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Fascínio Misterioso das Forças Mágicas

2.2 A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO NO CABOCLO

2.2.3 Fascínio Misterioso das Forças Mágicas

Para entender melhor a religiosidade popular no Contestado, precisamos vinculá-la também à presença da crença religiosa que admite comunicações ocultas entre os homens e a divindade: é o “misticismo”, ideologia que trata da disposição do homem em admitir e crer no sobrenatural, presente em todos os povos, presente, pois, na Região do Contestado97.

Estudando a religiosidade da população do Contestado no século passado e bem no início deste, observamos que, pelas suas práticas, o caboclo era um ser místico em toda sua

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Não devemos confundir misticismo com messianismo, ambas crenças; a primeira leva ao acreditar no sobrenatural e a segunda ao acreditar no messias, mesmo que esta induza também ao sobrenatural.

potencialidade. Os processos de aculturação envolvendo o branco, o índio e o negro, com o passar dos anos criaram na figura do caboclo, fruto desta mescla toda, sentimentos religiosos próprios, que não necessariamente mais se identificavam com os das três raças formadoras isoladamente, que se interligavam e interpenetravam, mostrando novas características, bem peculiares. Do índio, o cristianismo do europeu recebeu influência do animismo e, do negro, o feiticismo, fazendo florescer uma espiritualidade cristã católica com boa dose de crenças profanas, que passou de geração em geração.

Os cristãos portugueses trouxeram ao Brasil, já impregnadas em suas almas, uma série de crendices, temores e superstições, adquiridos no tempo da Idade Média, quando a magia sobrepujava a ciência. O índio, nativo brasileiro que aqui estava, contribuiu com sua cultura animista, para quem animais e plantas representavam símbolos de cultos e os fenômenos mais simples da natureza eram expressões que lhe causavam terror. O negro africano, em menor escala de representatividade aqui, trouxe suas feitiçarias, seus rituais de macumba e suas lendas. Cada um passou para os outros parte da sua cultura, incluindo crenças, crendices e superstições, que fomentaram o misticismo na nossa gente.

Durante o tempo histórico que elegemos para este estudo, no final do século passado e no início deste, à população que chamamos “cabocla” incorporaram-se outros povos das correntes imigratórias da Europa para o sul do Brasil, entrando no Território do Contestado novas culturas, como castelhana, alemã, polonesa, ucraniana, árabe e italiana, todas estas com suas particulares crendices e superstições98. Já “crendices” são crenças populares, absurdas, sem nenhum fundamento. “Superstições” são expressões religiosas fundadas em crendices; é o sentimento de veneração religiosa com base no temor ou na ignorância, que nos conduz ao cumprimento de quimeras ou à confiança em coisas ineficazes. Quando o homem acredita nelas, revela-se místico.

Em toda nossa gente desta época, encontramos explicações para seus modos de pensar, sentir e agir também em outra religião antiga, que igualmente influenciou bastante o pensamento popular: o “Animismo”. Esta é a religião primitiva que coloca em toda a natureza espíritos mais ou menos análogos ao espírito do homem. Antes, ao animismo dizia-se “Fetichismo”. Fetiche

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Hoje, estamos tão habituados com as superstições, que somente com muita crítica de observação conseguimos destacá-las; formaram hábitos muito enraizados, que chegam a nos ditar normas de comportamento. Quase todas as ações se justificam: “dá sorte, dá azar, isso é bom, aquilo é ruim, não presta, não pode, cuidado, faça assim...”.

vem de feitiço, palavra que dá uma certa “força mágica” às coisas encantadas ou feiticeiras. Para o animismo, existem dois tipos de magia: a boa, também chamada de magia branca, praticada por sacerdotes ou feiticeiros; e a má, praticada pelos bruxos, em rituais de magia-negra.

Etimologicamente, magia significa a ciência dos magos ou da casta sacerdotal persa. É a arte ou técnica de produzir efeitos e afastar maléficos pela manipulação de forças ocultas ou seres preter-naturais. [...] Instrumentos de magia são encantamentos, os exorcismos, os filtros, os talismãs, por meio dos quais o mago se comunica com as forças naturais ou celestiais ou infernais e as persuade a lhe obedecerem, muitas vezes de forma violenta (ZILLES, 1997, p. 239-40).

Segundo o animismo, na mentalidade primitiva, a alma está estritamente ligada ao corpo. A alma é princípio da vida. A morte sobrevém quando a alma abandona o corpo. Mas, o espírito do homem permanece ligado ao seu cadáver. Seus adeptos admitem que pode acontecer que os mortos reencarnem ou desapareçam definitivamente.É no animismo que está a raiz da explicação da crença na “ressurreição” dos “monges”. Na Guerra do Contestado, por exemplo, muitos sertanejos fanatizados, mostravam que não tinham medo de morrer: ao receber um tiro, estariam “passando” para um outro lugar, no seu imaginário. Este outro lugar seria o ponto de encontro com José Maria. As disposições humanas têm seu lugar entre as forças espirituais. Elas se exteriorizam e contribuem para determinar acontecimentos felizes ou infelizes, bons ou ruins.

Na teoria fetichista, os espíritos são forças místicas que podem ser invocadas para o homem exercer poderes sobre a natureza e agir sobre seres espirituais; é a “magia”. A magia é invocada para as mais diversas finalidades, inclusive para a bruxaria, quando é utilizada a participação existente entre a pessoa e a sua imagem, como, por exemplo, para matar alguém poder-se-ia fazê-lo destruindo uma reprodução da imagem desta pessoa.

É da magia que nos vem o entendimento que certos objetos (amuletos, talismãs, etc.) têm poderes mágicos para produzir felicidade ou afastar desgraças. Quantas pessoas não usam objetos em correntes penduradas no pescoço, não para enfeite, mas para proteção? Os caboclos do Contestado usavam os patuás, cordões com objetos mágicos que acreditavam defendê-los de todos os males, até da morte. Identificamos o animismo quando João Maria recorria à sua magia ao abençoar as fontes de água, tornando-as “curativas”.