• Nenhum resultado encontrado

A Revolução do Gumercindo no Contestado

2.3 A FORMAÇÃO GUERREIRA DO HOMEM DO CONTESTADO

2.3.4 A Revolução do Gumercindo no Contestado

Logo após a Proclamação da República, mais um movimento belicoso envolveu o caboclo-pardo catarinense: a Revolução Federalista de 1893 que, apesar do pouco tempo de duração - apenas dois anos - se comparada com outros movimentos armados do século, caracterizou-se como uma das mais violentas no Território do Contestado106. Em nossos estudos regionais em História, ela é também considerada como a "revolução da degola", pela prática habitual do degolamento de inimigos e por conter, muito centradas, cenas de violência entre "maragatos" e "pica-paus" ou "chimangos".

A 2 de fevereiro de 1893, no Rio Grande do Sul, eclodiu o movimento revolucionário dos federalistas, dispostos a assumir o poder na terra gaúcha, a derrubar Floriano da presidência e, se possível, separar os três Estados sulinos para formar um novo país. O movimento encontrou inúmeros adeptos no Litoral e no Planalto Catarinense, dividindo a população e os coronéis da Guarda Nacional. Com a aproximação das tropas rebeldes pelos campos de Vacaria, mobilizaram-se os combatentes no Território do Contestado, uns dispostos a lutar a seu lado, outros prontos para combatê-las. Esta preparação para a luta atingiu fazendas, freguesias e vilas.

106

Nos anos de 1970, quando entrevistamos caboclos sobreviventes da Guerra do Contestado, observamos que com eles não poderíamos usar a expressão "Revolução Federalista" - aqui desconhecida - pois, deste tempo, eles só identificavam a "Revolução do Gumercindo", referindo-se a Gumercindo Saraiva, líder federalista revoltoso, pessoa que muitos conheceram e lutaram, uns ao seu lado e outros contra ele.

Como aqui residiam muitos gaúchos ex-farroupilhas, não foram poucos os chefes políticos, simpatizantes do movimento federalista, que decidiram apoiar estas tropas.

Em abril de 1893, no Rio Grande do Sul, o Exército Republicano, chamado de "pica-pau", organizou uma poderosa coluna, denominada "Divisão Norte", que passou a perseguir os federalistas a partir de Santa Maria, pois os revoltosos encaminhavam-se cada vez mais para o Norte e, em setembro, concentravam-se em Vacaria. Evitando o confronto direto com a divisão, a 6 de novembro, os "maragatos" entraram em Santa Catarina e, ao passar o Rio Pelotas, no Passo do Inferno, dividiram-se em duas colunas: uma partiu pela Estrada dos Conventos, rumo a Tubarão, enquanto que a outra, sob o comando do caudilho Gumercindo Saraiva, seguiu direto para a cidade de Lages e, daí, rumo Norte, pela antiga Estrada das Tropas. Em Lages, deixou uma força, comandada por seu irmão, Aparício Saraiva, para garantir a retaguarda. A divisão republicana chegou ao Pelotas a 11 de novembro, adentrou terras catarinenses e optou por perseguir a coluna de Gumercindo Saraiva, não sem antes combater, de 15 a 19, a guarda de Aparício Saraiva e as forças lageanas que a ele se haviam juntado.

Gumercindo Saraiva e seus 1.600 homens, acrescido de forças federalistas lageanas comandadas pelo coronel Paulino Chagas, depois de cruzar o Passo do Rio Canoas, chegou a Curitibanos, acampando dias 20 e 21 de novembro na Fazenda Estância Nova. A população da vila e suas cercanias viu chegada a hora de participar da "Revolução do Gumercindo". Simpatizantes do Partido Federalista abasteceram os revoltosos com mantimentos e os esquadrões da Guarda Nacional com remanescentes dos Voluntários da Pátria, que se incorporaram à coluna. Mas outros esquadrões, comandados por coronéis adeptos ao Partido Republicano, mobilizaram-se na região para combatê-los.

De Curitibanos, a coluna de Gumercindo Saraiva seguiu para o litoral, via Serra dos Pires, chegando dia 27 em Indaial, dia 29 em Blumenau e em Itajaí dia 30 de novembro, de onde rumou para Florianópolis, cujo Governo Estadual havia aderido à revolução. Em seguida, tomou o rumo de Joinville, ali chegando a 3 de dezembro, e, via São Bento do Sul, entrou no Paraná, enfrentando e superando resistência em Tijucas do Sul.

Em março de 1894, o Marechal Floriano organizou tropas no Rio de Janeiro e em São Paulo, preparando o contra-ataque. Com frota naval equipada nos Estados Unidos, começou a vencer diversas batalhas marítimas, estabelecendo o pânico entre os federalistas que, depois de dominarem Paranaguá, Curitiba, Lapa e Ponta Grossa, resolveram recuar, retirando-se da Lapa

em três colunas, comandadas por Gumercindo (rumo a Porto União) por Aparício (rumo Rio Negro) e por Juca Tigre (que foi a Guarapuava e Palmas e, dali, teve que seguir para a Argentina).

As forças de Gumercindo Saraiva saíram da Lapa, atingindo Porto União da Vitória no final de abril, onde atravessaram o Rio Iguaçu, dali seguindo pela Estrada Estratégica até o Rio Jangada. Em seguida, adentraram na Fazenda Horizonte, já nos Campos de Palmas, de onde empreenderam marcha pelo sertão para chegar ao Rio do Peixe, margeando-o no rumo Sul até Erval (no Passo de Limeira), onde o atravessaram e então, nas proximidade de Campos Novos, alcançaram a coluna de Aparício Saraiva. Agora juntas, atravessaram o Rio Pelotas e entraram novamente em solo gaúcho, passando o Rio do Peixe, que marcava a divisa entre Paraná e Santa Catarina (DOURADO, 1896, p. 219).

A coluna comandada por Aparício Saraiva, da qual fazia parte o destacamento do valente Torquato Severo, tomou o rumo de Rio Negro, atravessando a Região do Contestado pela Estrada das Tropas, descendo direto pela Estrada das Tropas até o Rio Marombas, desviando Curitibanos e Lages, chegando a Campos Novos.

A marcha de Apparicio com a sua columna seria digna de uma odyssea [...] Logo ao começar a marcha Apparicio sentiu que a deffecção de nossas forças começava. [...] Apparicio era um retirante esperando sempre, a toda hora, a todo momento, um ataque: Não tinha mais nem uma retaguarda protetora, nem em frente um paiz onde pudessem chegar e repousar. À retaguarda o inimigo, no flanco esquerdo, o inimigo, e no flanco direito onde os companheiros poderiam ajudal-o, a noticia do desastre da columna de Juca Tigre. [...] Foi n'essas condições que elles emprehenderam a marcha em direcção de Campos Novos, na fronteira rio-grandense, onde deviam se achar os generaes Arthur Costa e Menna Barreto, segundo jornaes floreanistas chegados do Desterro onde depois de ennumerar suas forças e disposições diziam: Os bandidos estão n'um circulo de ferro, onde serão esmagados sem escapar um só. A columna que não conta com mais de mil homens, sem cavallos capazes para batalha, seguiu portanto com essa resignação de quem marcha para o seu fim. Na Serra do Espigão tiveram de desfazer o calçamento a picareta, por ser muito escorregadio e a subida muito a pique. Depois tiveram a passagem do Rio Maromba, cheio de rochas, de correnteza extraordinaria. Deixaram Curitibanos á esquerda (DOURADO, 1896, p. 224-225).

A mando do Marechal Floriano, em abril de 1894, chegou a Desterro (hoje Florianópolis) o coronel Antonio Moreira Cesar, assumindo a governança militar de Santa Catarina. Logo revelou seu espírito mau, de tarimbeiro sanguinário e feroz, implantando uma nova fase de terror, perseguindo todos aqueles que eram apontados como "inimigos da legalidade". Durante todo o segundo semestre deste ano, um destacamento comandando pelo capitão Pessoa, cumprindo ordens de Moreira Cesar, assolou o Planalto Catarinense, perseguindo "maragatos". A vingança foi terrível: muitas propriedades eram saqueadas, casas eram incendiadas, as prisões eram feitas

sem critérios, os fuzilamentos eram sumários e as torturas praticadas indignavam até os legalistas da região.

Com esta tremenda demonstração de força política e militar, o governo republicano marcou profundamente o caboclo catarinense, que não esqueceria, tão cedo e nem tão facilmente, as atrocidades cometidas contra seus familiares e amigos107. O ódio do homem do Contestado aos republicanos passou a ser alimentado a cada massacre depois de terminada a revolução. Este ódio não era apenas do caboclo para com os militares republicanos; era também contra outros caboclos, aqui residentes, que apoiaram os legalistas contra o líder Gumercindo.

Quando da deflagração da Revolução Federalista, na última década do Século XIX, que atingiu a Região do Contestado com maior intensidade no ano de 1894, o Paraná mantinha no setor Ocidental do Território Contestado com Santa Catarina, o grande e vasto Município de Palmas, com divisas de Porto União da Vitória e Rio do Peixe à fronteira com a Argentina, entre os cursos dos rios Iguaçu e Uruguai (na fronteira com o Rio Grande do Sul).

Em fins de 1893, Curitiba sediava o 5º Distrito Militar, que abrangia também Santa Catarina. No Planalto Ocidental, as guarnições militares consistiam no Comando de Fronteira, em Palmas, as colônias militares de Chapecó (em Xanxerê) e do Chopim, que articulavam-se com a Colônia Militar do Alto Uruguai (em Nonohay, no Rio Grande do Sul). Com exceção de algumas cidades mais progressistas menos dependentes das fazendas, a maioria da população civil rural apoiava os rebeldes. O Município de Palmas, então integrante do Estado do Paraná, desde o início desta guerra civil, foi

[...] o que mais sofreu com excursões predatórias, invasão de casas, motins, banditismo, degolamentos. A vila foi transformada em praça de guerra. Na colônica militar improvisou-se laboratório pirotécnico, fábrica de pólvora e cartuchos. [...]. Quando os pica-paus dominaram Porto União da Vitória, Canoinhas e outras cidades maragatas, recrutaram gente à força. Em Palmas, o coronel Caminha convidou os cidadãos para formaram uma banda de música e, ao vê-la formada, obrigou-a a marchar à frente de uma brigada para o Rio Grande do Sul (NASCIMENTO, 2000, p. 154).

107

A degola era um procedimento habitual nas duas forças em conflito. Já era praticada há muito tempo. Foi assim na Revolução Farroupilha e na Guerra do Paraguai. Para economizar preciosa munição e para não ter que alimentar prisioneiros, estes eram simplesmente degolados. O fio da faca ou do facão abria profundo corte no pescoço da vítima, silenciosa e rapidamente.

MAPA 8;

ÁREA DA QUESTÃO DE LIMITES PARANÁ-SANTA CATARINA