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Desde a época da Governadoria-Geral do Brasil, os portugueses aproveitaram para se consolidar na costa brasileira e avançar para o Oeste, utilizando o sistema agrário das sesmarias25, uma herança do tempo das capitanias hereditárias. A atividade pastoril, forma inicial do povoamento do sertão brasileiro, realizou-se por meio de concessões de terras em sesmarias e sua distribuição foi motivada pela necessidade da criação extensiva de gado. Eram “datas” de enormes proporções, geralmente muito maiores que as sesmarias do litoral, o que se justificava diante da necessidade de amplas áreas de pastagens. A pecuária representou uma das mais importantes atividades para a ocupação e o desbravamento das diversas regiões do Brasil, pois

[...] foi ela que deu ao homem colonial a noção do valor econômico das áreas que não tinham riquezas minerais e que não se prestavam à agricultura. Foi, pois, nos sertões do centro, nordeste e sul que ocorreram as primeiras concessões de sesmarias para a criação de gado, visando a fixação do homem no interior (RITTER, 1980, p. 53).

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As sesmarias caracterizavam a cessão gratuita do uso da terra, em áreas devolutas no litoral e no sertão, para minas, lavoura e pecuária.

As sesmarias tinham a extensão de três léguas quadradas, medidas com três léguas de comprimento por uma légua de largura26. Elas não deviam encostar umas nas outras. Entre elas deveria ficar um amplo espaço de terras livres, que se conservariam devolutas. Os sesmeiros não permitiam que outros moradores nelas se estabelecessem. As pessoas de poucos recursos, que não podiam obtê-las junto ao governo, ocupavam clandestinamente e cultivavam as áreas, e, só mais tarde, quando isto fosse possível, tentavam solicitá-las como sesmarias. As primeiras ocupações por posses aconteciam nas zonas livres entre uma sesmaria e outra, logo se estendendo às sesmarias que não haviam sido desenvolvidas pelos seus titulares. Os pobres se estabeleciam nos terrenos aparentemente sem dono, construíam pequenas casas e iniciavam o cultivo. Mas, “subitamente surgia um homem rico portando o título que conseguira na véspera, expulsando-os e ainda se utilizando do fruto de seu trabalho. Ou o pequeno lavrador arrendava essa parcela, plantando principalmente milho e feijão” (FERREIRA FILHO, 1978, p. 75).

Como as concessões relacionavam-se diretamente à propriedade de capitais e escravos do requerente, ao homem de menos recursos poucas alternativas restavam. Se pretendesse ter terra, ou a arrendava do sesmeiro, que era o proprietário, ou se apossava dela, mesmo sabendo correr riscos. Assim, começaram a surgir divergências mais sérias entre os sesmeiros e os posseiros. Ao longo do tempo, tais conflitos se tornaram mais freqüentes. Para os caboclos despojados, a propriedade da terra era o caminho para a almejada ascensão social. Por isso, sem acesso às doações de sesmarias, para os homens de poucos recursos, o “apossamento” foi a fórmula encontrada para tentar a propriedade.

No Sul do Brasil, o sistema de sesmarias expandiu-se a partir de Laguna (em Santa Catarina), pela faixa litorânea do Rio Grande do Sul, aos Campos de Viamão, Barra do Rio Grande, até a Colônia de Sacramento na margem esquerda do Estuário da Prata, alcançando também o Rio Pardo, para regulamentar as posses dos desbravadores pioneiros da Costa e para promover a fixação de portugueses, de paulistas e de lagunenses no Extremo-Sul da Colônia, que começavam a prear os rebanhos de muares, eqüinos, ovinos e bovinos, que pastavam livremente nas Vacarias do Mar, abandonadas pelos Guarani27 quando dos ataques dos bandeirantes a Tapes.

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A sesmaria de uma légua de frente por três léguas de fundo, no formato retangular, media seis quilômetros de frente por dezoito quilômetros de fundo, totalizando 10.800 hectares, equivalente a 4.463 alqueires paulistas.

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Surgiram as sesmarias, também, para fixar o elemento de língua portuguesa na área, a fim de evitar a penetração dos espanhóis de Buenos Aires.

Há muito tempo vagueavam pelos pampas, ao norte do rio da Prata, grandes rebanhos selvagens que atraíam tanto portugueses como espanhóis. Tropas lusitanas e espanholas, quando em luta pela posse da Colônia de Sacramento, caçavam esses animais mais bravos. O próprio estabelecimento português transformou-se num centro de preadores de gado e aí se desenvolveu importante indústria de couro. Os bandeirantes, de preadores de índios que eram, passaram a preadores de reses no momento em que descobriram o valor econômico daqueles rebanhos. Mais tarde, estes paulistas solicitaram terras em sesmaria, tornando-se povoadores e organizadores de estâncias, como eram chamadas as fazendas no sul (RITTER, 1980, p. 55-56).

Quanto ao Paraná, os primórdios da ocupação das terras do hoje Estado vinculam-se às sesmarias concedidas por São Paulo para a lavra de minas entre Santos e Paranaguá, na metade do Século XVI, a partir de quando a zona litorânea foi alvo das bandeiras paulistas mineradoras e escravagistas de índios Carijó. As bandeiras cortaram a região Oeste, entre 1628 e 1638, quando das investidas contra os Guarani, na Província Jesuítica Espanhola de Guairá, bem como até 1641, quando dos ataques às reduções na Província de Tapes, no Rio Grande do Sul.

O povoamento do Paraná ocorria apenas na área da Serra do Mar para o Litoral, e sua economia girava em torno das minas. O Oeste era compreendido genericamente como Sertão de Paranaguá. As entradas para o Cimo da Serra aconteceram, primeiro, pela busca de ouro e, depois, quando houve necessidade de se instalarem criatórios de gado bovino para atender a alimentação da população das minas. As terras mais próximas escolhidas foram as dos Campos de Curitiba, estendendo-se a São José dos Pinhais e, a seguir, para Campo Largo e Lapa.

Os paulistas iniciaram a marcha para o Planalto, alcançando os chamados Campos Gerais do Paraná, que também se mostraram propícios para a criação de gado e, assim, chegaram a Campo do Tenente, Palmeira, Ponta Grossa e Castro onde a eles foram concedidas inúmeras sesmarias de campos. Com a abertura da Estrada Real, o movimento das tropas estendeu a ocupação das terras para o Norte, em direção a Sorocaba, e para o Sul, em direção ao Rio Negro, em terras devolutas e despovoadas.

No litoral catarinense, na medida em que iam sendo abertos os caminhos no Sul, eram concedidas sesmarias para aqueles que desejavam se instalar nos trajetos que ligavam as estâncias, as invernadas e os currais, primeiro com Laguna, de onde os rebanhos eram embarcados em navios, a seguir com Lages, pela Estrada dos Conventos e seus atalhos e, depois, de Vacaria e Lages pela Estrada das Tropas, rumo ao Norte, até os Campos Gerais do Paraná, por onde os rebanhos transitavam em direção à Feira de Sorocaba.

Estas eram as Sesmarias das Invernadas, destinadas a engorda e descanso do gado vindo do sul para ser comercializado na feira de Sorocaba. Serviam de certa forma como Sesmarias de Caminhos, onde desenvolvia a agricultura de subsistência para a sustentação do trânsito das tropas, incentivadas pela possibilidade de ganho que a intensa circulação entre as capitanias propiciava. O povoamento atingia os sertões da Colônia e iam surgindo novas povoações, muitas delas elevadas à categoria de vilas (RITTER, 1980, p. 64).

Depois de promover a ocupação dos Campos de Guarapuava, a descoberta dos Campos de Palmas e de Campo Erê, a frente de expansão paulista na Comarca de Curitiba viabilizou a instalação de muitas famílias de fazendeiros, estas que, por força da mudança na legislação sobre terras, após a Lei das Terras de 1850 não mais as recebiam em doação; tinham de adquiri-las, ainda que a preço vil. O mesmo aconteceu com aqueles que, mesmo através de posses, instalaram-se entre os Campos de Palmas e Porto União da Vitória e, desta vila, a Rio Negro, São Mateus do Sul e Lapa. Na exposição dos processos de ocupação das terras meridionais e orientais do Contestado, constatamos a total ausência de qualquer participação de Santa Catarina no seu desbravamento ou desenvolvimento, até a anexação lageana em 1820. Adiante, veremos que o mesmo aconteceu quando da ocupação das terras setentrionais e ocidentais do Contestado.