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Existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem

3. A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA NA ARBITRAGEM

3.4. O que compõe a análise da competência do árbitro?

3.4.1. Existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem

Não se deve confundir os planos da existência, validade e eficácia. Como negócio jurídico material que é, a analise da higidez da convenção de arbitragem pressupõe a correta compreensão desses três níveis210. Para uma efetiva submissão das partes à arbitragem é preciso que a convenção exista, validamente e produza efeitos.

Na arbitragem internacional, evidentemente, põe-se a questão de qual lei é que regerá a convenção de arbitragem: a questão é própria do Direito Internacional Privado. Para os fins do presente trabalho, basta indicar que as concepções de arbitragem indicadas anteriormente interferirão substancialmente nesta resposta, existindo quem defenda a aplicação de uma ordem jurídica arbitral internacional e quem entenda que deve ser aplicada a lei da sede.

A vontade é pressuposto para a arbitragem. Ela decorre necessariamente da atuação de um homem livre211, capaz de criar regras e de estabelecer sobre os seus negócios e sobre como resolver suas disputas. A vontade212, portanto, é elemento indispensável para a convenção de arbitragem. Como negócio jurídico213 que é, as hipóteses previstas no Código Civil para a nulidade (art. 162) e os defeitos do negócio jurídico são aplicáveis à Convenção de Arbitragem214. Assim, a coação, o dolo, o estado

210 Vide: MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, t. 1. MELLO,

Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência.13. ed. Saraiva: 2007, p. 98-105.

211MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, t. 2, p. 401-414. 212 Sobre a vontade e negócio jurídico, vide: MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1954, t. 3, p. 10-44.

213MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, t. 1, p. 91-93. 214 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008, t.

de perigo, o erro, a lesão são aplicáveis, ao menos teoricamente, na análise da anulabilidade da convenção de arbitragem.

As hipóteses de anulabilidade aproximam-se da noção de defeito de emissão de vontade na convenção de arbitragem. Houve uma emissão de vontade, mas ela foi defeituosa. Nessas hipóteses, “pode ter ocorrido uma declaração de vontade, mas em

circunstâncias tais que não traduza a verdadeira atitude volitiva do agente, ou persiga um resultado divorciado das prescrições legais215”. A análise da vontade efetivamente manifestada pelas partes é indispensável para a própria legitimidade do processo arbitral e o vício de consentimento, não convalidado, implica na anulabilidade da própria convenção de arbitragem, o que imporá aos árbitros a obrigação de extinguir o processo arbitral216.

Além disso, para contratar sobre arbitragem é preciso uma capacidade específica. É preciso, além da capacidade geral para contratar, a capacidade específica para celebrar convenção de arbitragem217. É indispensável que a parte contratante possa se submeter à arbitragem ou o contrato lhe será ineficaz. Esta noção de capacidade específica aproxima-se da noção de arbitrabilidade subjetiva (vide 3.4.3).

Do ponto de vista formal, a convenção de arbitragem, embora não requeira qualquer solenidade ou a forma pública, não prescinde da forma escrita. Não é possível convenção de arbitragem oral; é preciso que exista compromisso escrito nesse sentido. A forma escrita é da substância do ato, não valendo o acordo verbal ainda que acompanhado por testemunhas. O objetivo é afastar qualquer dúvida sobre a efetiva celebração da convenção e é uma regra antiga e reproduzida na maior parte dos países 218 . A Lei de Arbitragem exige a forma escrita tanto para a cláusula compromissória (art. 4º, §§ 1º e 2º) quanto para o compromisso arbitral (art. 9º, §§ 1º e 2º). De igual modo estabelece a Convenção de Nova Iorque (art. II, 1.).

Entretanto, como não se requer formalidades para o negócio, supre o requerimento de forma escrita a troca de e-mails, fax ou outro tipo de comunicação telemática que formalize por escrito a celebração do negócio219.

215 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: introdução ao direito civil. Teoria Geral

do Direito Civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 513.

216 GUERRERO, Luis Fernando. Convenção de arbitragem e processo arbitral. São Paulo: Atlas,

2009, p. 33-36.

217 DAVID, René. L’arbitrage dans le commerce international. Paris: Economica, 1982, p. 247. 218 BORN, Gary. International Commercial Arbitration. Haia: Kluwer Law International, 2014, p. 660-

661.

219 MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a lei de arbitragem. Rio de Janeiro: Forense,

Nos contratos de adesão, a Lei de Arbitragem é mais rigorosa e requer que a cláusula compromissória arbitral seja redigida em negrito e receba um visto especial do aderente ou que seja estabelecida em documento próprio, também devidamente assinado. Sem essa formalidade, a cláusula compromissória será ineficaz, exceto se o aderente tomar a iniciativa de propor a ação arbitral ou caso concorde posteriormente com a instituição da arbitragem. O objetivo é proteger o aderente, evitando que a inserção de uma cláusula compromissória num contrato que não foi efetivamente negociado dificulte a propositura da ação cabível.

O Código Civil estabelece ser nulo o contrato que tenha objeto indeterminado (art. 166, II, do Código Civil). Para a convenção de arbitragem isso implica que o conflito a ser dirimido deve ser determinado ou, ao menos, determinável. É natural que no momento em que se firma uma cláusula compromissória arbitral não se saiba qual conflito surgirá ou mesmo se surgirá algum conflito, entretanto é possível determinar o seu objeto220. Não é possível, contudo, um pacto genérico, dissociado de qualquer contrato que estabeleça que todos os conflitos entre as partes serão submetidos à arbitragem: é preciso que exista uma determinabilidade do objeto ou será inexequível o contrato de arbitragem.

A Convenção de Nova Iorque procurou dar segurança no tratamento da questão, criando uma presunção de validade para a cláusula compromissória arbitral. Essa presunção, embora não seja absoluta, significa a afirmação de que qualquer dúvida sobre a vinculatividade da convenção de arbitragem deve ser dirimida in favor arbitralis221.