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Inglaterra – o modelo de intervenção judicial limitada e de contenção judicial para

3. A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA NA ARBITRAGEM

3.6. Alguma comparação sobre o tratamento da competência dos árbitros

3.6.2. Inglaterra – o modelo de intervenção judicial limitada e de contenção judicial para

De acordo com a legislação inglesa, o árbitro pode decidir sobre a sua própria competência e pode fazê-lo tanto através de uma sentença parcial ou ao final, junto com

315 GAILLARD, Emannuel and John SAVAGE (eds.). Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration. Haia: Kluwer Law International, 1999, p. 406.

316 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas; KRÖLL, Stefan M.. Comparative international commercial arbitration. Haia: Kluwer, 2003, p. 347.

317 JARROSSON, Charles and Jacques PELLERIN. Le droit français de l'arbitrage après le décret du 13

janvier 2011. In: Revue de l’arbitrage. Paris: Comité Français de l’arbitrage, 2011, nº 1, p. 12-13.

318 BREKOULAKIS, Stavros. The negative effect of competence-competence: the verdict has to be

negative. In: Queen Mary University of London, School of Law - Legal Studies Research Paper n.

22/2009. Londres: Queen Mary, University of London, 2009, p. 5.

319 “Le droit français a tranché en faveur de l'incompétence des juridictions étatiques avant la sentence arbitrale (l'effet négatif de la compétence- compétence). Quand une juridiction est saisie d'une question de compétence arbitrale, elle doit se déclarer incompétente en attendant que l'arbitre statue. La seule exception à cette incompétence initiale des juridictions étatiques consiste en un contrôle prima facie très réduit de la convention d'arbitrage.” DASSULE, Michel. Le contrôle de la compétence arbitrale par le

juge anglais avant la sentence. In: Revue de l’Arbitrage. Paris: Comité Français de l’Arbitrage, 2003, v. 2003, n. 1, p. 66.

a sentença que julgar o mérito da disputa. A regra da competência-competência está estabelecido na Seção 31(4) da Lei Inglesa de Arbitragem de 1996. Entretanto, conforme o caso, a decisão do árbitro pode ser questionada judicialmente, antes mesmo do término do processo arbitral e, particularmente, através de ação anulatória ou na execução da sentença320.

A opção por permitir o acesso ao Poder Judiciário para discutir a competência do árbitro ainda que pendente o processo arbitral é parte da tradição inglesa e indica uma preocupação em reduzir os custos do processo arbitral, permitindo uma decisão judicial definitiva sobre a questão321.

Sendo um país de common law, a jurisprudência inglesa nem sempre ofereceu balizas claras sobre como a questão deveria ser tratada e a legislação tem diversas previsões relacionadas à questão de quando as partes podem recorrer ao Judiciário para discutir a competência do árbitro322. No julgamento do caso Harbour Assurance Co. Ltd.

v. Kansa General International Insurance Co. Ltd., perante a Queens Bench Division323, há uma passagem ilustrativa do entendimento dos tribunais ingleses sobre a regra da competência-competência mesmo antes da atual lei inglesa de arbitragem, o Arbitration

Act de 1996:

O posicionamento da legislação inglesa [sobre o a regra da competência-competência] é simples, direto e prático. Por uma questão de conveniência, os árbitros podem conhecer e julgar sobre se têm ou não jurisdição sobre um caso: eles podem decidir assumir um caso ou entender que não têm jurisdição. Mas é bem estabelecido na legislação inglesa que o resultado dessa decisão preliminar não tem um efeito definitivo sobre o direito das partes. Apenas o Poder Judiciário pode julgar com definitividade questões relativas à competência do árbitro324.

320 LEW, Julian M. D.; MARSDEN, Oliver. Arbitrability. In: LEW, Julian M. D. et al. Arbitration in England, with chapters on Scotland and Ireland. Haia: Kluwer Law International, 2013, p. 400. 321 POUDRET, Jean-François; BESSON, Sébastien. Comparative law of international arbitration. 2.

ed. Londres: Sweet & Maxwell, 2009, p. 393.

322 BREKOULAKIS, Stavros. The negative effect of competence-competence: the verdict has to be

negative. In: Queen Mary University of London, School of Law - Legal Studies Research Paper n.

22/2009. Londres: Queen Mary, University of London, 2009, p. 10.

323 O caso que se refere mais propriamente à questão dos limites da autonomia da cláusula compromissória

foi levado posteriormente à apreciação da Court of Appeal (civil division) .

324 Tradução nossa. Original: “The approach in English law is simple, straightforward and practical. As a

matter of convenience arbitrators may consider, and decide, whether, they have jurisdiction or not: they may decide to assume or decline jurisdiction. But it is well settled in English law that the. result of such a preliminary decision has no effect whatsoever on the legal rights of the parties. Only the Court can definitively rule on issues relating to the jurisdiction of arbitrators.” REINO UNIDO. Queen's Bench Division (Commercial Court). [1992] 1 Lloyd's L.Rep. 81. Relator Justice Steyn. j. 31 jul. 1991.

Em um caso mais recente, Dallah Real State and Tourism v. Ministry of

Religious Affairs of Government of Pakistan325, fica evidente que, apesar da doutrina da

competência-competência, o juiz inglês detém poderes para decidir sobre a competência do árbitro.

A Lei Inglesa de Arbitragem, Seção 9, estabelece que se uma ação judicial for proposta tratando de uma matéria abrangida por uma convenção de arbitragem, o juiz deve, a requerimento do réu, determinar a suspensão do processo, exceto se ficar provado que a convenção de arbitragem é inexistente, nula ou ineficaz. O estabelecido nessa Seção 9 está de acordo como o artigo II, 3., da Convenção de Nova Iorque. Entretanto, não há uma previsão clara que indique que o efeito negativo da competência- competência é agasalhado pela legislação inglesa. É assegurado ao juiz a possibilidade de prosseguir com a ação judicial se verificar qualquer vício na convenção de arbitragem ou a inarbitrabilidade do caso.

A Seção 32 da Lei Inglesa de Arbitragem permite que o juiz seja provocado para tomar uma decisão preliminar sobre a competência e jurisdição do árbitro, enquanto pendente um processo arbitral. A ideia é permitir uma decisão judicial sobre a competência do árbitro ainda no início do processo arbitral, evitando o desperdício de tempo e dinheiro das partes, já que tal decisão evitaria o esforço inútil de um processo arbitral para que a sentença venha, ao final, a ser anulada por falta de competência e jurisdição do árbitro.

Entretanto, a utilização prática da Seção 32 da Lei Inglesa de Arbitragem é bastante restrita326. É que só é possível invocar tal Seção se o caso for instruído com o requerimento escrito de ambas as partes ou a permissão do árbitro. Além disso, é preciso demonstrar que a decisão da questão na pendência do processo arbitral trará substancial economia de tempo e de dinheiro, que o requerimento foi feito no início do processo arbitral e que existem fortes razões que justifiquem a decisão pelo juiz. Exceto convenção das partes em contrário, o processo arbitral continua em curso durante a tramitação judicial dessa ação327.

325 REINO UNIDO. Supreme Court. [2010] UKSC 46. On appeal from: 2009 EWCA Civ 755. Relator:

Lord Mance. j. 30 jun. 2010.

326 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas; KRÖLL, Stefan M.. Comparative international commercial arbitration. Haia: Kluwer, 2003, p. 352.

327 POUDRET, Jean-François; BESSON, Sébastien. Comparative law of international arbitration. 2.

Como se vê, a aplicação da Seção 32 é restrita pela necessidade de acordo das partes ou permissão do árbitro, além da necessidade de se preencherem diversos requisitos legais. Na prática, essa previsão legal não tem sido utilizada com frequência.

De acordo com a Lei Inglesa de Arbitragem, Seção 72, alguém que supostamente deveria ser parte em um processo arbitral, mas que dele não participou, pode propor uma ação judicial para ser declarada se existe efetivamente uma convenção de arbitragem válida, se o tribunal foi devidamente constituído ou se o caso deveria realmente ser submetido à arbitragem, de acordo com a convenção. Nessa hipótese, a parte tem de não ter comparecido ao processo arbitral. Apresentada defesa no processo arbitral, não é cabível invocar a Seção 72, mas se a parte não comparece ao processo arbitral é possível mover uma ação judicial para ser declarada a incompetência dos árbitros.

Além dessas situações, a lei inglesa permite uma ação anulatória da sentença parcial dos árbitros sobre sua própria competência antes de uma decisão de mérito no processo arbitral. Ou seja, se os árbitros decidirem por sentença parcial que são competentes para julgar determinado caso, é possível a propositura de uma ação anulatória contra esta sentença, ainda que pendente o processo arbitral. Isso é estabelecido pela Seção 67 da Lei Inglesa de Arbitragem.

Essa hipótese pressupõe que os árbitros já tenham decidido sobre a questão para que possa ser proposta a ação judicial. Embora não se trate de um controle prévio, não existe um requerimento para que o processo arbitral tenha sido extinto ou apreciado o mérito da questão. Prolatada uma sentença parcial, é cabível a ação anulatória. O processo arbitral pode prosseguir na pendência da ação judicial, embora exista uma prejudicialidade externa entre os feitos.

Assim, a Lei Inglesa de Arbitragem estabelece diversas hipóteses nas quais o Judiciário pode ser acionado para decidir sobre a competência do árbitro antes mesmo do final do processo arbitral ou de seu início. No caso Excalibur Ventures LLC v. Texas

Keystone Inc, Gulf Keystone328, há um importante dictum (vejam-se os parágrafos 62 a 65 da decisão) no sentido de que, embora a Seção 30 da Lei Inglesa de Arbitragem permita que o árbitro decida questões relativas à sua competência e jurisdição, tal previsão não tem grande consequência prática, já que nada requer que a parte relutante apresente seu questionamento exclusivamente ao árbitro. Por isso, a alegação de que o juiz inglês teria de permitir que o árbitro decida em primeiro lugar sobre sua própria

328 REINO UNIDO. High Court - Queen's Bench Division (Commercial Court). [2011] EWHC 1624.

competência (efeito negativo da competência-competência) seria, consoante essa decisão, errada enquanto questão de direito.

Jean-François Poudret entende que na Inglaterra, como decorrência do estabelecido nas Seções 32 e 72, seria possível uma ação direta com o objetivo específico de anular ou declarar a nulidade de uma convenção de arbitragem, não sendo necessário aguardar a propositura de uma outra ação para só então invocar este argumento, respeitados os requerimentos legalmente previstos329. Entretanto, o Poder Judiciário inglês só pode decidir sobre a existência e validade da convenção de arbitragem como uma questão autônoma em hipóteses restritas330.

Na prática, apesar dessas previsões legais (statutory law), os tribunais ingleses (precedentes) têm sido cautelosos ao intervir em arbitragens em curso, adotando uma postura de preservar o processo arbitral.

3.6.3. Alemanha – o modelo de prioridade condicionada do árbitro, com