmeira, Castro e Ponta Grossa. Deles descendem muitas famílias paranaenses que se radicaram também no oeste catarinense e na sua região serrana, no decorrer do século XIX.

Por determinação do Gabinete Imperial, coube às expedições saídas de Guarapuava (a de Athanagildo Pinto Martins, em 1815) e de Palmas (de Francisco Ferreira da Rocha Loures, em 1845) promover a abertura dos caminhos em direção a Passo Fundo, Cruz Alta e São Borja, quando e onde então, finalmente, aqueles desbravadores paulistas-curitibanos dos campos do Oeste do Paraná, encontraram-se com os gaúchos das Missões e, via tropeiros, mútua e gradativamente, foram incorporando as respectivas culturas. No meio do caminho, entre os rios Iguaçu e Uruguai, no Território Contestado, ainda que em menor escala, repetiu-se o processo desenvolvido no tempo inicial do tropeirismo: encostos, pousos, currais, lugarejos, fazendas, povoados.

Entretanto, se mineiros curitibanos ou paranaenses foram os primeiros proprietários de fazendas nos Campos Gerais no Século XVIII, inicialmente valendo-se da mão de obra do índio e do mameluco, o mesmo não aconteceu mais no Século XIX, quando eles mesmos ou os seus descendentes, agora proprietários de fazendas em Guarapuava e Palmas, passaram a contar com outro tipo de mão-de-obra, muito mais eficiente nas lidas do gado do que os antigos trabalhadores em minas: o peão rio-grandense, que, pela Estrada Real, já havia subido ao Centro do Paraná47.

47

Descrição do homem dos campos gerais paranaenses, produzida em 1844 por Salvador José Correia Coelho: “Aquelle que nos Campos-geraes entrega-se continuamente ao costeio da criação no campo, fazendo o serviço a cavallo, é conhecido “monarcha da coxilha”; traz na cabeça um chapéozinho de copa rasa e abas um tanto largas, que prende-se ao rosto por uma barbella de trancelim de seda ou algodão tinctos; põe-no á banda e não usa de gravata; por cima da camisa traz o poncho listrado e fimbrado, a que se dá o nome de “palla” -, feito de lan; à cintura a “guaiaca” – sorte d’ornato que tem o duplo fim de servir-lhe de bolsa e de cinta; esta peça de coiro garroteado e ornada de bordados floreos de retroz de côres, na face ostensiva é presa por dois broches, ordinariamente duas moedas d’oiro, prata ou metal branco, conforme os teres do individuo; calças mui largas com feições de ceroilas; botas de coiro crú, de ordinario umas perneiras; esporas de enormes rosetas com largas presilhas ou correntes, que quasi impedem o andar do proprietario, chamam-nas – “chilenas” – e são tam grandes que não permitem em marcha conservar os pés na posição natural, força é pois mover-se nas pontas d’elles tardiamente como preguiça ou tartaruga em terra. Na parte superior do abdomen permanece a faca de ponta, aparelhada de prata; o chicote pende, por uma presilha do braço esquerdo do cavaleiro, que estriba na ponta dos pés e segura a brida com a dextra; traz á cinta uma

O homem paranaense, que, como fazendeiro, mateiro ou tropeiro, adentrou para o interior do Paraná, tinha uma linguagem um tanto diferente do homem rio-grandense das Missões.

O tropeiro paranaense (o “curitibano”) que palmilhava as estradas que o levavam às Missões, era chamado de ‘biriva’ pelo ‘gaúcho-do-campo’. Era o ‘mateiro’, habituado a varar os sertões, denominação essa que mais tarde passou a designar o ‘gaúcho-serrano’ em geral”. Este “linguajar serrano”, diz Roselys, “chama a atenção por sua pronúncia, a qual se constata ser idêntica à das populações paranaenses do Paraná tradicional (RODERJAN, 1992, p. 270-271).

Se grande era a influência paranaense na região Serrana do Planalto Médio Rio-grandense entre os “donos-de-terras”, o mesmo não acontecia na região ao lado - a das Missões - ou mais abaixo - na Campanha - onde predominavam os “fazendeiros-gaúchos-de-fato” e, também, tal influência não existia entre seus peões, na maioria contratados na vizinhança. Ao contrário do que era respeitado anos antes na parte Meridional do Rio Grande do Sul, em São Borja das Missões, em 1821, Saint-Hilaire observou o aprofundamento da miscigenação entre brancos e índios: “difícil encontrar um miliciano que não se faça acompanhar de uma índia, mesmo em diligências como a da captura de um negro que cometera desatinos do outro lado do rio Uruguai.

[...]. Quase todos os milicianos são assim amasiados a índias” (Apud LESSA, 1984, p. 156). Lamentando o fato, previu Saint-Hilaire uma metamorfose no povo gaúcho- missioneiro:

Essas misturas farão a Capitania do Rio Grande perder a sua maior vantagem – a de possuir uma população sem mescla. Os filhos de pais brancos e índias guaranis não terão a docilidade que é virtual desse povo e, criados por índias ou abandonados a si