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2.3 A FORMAÇÃO GUERREIRA DO HOMEM DO CONTESTADO

2.3.3 Voluntários da Pátria

Ainda do século XIX, temos a Guerra do Paraguai (a mesma que no Paraguai chamam de "Guerra do Brasil") como instrumento contributivo à formação do espírito guerreiro do homem do Contestado, quando nela anotamos, comprovadamente, a participação de pessoas aqui residentes no tempo da Guerra do Contestado103.

Era comandante da escolta de recrutamento sediada em Campos Novos, o Capitão Juca, vulgarmente conhecido como Nhonhô Grande.

Entre os que se apresentaram para lutar, destacam-se os seguintes: Vidal Gomes de Campos, que por ato de bravura foi promovido a capitão; João Perpétuo cavalheiro, que perdeu a mão direita na campanha; Raimundo Ricardo da Silva, que substituiu Juca Eleutério, este residente no Barracão, Província do Rio Grande do Sul, recebendo em pagamento 50 bois; Manoel Pontes, que serviu como voluntário no 14º Regimento de Cavalaria do 2º Exército, e recebeu, de acordo com as leis vigentes, 50 hectares de terras no local Rio Preto, margem esquerda do Rio do Peixe; e Leopoldo, filho de Antonio Bruxo, que foi recrutado (BLASI, 1994, p. 42).

A experiência militar do caboclo catarinense também foi adquirida nos corpos dos Voluntários da Pátria, criados no Brasil Imperial em 1865, no início da guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) contra o Paraguai, quando aconteceu a invasão paraguaia na Província de Mato Grosso. Da mesma forma como enfocamos a Revolução Farroupilha, aqui não nos interessa a narrativa histórica da Guerra do Paraguai, mas, sim, seus reflexos no Contestado.

Na época, o Exército Brasileiro tinha efetivo inferior a 16 mil homens, incluindo a Armada (Marinha), insuficientes para a defesa nacional. Num primeiro momento, o Império convocou a Guarda Nacional e, em seguida, decidiu formar corpos provisórios de primeira linha para o serviço de guerra, com a denominação de Voluntários da Pátria104 .

Compatriotas civis do Paraná e de Santa Catarina foram imediatamente convocados a integrar as companhias. No Território do Contestado, foram organizadas em Rio Negro, União da Vitória, Palmas e Guarapuava, pela Província do Paraná e, por Santa Catarina, em Lages,

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Foi o caso, por exemplo, de Manuel dos Santos Correia e de Vergilio Gonçalves de Chagas, de famílias pioneiras na região de Taquara Verde, em Caçador, que, ainda em 1925, com comprovantes, requereram em Caçador o título de "Voluntários da Pátria", que era concedido pelo antigo Império aos homens que serviram o Brasil na Guerra do Paraguai. E Paulo Blasi revela-nos nomes de cidadãos camposnovenses que foram recrutados para lutar na Guerra do Paraguai, destacando que "muitos outros filhos de Campos Novos deixaram de servir por terem pago as importâncias exigidas pelo Comandante" (BLASI, 1994, p. 42).

Curitibanos e Campos Novos. Os corpos voluntários eram formados, respectivamente, em Curitiba e em Desterro, de onde eram enviados para os campos de batalha. As unidades eram comandadas por oficiais de primeira linha do Exército e comissionados da Guarda Nacional. Em abril de 1866, o Brasil já dispunha de 48 batalhões, com média de 500 homens cada um, além de cerca de18 mil guardas nacionais incorporados105. Durante meses seguidos, o solo castelhano foi manchado com o sangue dos brasileiros e, dentre eles, um número impossível de se calcular de homens alistados no Contestado. Consta em parte do comando do 2º Corpo do Exército, de setembro de 1866, quando do ataque à Fortaleza de Curuzú: "Recebidos a ponta-de-lança, a golpes de machados, à baioneta e a tiros à queima-roupa, a nossa gente caía, morta e ferida, como basta messe ao roçagar de cegadora foice" (CERQUEIRA, 1980, p. 28).

Era uma confusão violenta de homens a marche-marche e cavalos a galope, brados de avançar, feridos e mortos, toques de corneta incessantes e tiros de fuzil, surriadas de canhões e foguetes, gemidos e vivas, que faziam trepidar o meu pobre corpo, provocando-me uma sensação de náusea indefinida.

Tínhamos perto uma vala imensa, atopetada de cadáveres denegridos pela podridão, moços e velhos, todos nús com ferimentos medonhos de lança, de bala, de faca. As gargantas cortadas, cobertas de varejeiras, os peitos largamente fendidos e restos de intestinos, que os urubús já tinham arrancado. Todos imensamente inchados. Um ou outro com os olhos esbugalhados, quase todos só com as órbitas, que os abutres cavaram (CERQUEIRA, 1980, p. 28).

No total, estiveram na Guerra do Paraguai 57 Corpos de Voluntários da Pátria e mais de 40 Corpos da Guarda Nacional, que mobilizaram mais de 140 mil homens durante os cinco longos anos do conflito internacional. Juntos, concorreram com 75% do efetivo militar brasileiro presente no país vizinho. As perdas brasileiras sofridas por mortes, ferimentos, doenças e invalidez alcançaram a 40% do efetivo.

Cada província brasileira foi "conclamada" a participar com o mínimo de 1% da sua população, devendo recrutar tanto "voluntários" como "designados" pela Guarda Nacional. E, aos negros ainda escravos, era oferecida a liberdade. O que é pouco divulgado, é o fato que, após 1850, registrou-se uma “relativa obrigatoriedade” do serviço na Guarda Nacional. O alistamento era cada vez mais usado para se perseguir adversários ou para se disciplinar rebeldes:

Tampouco é de se crer em apresentação voluntária do conjunto do corpo de guardas nacionais. A verdade é que estes eram praticamente propriedade de seus comandantes e autoridades locais, que apresentavam voluntariamente os serviços de todo o contingente militar sob o seu controle para a guerra (SALLES, 1990, p. 103).

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Cada Corpo Voluntário da Pátria em ação no Paraguai - de Infantaria, Artilharia e Cavalaria - além do distintivo comum, usava um fardamento próprio. Os catarinenses, por exemplo, identificavam-se pelo uso de faixas verdes e, por isso, eram conhecidos como "barrigas-verdes".

Assim, durante muito tempo, encobriu-se que o grosso das tropas em missão no Paraguai era formado a partir da obrigatoriedade do serviço na Guarda Nacional. Segundo Ricardo Salles, o “voluntariamento” dos corpos da Guarda Nacional, está posto em dúvida. Os “soldados” do Contestado, tirados das suas casas em vilas e fazendas, alistados voluntariamente ou recrutados nos corpos de guarda, nesta guerra onde imperou o genocídio, receberam valiosas lições de combate, incluindo a disciplina, o culto à bravura, a valorização da coragem, o correto uso das armas de fogo, os meios de sobrevivência e a exaltação ao uso da espada e da baioneta.

Depois da experiência e com a nova formação, os caboclos que sobreviveram à Guerra do Paraguai voltaram aos seus lares, sendo reintegrados aos esquadrões da Guarda Nacional, sempre comandados pelos fazendeiros-coronéis.