• Nenhum resultado encontrado

A vinculação do árbitro à decisão de uma medida judicial

4. AS ANTI-SUIT INJUNCTIONS E A PROTEÇÃO DA COMPETÊNCIA DO ÁRBITRO

4.3. Medidas antiprocesso e medidas antiarbitragem

4.3.1. As medidas antiarbitragem

4.3.1.1. A vinculação do árbitro à decisão de uma medida judicial

Não há consenso sobre em que medida o árbitro está vinculado por uma decisão proferida numa medida antiarbitragem em uma arbitragem internacional. A efetividade prática da medida contra as partes, como já foi dito, depende da capacidade de coerção do Poder Judiciário em questão.

Os árbitros têm o dever de proferir uma decisão exequível. Este é um ônus assumido no momento do receptum. Entretanto, não há hierarquia entre o Poder Judiciário e os árbitros. Por isso, as decisões do Poder Judiciário tomadas em medidas antiarbitragem não são imediatamente vinculantes para os árbitros (na arbitragem internacional). Mas, devem ser levadas em consideração sempre que existir um risco efetivo da decisão arbitral ao final ser inócua, por ser inexequível a sentença no principal Poder Judiciário que poderá ser chamado a executar a sentença.

432 No mesmo sentido e defendendo a inadequação das medidas antiarbitragem para o direito francês:

DEBOURG, Claire. Les contrariétés de décisions dans l’arbitrage international. Paris: LGDJ, 2012, p. 496.

Nas arbitragens nacionais (com partes e sede em um mesmo país), os árbitros deverão acatar uma decisão proferida numa anti-suit injunction ou mesmo, no caso brasileiro, em um conflito de competência, conforme tem admitido o STJ. É que nesse caso é provável que as partes não consigam executar a sentença arbitral. Não estamos aqui defendendo a adequação da utilização dessas medidas, com o que não concordamos, apenas estamos afirmando que pragmaticamente o árbitro numa arbitragem doméstica e nacional no Brasil deve necessariamente acatar uma decisão final e transitada em julgado sobre a matéria. Pragmática e normativamente para o ordenamento jurídico em questão não é possível que o árbitro desacate uma decisão judicial.

A única situação em que, talvez, faça sentido para os árbitros prosseguir com o processo, a despeito da medida, é se existirem recursos e bens das partes passíveis de execução no exterior. Ou seja, quando a parte vencedora puder executar a sentença arbitral, mesmo existindo uma medida antiarbitragem. Em outras palavras, se a sentença arbitral puder conferir um resultado útil para as partes. A França, como visto, em casos como Hilmarton e Putrabali, aceitou homologar e executar sentenças arbitrais estrangeiras anuladas pelo Judiciário da sede. Entretanto, mesmo nessa hipótese, deve-se observar que a maior parte dos países não reconhecerá uma sentença arbitral proferida em desrespeito a uma medida antiarbitragem proferida pelo Judiciário da sede, assim como não reconheceriam uma sentença arbitral anulada, por força, inclusive, do art. 5., 1, a), da Convenção de Nova Iorque.

Evidentemente, para o ordenamento jurídico de que emanou a ordem a sentença arbitral será irreconhecível. A possibilidade de um árbitro não obedecer a uma determinação judicial ocorre no plano pragmático pela pluralidade de possibilidades que existem em nível internacional. No plano semântico-normativo do país (ordenamento jurídico) cujo Poder Judiciário prolatou a medida não há dúvidas de que a sentença arbitral será irreconhecível e mesmo a continuidade do processo arbitral poderá constituir ilícito.

Embora não exista hierarquia ou vinculação funcional entre árbitros e juízes e a medida inibitória ou de remoção do ilícito proferida em anti-suit injunctions se dirija, como regra, contra as partes, e não contra os árbitros, o dever de prolatar uma sentença exequível pode, na prática, exigir que os árbitros acatem a decisão do Poder Judiciário. Por isso, a decisão judicial será sempre um fator adicional na análise dos árbitros quando

forem decidir sobre sua própria competência, mas, para muitos autores, não existe uma vinculação ou subordinação direta destes àquela na arbitragem internacional433.

A discussão aqui guarda pertinência com a corrente que vê a arbitragem internacional como vinculada principalmente aos interesses do comércio internacional e como decorrente da vontade das partes, reduzindo o poder de controle do Poder Judiciário da sede. Aceitando uma visão de que a arbitragem está diretamente vinculada à sua sede jurídica, uma decisão antiarbitragem da sede implicaria, necessariamente, a extinção do processo arbitral. As correntes filosóficas sobre a arbitragem influenciam diretamente a resposta a ser dada a esse tipo de questão.

Em uma visão mais liberal, por considerar existir uma ordem jurídica arbitral autônoma ou adotar a tese pluralista, uma medida antiarbitragem proferida por um juiz nacional, embora deva ser levada em conta, não seria definitivamente vinculante para os árbitros.

Um caso julgado por um tribunal arbitral funcionando de acordo com as regras da CCI é emblemático dessa situação (Salini Construttori S.P.A. v. The Federal Democratic

Republic of Ethiopia)434. Nesse caso, foi iniciada uma arbitragem entre uma estatal da Etiópia e uma empresa estrangeira, a sede jurídica da arbitragem foi escolhida pelas partes em Adis Abeba. Os árbitros, por uma questão de conveniência, decidiram conduzir o processo arbitral em Paris, realizando na França as audiências e o desenvolvimento do processo.

A estatal etíope propôs, então, ação judicial na Etiópia para suspender o processo arbitral, alegando violações do estabelecido na cláusula compromissória arbitral. Foram, em seguida, prolatadas ordens tanto de um juiz de 1º grau quanto de um Tribunal Superior etíope determinando a suspenção do processo arbitral.

Os árbitros não acataram essa determinação sob a alegação de que, embora o tribunal arbitral respeitasse o Poder Judiciário da Etiópia, os árbitros possuíam perante as partes o dever de continuar com o processo arbitral e que, no caso, os árbitros teriam a discricionariedade de acatar ou não a ordem judicial.

O argumento central voltou-se para o fato de uma arbitragem internacional não ser um órgão do Estado no qual tem sede da mesma maneira como um juiz o tem. A

433 ROZAS, José Carlos Fernández. Anti-sui Injunctions issued by National Courts measures addressed to

the parties or to the arbitrators. In: GAILLARD, Emmanuel. (Ed.) IAI Series on International

Arbitration nº 2 - Anti-suit Injunctions in International Arbitration. Huntington: Juris Publishing,

2005, p. 84.

434 CÂMARA DE COMÉRCIO INTERNACIONAL. Caso CCI n. 10623. Árbitros: Emmanuel Gaillard;

primeira fonte de poder dos árbitros decorre da convenção de arbitragem. Uma importante consequência do reconhecimento dessa fonte de poder seria o dever do árbitro de não frustrar a expectativa das partes de ter o seu caso julgado por arbitragem. Por isso, em certas circunstâncias, seria necessário que o árbitro recusasse o cumprimento de uma ordem do Judiciário da sede, para poder cumprir com o seus dever para com as partes. Além disso, não seria lícito que entidades estatais recorressem ao seu próprio Poder Judiciário, violando convenção de arbitragem, pois isso iria de encontro à boa-fé435.

A decisão continua, no que Poudret e Besson chamaram de uma argumentação tipicamente francesa436, para afirmar que a validade da arbitragem não estaria ancorada exclusivamente na ordem jurídica da sede, de modo a que o árbitro tivesse de acatar a decisão do Poder Judiciário, mas a convenção de arbitragem teria validade por uma série de fontes e normas internacionais, que superam a própria sede437.

Há uma série de outros casos em que os árbitros também se reusaram a acatar decisão proferida em medida antiarbitragem para prosseguir a condução do processo arbitral, levando em consideração o seu dever para com as partes438.

Na arbitragem puramente doméstica, a solução deve sempre ser substancialmente diferente, devendo os árbitros acatar a decisão judicial sobre sua competência. Sob um viés pragmático, a submissão dos árbitros, numa arbitragem internacional, às decisões antiarbitragem proferidas, como se vê, dependerá da visão ou filosofia adotada pelos envolvidos (árbitros, juiz do local de execução...).

Parece, entretanto, que, mesmo em uma arbitragem internacional ou pluriconectada, se a medida antiarbitragem for proferida pelo país de sede da arbitragem, considerando o papel de supervisão desempenhado por esse Poder Judiciário, conforme estabelecido na Convenção de Nova Iorque, a medida deve ser acatada pelos árbitros439-

435 GAILLARD, Emmanuel. Reflections on the use of anti-suit injunctions in international arbitration. In:

MISTELIS, Loukas; LEW, Julian D. M.. Pervasive problems in international arbitration. Haia: Kluwer Law International, 2006, p. 207-208.

436 POUDRET, Jean-François; BESSON, Sébastien. Comparative law of international arbitration. 2. ed.

Londres: Sweet & Maxwell, 2007, p. 116.

437 CÂMARA DE COMÉRCIO INTERNACIONAL. Caso CCI n. 10623. Árbitros: Emmanuel Gaillard;

Piero Bernardini; Nael Georges Bunni. j. 7 Dec. 2001.

438 Vide: LEW, Julian D. M.. Does National Court Involvement Undermine the International Arbitration

Processes? In: American University International Law Review. v. 24 n. 3. Washington: Washington College of Law, 2009, p. 514.

439 Nesse mesmo sentido vide: LEW, Julian D. M. Control of jurisdiction by Injunctions Issued by National

Courts. GAILLARD, Emmanuel. Anti-suit Injunctions Issued by Arbitrators. In: VAN DEN BERG, Albert J.. International Arbitration 2006: Back to Basics? ICCA Congress Series. Haia: Kluwer Law International, 2007, v. 13, p. 186

440. A atribuição internacional de competência para supervisão da arbitragem faz com que o Poder Judiciário da sede possa intervir, conforme as suas regras de direito interno, para controlar o desenvolvimento do processo arbitral, inclusive obstando a sua continuidade.

Não estamos defendendo que sempre o Poder Judiciário da sede pode prolatar esse tipo de medidas. Tal conclusão só poderia ser obtida a partir da analise do direito interno em questão (podemos, entretanto, afirmar que no Direito brasileiro não há espaço para uso de medidas antiarbitragem). Mas, queremos dizer apenas que dentro da rede de cooperação construída pela Convenção de Nova Iorque, uma decisão da sede sobre a competência dos árbitros deve ser respeitadas pelos demais Estados Contratantes e pelos próprios árbitros.

Adotamos essa posição, pois entendemos que a sede ainda é um critério jurídico fundamental para a arbitragem comercial internacional e decorre do modelo de controle em dois níveis ou momentos positivado pela Convenção de Nova Iorque essa possibilidade de exercício de um controle inicial.

Os autores que seguem uma posição de desvinculação da arbitragem internacional, como Emmanuel Gaillard, têm uma visão diferente da questão. Para o autor francês, os árbitros poderiam desconsiderar uma medida antiarbitragem proferida pelo Poder Judiciário da sede, pois a juridicidade da sentença arbitral internacional decorre da ordem jurídica arbitral amplamente reconhecida. Por isso, tanto a sentença judicial da sede que anula uma sentença arbitral quanto uma injunção ou medida antiarbitragem poderiam ser ignoradas e não levadas em consideração pelos demais Estados441.

Em qualquer hipótese, uma sentença arbitral proferida por um processo que tenha se desenvolvido em violação de uma medida antiprocesso será irreconhecível e não exequível no país que tenha prolatado a medida. Para os outros países, entretanto, a solução não é simples e dependerá da possibilidade de reconhecimento desse tipo de medida pelo país em que se busque a execução dessa sentença arbitral442.

440 Em sentido contrário, citando o exemplo do Direito francês: DEBOURG, Claire. Les contrariétés de décisions dans l’arbitrage international. Paris: LGDJ, 2012, p. 497.

441 GAILLARD, Emmanuel. Il est interdit d'interdire: réflexions sur l'utilisation des anti-suit injunctions

dans l'arbitrage commercial international. In: Revue de l’Arbitrage. Paris: Comité Français de l’Arbitrage, 2004, v. 2004. n. 1, p. 60-61.

442DEBOURG, Claire. Les contrariétés de décisions dans l’arbitrage international. Paris: LGDJ,