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1.5 ÍNDIOS E NEGROS NA FORMAÇÃO DO HOMEM DO CONTESTADO

1.5.1.2 Os Xokleng

As terras mais altas, frias e úmidas do Contestado, na Serra Geral, incluindo a densa mata de araucárias da Serra do Espigão, constituiam parte do habitat dos Xokleng, como se nelas tivessem buscado refúgio para escapar dos também ferozes co-irmãos Kaigang, estes que preferiam viver nas áreas mais abertas dos campos. Mesmo pertencendo a um só tronco, o Macro Gê, as culturas dos dois grupos apresentavam sensíveis diferenças culturais. Assim, era no abrigo da escuridão dos pinhais, que os Xokleng construíam suas habitações. Conhecidos simplesmente por “bugres” ou apenas “botocudos”, estes nativos camuflavam-se na vegetação de tal sorte que era muito difícil percebê-los.

Os Xokleng viviam em grupos, separados uns dos outros, que volta e meia lutavam entre si, disputando espaço, sem contar que, permanentemente, lutavam contra os Kaigang, inclusive para roubar-lhes as mulheres, e atacavam impiedosamente os brancos das frentes pioneiras que avançavam sobre seus territórios. Suas armas de guerra e de caça eram: o arco, a flecha, a lança e a borduna. Viviam percorrendo as florestas em busca de alimentação, dividindo com os companheiros o que conseguiam caçar ou coletar, como raízes, frutos silvestres, pinhões, mel e larvas. Faziam uma bebida fermentada à base de mel, água e xaxim. O fogo era obtido pela fricção de pedras. Comiam carne assada na brasa e também preparavam o barreado. A base de alimentação entre março e junho era o pinhão, que retiravam das pinhas; também armazenavam as pinhas em cestos, que eram mergulhados das águas frias de córregos no interior da floresta, para alimentação nos meses seguintes.

Perambulando pelas matas, costumavam acampar ao relento, sob as copas das árvores. Algumas vezes, faziam pequenos ranchos de varas finas, com teto em forma de abóboda, coberto de folhas de coqueiros, palmeiras ou xaxins. Quando acampavam, construíam choças maiores, para uso coletivo. Obtinham vasilhames de troncos escavados em forma de cochos. Fabricavam cestos de vários tamanhos e para variados fins. Tornavam alguns balaios impermeáveis forrando- os com cera de abelha. Com técnica pouco refinada, faziam vasos de cerâmica e, as panelas, de barro e carvão amassados, que depois de moldadas e secas, eram queimadas para se obter consistência e durabilidade.

Até o contato mais direto com o homem-branco, quando da abertura da Estrada das Tropas e da fundação da Vila de Lages, os Xokleng consideravam-se os senhores da parte Setentrional da Região do Contestado. Ainda no início deste século, instigavam colonos, fazendeiros e, inclusive, os trabalhadores na construção da estrada-de-ferro. No tempo da virada do século, foram caçados como animais por bandos armados de “bugreiros”, a soldo de empresas colonizadoras, que invadiam a mata para liquidá-los. Os sobreviventes, aldeados, mais tarde foram confinados a reservas.

A primeira tentativa oficial de aldeamento dos grupos Xokleng da área Setentrional da Região do Contestado foi em Papanduva, no então chamado “Sertão do Rio Negro”, em abril de 1875, por iniciativa do Governo da Província do Paraná, que administrava esta parte do Território Contestado. A criação deste aldeamento, denominado de Aldeamento São Tomás de Papanduva, “não tinha por finalidade proteger o indígena Xokleng da extinção. Visava primordialmente diminuir o número de assassinatos cometidos pelos índios na estrada da Mata” (WACHOWICZ, 1980, p. 69). Por problemas burocráticos na administração do aldeamento e à vista das dificuldades em atrair os ferozes e indomados botocudos, o posto foi extinto em dezembro de 1877.

Com a criação do Serviço de Proteção aos Índios, em 1910, foi designado para a Inspetoria de Santa Catarina o Tenente José Vieira da Rosa56

[...] logo o novo Serviço começou a receber inúmeras críticas. Os índios prosseguiam em seus ataques às propriedades dos brancos, em busca de alimentos e ferramentas. As ações deflagradas por Vieira da Rosa mostraram-se insuficientes para conter os indígenas e evitar as pressões exercidas pelas colônias. As representações diplomáticas da Itália e da Alemanha exigiam que o governo brasileiro garantisse a segurança dos imigrantes. A direção do SPI decidiu, então, dar mais atenção à Região Sul, instalando "postos de atração" em diferentes pontos do Vale do Itajaí e na região do Rio Negro (Porto União), onde os índios haviam atacado os operários que construíam a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande e ameaçavam os imigrantes que estavam sendo instalados ao longo da linha férrea (SANTOS, 1997, p. 55).

A tentativa de aldeamento dos Xokleng, então conhecidos como “Botocudos de Palmas e União da Vitória”, promovida pelo Serviço de Proteção aos Índios, em 1911, foi liderada pelo experiente sertanista gaúcho Fioravante Esperança. O posto de atração, inicialmente idealizado

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Este militar, depois com a patente de Capitão, comandou destacamento do 54º Batalhão de Caçadores, de Florianópolis, que esteve na região em 1914-1915, participando ativamente da Guerra do Contestado, ao final da qual liderou pessoalmente as operações de genocídio contra os líderes dos caboclos revoltosos que haviam sobrevivido aos combates.

para agrupar os Kaigang, localizado em Rincão do Tigre, na Fazenda Monte Alegre, estava sendo gradativamente cada vez mais frequentado pelos índios, até que, um dia, em 1912, ali chegaram dois fazendeiros, Cândido Mendes e José Pacheco, que antes haviam tomado parte em batidas contra os Xokleng mais arredios. Os índios revoltaram-se e massacraram tanto os visitantes como os empregados do posto, incluindo o sertanista57, sendo que apenas o cozinheiro conseguiu escapar (SANTOS, 1973, p. 158). Imediatamente, o grupo de botocudos retirou-se da área e, deles, não se teve mais notícias.

Os últimos Xokleng arredios da área que compreende a Serra do Espigão, a Serra da Taquara Verde, os Campos de São João, os Vales do Timbó e do Iguaçu, até os Campos de Palmas, foram aldeados em 1918 pelo indigenista João Gomes Pereira, conhecido como João Serrano, contratado pelo Serviço de Proteção aos Índios no Toldo de São João dos Pobres (mas, “Toldo do Quati” para os Xokleng), localizado na margem direita do Rio dos Pardos, na divisa dos municípios de Porto União e Matos Costa. Dos cerca de 50 elementos da tribo Xokleng original, liderada pelo velho Dujavin Kilhitá, aldeada por Serrano no início do século XX, no final dos anos 1950 restavam no Quati apenas seis descendentes. Anos depois, pelas condições de extrema pobreza, a maioria abandonou o toldo.