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Algumas observações sobre as anti-suit injunctions no Brasil

4. AS ANTI-SUIT INJUNCTIONS E A PROTEÇÃO DA COMPETÊNCIA DO ÁRBITRO

4.6. Algumas observações sobre as anti-suit injunctions no Brasil

No direito brasileiro a dúvida sobre quem deve decidir um determinado caso é resolvida no processo judicial, incialmente, através de exceção de incompetência (feita através de instrumento próprio no caso de competência relativa) ou através de alegação de incompetência absoluta que pode ser apresentada como preliminar da contestação ou alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição. Ou seja, é possível que o juiz supostamente incompetente aprecie e decida a sua própria competência. No Novo CPC a exceção de incompetência deverá ser apresentada como preliminar da contestação, e não por instrumento autônomo.

Apenas quando surgirem decisões conflitantes sobre quem deve julgar um determinado caso é que será possível a utilização do mecanismo processual do conflito de competência. Com efeito, é possível a utilização de conflito de competência quando dois juízos se declararem competente para julgar um caso (conflito positivo), quando dois

juízos se declararem incompetentes para julgar um caso (conflito negativo) ou quando surgir controvérsia entre dois juízos sobre a reunião ou separação de processos.

O conflito de competência permite que um órgão mais alto na hierarquia (ou na organização judiciária) decidia o conflito, determinando qual será o juízo competente para processar e julgar o caso. Não há a possibilidade de um juiz emitir uma ordem para que a parte desista de um processo distribuído para um juiz incompetente. Essa figura inexiste no processo civil brasileiro.

Mesmo no contencioso com implicações internacionais, a posição adotada no Direito brasileiro (inserta no artigo 90 do Código de Processo Civil de 1973) de que não há litispendência internacional está alinhada com a tradição de desconhecer as medidas antiprocesso. Ou seja, não há no Direito brasileiro remédio para impedir o desenvolvimento de uma ação perante um tribunal estrangeiro, pois a apreciação de sua própria competência seria prerrogativa exclusiva desse tribunal estrangeiro, conforme as suas normas internas atributivas de competência.

Quando há o desenvolvimento paralelo de uma ação judicial no Brasil e outra no estrangeiro sobre a mesma matéria, a questão é entendida exclusivamente a partir da possibilidade de homologar e conferir efeitos no Brasil à sentença decorrente desse processo estrangeiro.

A existência de processo com o mesmo objeto no exterior não impede que o juiz brasileiro conheça de processo com a mesma causa de pedir ou causas conexas. Não há a produção dos efeitos típicos da litispendência entre uma ação judicial movida no estrangeiro e uma ação proposta no Brasil468.

Podem seguir os processos paralelos com o mesmo objeto no Brasil e no exterior. Para evitar a duplicidade de decisões sobre o mesmo assunto, o processo que transitar em julgado primeiro para o ordenamento jurídico brasileiro, impede o reconhecimento e produção de efeitos da outra decisão.

O transito em julgado da sentença nacional impede o reconhecimento (e produção de efeitos) da sentença estrangeira. Não é possível homologar ou reconhecer efeitos de sentença judicial estrangeira quando já existe coisa julgada no Brasil sobre a mesma matéria.

468 Como observam Arruda Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim, tecnicamente existe

litispendência entre o processo brasileiro e o estrangeiro, não há, contudo, a produção do efeito obstativo do ajuizamento de nova demanda. ALVIM, Arruda; ASSIS, Araken de. ALVIM, Eduardo Arruda.

Mas, de modo distinto, caso o processo de homologação de sentença estrangeira transite em julgado antes do trânsito em julgado do processo em curso no Brasil, a sentença estrangeira homologada produzirá os seus efeitos e implicará coisa julgada para o caso469. A posição do Superior Tribunal de Justiça, tem, contudo, sido, por vezes, vacilante na matéria e rejeitado a homologação de sentença estrangeira em determinadas situações, como quando já há liminar no Brasil em ação de guarda, pois reconhecer a decisão estrangeira poderia afetar a soberania nacional470.

Sob o viés do Direito brasileiro, é irrelevante para o contencioso internacional ou multiconectado que as normas (internas) atributivas de competência (ressalvadas as hipóteses de competência internacional absoluta) indiquem que o juiz brasileiro deverá julgar o caso. Também, tradicionalmente, não se adota a doutrina do forum non

conveniens ou se indaga sobre a conveniência para o julgamento; simplesmente se

permite que os processos se desenvolvam em paralelo.

Tal situação, contudo, só ocorre nas hipóteses nas quais a competência internacional da justiça brasileira é concorrente. Quando a lei brasileira determina que a jurisdição brasileira é exclusivamente competente (artigo 89 do Código de Processo Civil de 1973) não é possível reconhecer efeitos a qualquer decisão ou sentença estrangeira que verse sobre a matéria. Mesmo nesse caso, não é possível a prolação de uma medida que vise obstar o desenvolvimento da ação estrangeira. Apenas essa decisão não será reconhecível ou homologável para o ordenamento jurídico brasileiro.

A questão das medidas antiprocesso surgiu no Brasil por via transversa. Foi o crescimento da utilização da arbitragem que levou ao aparecimento de casos em que juízes prolataram medidas para obstar o andamento de determinada arbitragem (rigorosamente, de um processo que tramita perante outra jurisdição). No Brasil apenas se utilizou até hoje de medidas antiarbitragem.

O surgimento deu-se por via transversa, pois em nenhum dos casos pediu-se uma

anti-suit injunction, medida desconhecida em nosso direito. Pediu-se uma ordem para

parar ou obstar o prosseguimento de uma arbitragem, supostamente, com início ou

469 Vide: POLIDO, Fabrício Bertini Pasquot. Direito Processual Internacional e o Contencioso Internacional Privado. Curitiba: Juruá, 2013, p. 88-90.

470 “No STF, quando detinha competência para homologar sentença estrangeira, o entendimento variava.

Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal acolhia a homologação da sentença estrangeira mesmo que existente processo em curso na jurisdição nacional; mas, anteriormente, imperava o entendimento contrário, segundo o qual a pendência de processo em curso no Brasil obstava a homologação da sentença estrangeira.” ALVIM, Arruda; ASSIS, Araken de. ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao Código de

condução indevida, através de diferentes medidas processuais, como ações cautelares, antecipações dos efeitos da tutela em ações anulatórias de convenção de arbitragem, conflitos de competência e mandados de segurança. Os argumentos jurídicos foram construídos de acordo e para a concessão dessas medidas processuais, não guardando pertinência com os requisitos típicos dos países de common law. Outro tipo de argumentação, outras razões, mas o mesmo objetivo. Procurou-se utilizar ou criar uma espécie de anti-suit injunction à brasileira.

No que diz respeito ao uso de medidas antiarbitragem, entendemos que não é compatível com o direito brasileiro a utilização desse tipo de medidas. É que a Lei de Arbitragem e a Convenção de Nova Iorque estabeleceram no Brasil um modelo de competência-competência com efeito negativo mitigado. O árbitro tem, no direito brasileiro, uma predileção temporal para decidir sobre sua própria competência sempre que surgir um processo arbitral antes de um processo judicial. O controle dessa decisão do árbitro deve ser sempre feito após o término do processo arbitral e respeitando a regra do favor arbitralis.

É possível que o juiz julgue diretamente a questão se for proposta uma ação que supostamente tente ignorar a convenção de arbitragem, sendo arguida existência de convenção de arbitragem.

Nessa hipótese, caso seja o primeiro a conhecer da matéria, o juiz deverá decidir de logo a questão. Reconhecida a existência de convenção de arbitragem, deve o processo judicial ser extinto sem resolução de mérito. Além disso, o juiz apenas poderá exercer um controle prima facie da competência do árbitro. A regra deve ser sempre a preservação do processo arbitral e do conteúdo da convenção de arbitragem.

Entretanto, se a questão da competência do árbitro já estiver sendo discutida judicialmente, não é possível o início de processo arbitral até que o Poder Judiciário decida definitivamente a matéria. Ou seja, se for proposta uma ação que supostamente tente ignorar uma convenção de arbitragem e o réu oponha exceção de arbitragem, não é possível que o réu inicie processo arbitral até o julgamento definitivo da exceção. Nesse caso, a prioridade para julgamento e decisão da questão é necessariamente do Poder Judiciário. Evidentemente que se nesta hipótese uma das partes iniciar um processo arbitral que possa violar o adequado exercício da jurisdição estatal será possível a concessão das medidas adequadas para impedir o prosseguimento da arbitragem, inclusive a aplicação de multa e, conforme o caso, a remessa de cópia dos autos ao Ministério Público para a investigação do crime de desobediência.

Por força do disposto no artigo 8º da Lei de Arbitragem, não é possível o uso de medidas judiciais com o objetivo específico de obstar o início ou prosseguimento de um processo arbitral, ressalvada a hipótese anterior. Não é admissível, também, uma ação direta com o objetivo exclusivo de anular uma convenção de arbitragem471.

Trata-se de uma questão processual de alocação de competências. A utilização de medida antiarbitragem não se adequa ao sistema jurídico brasileiro, pois a repartição legalmente estabelecida de competência para controlar a competência do árbitro não o permite.

4.6.1. Concessão de medidas antiarbitragem.

O uso de medidas antiprocesso certamente não é parte do direito ou da tradição brasileira. Nunca se conheceu desse tipo de medidas no Brasil, nem para obstar o desenvolvimento de ações judiciais estrangeiras, nem tão pouco, para obstar o andamento de uma arbitragem.

Tradicionalmente, os conflitos internos sempre foram resolvidos por meio de controles dentro da estrutura do próprio Poder Judiciário (mas não com a emissão de uma ordem de um juiz para obstar o andamento de uma outra ação judicial). No contencioso internacional, também sempre se seguiu a doutrina de simplesmente negar efeitos para a sentença estrangeira, caso uma demanda idêntica já tivesse sido julgada no Brasil.

Entretanto, impropriamente, no contexto da arbitragem, os tribunais brasileiros já concederam medidas com efeito análogo às anti-suit injunctions dos países de common

law. Essas decisões não foram tomadas propriamente a partir de uma previsão do direito

positivo brasileiro (simplesmente inexiste qualquer menção expressa sobre a utilização dessas medidas), mas por via transversa utilizou-se o poder geral de cautela e o poder inibitório do juiz para conceder medidas desse tipo.

O desenvolvimento e crescimento da arbitragem a partir de 1996 criou uma série de situações de atrito entre as jurisdições estatal e arbitral e o caminho tentado por algumas partes foi o de utilizar de expedientes processuais para impedir o curso de arbitragens.

471 Nesse mesmo sentido, vide: ALVES, Rafael Francisco. A inadimissbilidade das medidas antiarbitragem no direito brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009, passim.