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Estados Unidos – o modelo de competências paralelas (judicial e arbitral) para

3. A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA NA ARBITRAGEM

3.6. Alguma comparação sobre o tratamento da competência dos árbitros

3.6.4. Estados Unidos – o modelo de competências paralelas (judicial e arbitral) para

No Estados Unidos a situação é um pouco diferente se comparada com os outros países estudados e o tratamento legislativo do tema parece afastar o efeito negativo da competência-competência344-345, entretanto no caso Prima Paint v. Flood &

342 POUDRET, Jean-François; BESSON, Sébastien. Comparative law of international arbitration. 2.

ed. Londres: Sweet & Maxwell, 2009, p. 410-411.

343 “Under the German Arbitration Law of 1998 the legislator expressly reserved the right of final

determination of the validity of an arbitration agreement to the courts. Though the arbitral tribunal may decide on its competence - by preliminary ruling or in the final award - pursuant to Sec. 1040, the parties may seek recourse against the ruling pursuant to Sec. 1040 sub. 3 resp. Sec. 1059 ZPO. The court's competence to finally decide is mandatory and may not be derogated by party agreement. However, the inadmissibility of the Kompetenz-Kompetenz clause in the arbitration agreement does not affect the validity of the arbitration agreement.” ALEMANHA. Federal Court of Justice – BGH. Caso nº III ZR

265/03. j. 13 jan. 2005.

344 PARK, William W.. Determining an arbitrator’s jurisdiction: timing and finality in American Law. In: Nevada Law Journal. v. 8. Las Vegas: University of Nevada, 2008, 139-140.

Conklin346 foi estabelecido um importante precedente e leading case, que reconhece que os árbitros têm poder para decidir sobre sua própria competência, mesmo em casos que envolvam alegação de fraude na confecção ou de inexistência do contrato principal. Esse mesmo caso, entretanto, estabelece que, caso a alegação de fraude envolvesse diretamente a cláusula compromissória os tribunais americanos poderiam decidir desde logo sobre a validade desta347.

A decisão parece prestigiar a doutrina da separabilidade da cláusula compromissória, mas, por outro lado, determina que o Judiciário americano retém o poder de decidir sobre a competência do árbitro antes mesmo do fim do processo arbitral. A regra da separabilidade ou autonomia da convenção de arbitragem foi consolidada nesse julgamento, mas não se estabeleceu uma impossibilidade do Poder Judiciário americano para decidir sobre a questão da competência dos árbitros348.

No Estados Unidos, a evolução jurisprudencial parece apontar pareque o Poder Judiciário possa, como uma regra geral, ser acionado para decidir sobre a competência do árbitro não apenas antes da instalação do processo arbitral, mas também durante a arbitragem. Nessa visão, os árbitros têm uma primeira palavra sobre a questão, mas os juízes também a podem ter. Essa posição americana não é isolada e outros países com uma prática arbitral importante, como a Suécia, têm posição semelhante349.

No âmbito federal350, as Seções 3 e 4 do Federal Arbitration Act estabelecem que as partes devem ser remetidas à arbitragem exceto se verificado que está sendo questionada judicialmente a própria regularidade da convenção. A leitura desses dispositivos parece apontar que o efeito negativo da competência-competência não seria 345 “In the US, the Federal Arbitration Act ss. 3-4 do not seem to recognize the principle of competência-

competência at all, granting jurisdiction to the federal district courts to decide the existence or validity of an arbitration agreement. Nevertheless, the U.S. Supreme Court in a series of decisions has developed an advanced version of competência-competência.” BREKOULAKIS, Stavros. The negative effect of competência-competência: the verdict has to be negative. In: Queen Mary University of London, School

of Law - Legal Studies Research Paper n. 22/2009. Londres: Queen Mary, University of London, 2009,

p. 6.

346 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. US Supreme Court. 388 U.S. 395 (1967). Relator: Justice

Fortas. j. 12 jun. 1967.

347 TIBURCIO, Carmem. O princípio da Kompetenz-Kompetenz revisto pelo Supremo Tribunal Federal

da Justiça Alemão. In: In: LEMES, Selma Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto; MARTINS, Pedro Batista. (Coords.) Arbitragem: estudos em homenagem ao prof. Guido Fernando da Silva Soares, in

memoriam. São Paulo: Atlas, 2007, p. 427-428.

348 DAVID, René. L’arbitrage dans le commerce international. Paris: Economica, 1982, p. 268-269. 349 RAGNWALDH, Jakob. Competência-competência – The Power of an Arbitral Tribunal to Decide the

Existence and Extent of its Own Jurisdiction. In: VAN DEN BERG, Albert Jan. (ed.) International

Arbitration: the coming of a new age? - ICCA Congress Series, v. 17. Haia: Kluwer Law International,

2013, p. 229.

reconhecido nos Estados Unidos, podendo os juízes decidirem sobre a competência do árbitro a qualquer momento, se provocado pelas partes para tanto.

A legislação americana permite uma ação judicial para que seja proferida uma ordem determinando que uma parte participe de uma arbitragem (Seção 4, 206 ou 303 do Federal Arbitration Act). Evidentemente, para decidir sobre a procedência dessa ação, o juiz americano precisará rever amplamente a higidez da convenção de arbitragem351.

O modelo americano estabeleceria a competência concorrente entre juiz e árbitro para decidirem sobre a questão, sem que se estabeleça uma prioridade para o árbitro352. O juiz poderia ser amplamente chamado a intervir sobre a questão.

No caso First Options of Chicago v. Kaplan353 a Suprema Corte norte- americana estabeleceu que os árbitros devem ter autoridade para decidir com finalidade sobre a sua competência quando as partes tenham “claramente e sem qualquer dúvida” conferido esta autoridade na convenção de arbitragem. Após esse precedente, parece haver uma propensão judicial para não intervir em arbitragens em curso354. Seria possível que as partes estabelecessem contratualmente a impossibilidade de decisão judicial sobre a competência dos árbitros e existindo, sem dúvida, essa estipulação.

A jurisprudência americana evoluiu no sentido de que, até mesmo a referência às regras de uma instituição arbitral que preveja o poder do árbitro de decidir sobre sua jurisdição, seria suficiente para existir uma estipulação “clara e sem dúvida” de que caberia aos árbitros decidir a questão. Daí existir uma certa ambiguidade no tratamento do tema nos Estados Unidos, já que a jurisprudência consagrou uma válvula de escape para o modelo legislativo de permanente possibilidade de intervenção judicial355.

Parece ser consenso de que, mesmo nos países onde é possível propor uma ação para rever a competência do tribunal arbitral antes do término do processo arbitral, como nos Estados Unidos, não é possível que o juiz liminarmente determine a suspensão de

351 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas; KRÖLL, Stefan M.. Comparative international commercial arbitration. Haia: Kluwer, 2003, 352.

352 ALVES, Rafael Francisco. A inadimissbilidade das medidas antiarbitragem no direito brasileiro.

São Paulo: Atlas, 2009, p. 65-66.

353 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. US Supreme Court. 514 U.S. 938 (1995). Relator: Justice

Breyer, j. 22 mai. 1995.

354 RAGNWALDH, Jakob. Competência-competência – The Power of an Arbitral Tribunal to Decide the

Existence and Extent of its Own Jurisdiction. In: VAN DEN BERG, Albert Jan. (ed.) International

Arbitration: the coming of a new age? - ICCA Congress Series, v. 17. Haia: Kluwer Law International,

2013, p. 230.

355 ALVES, Rafael Francisco. A inadimissbilidade das medidas antiarbitragem no direito brasileiro.

um processo arbitral. É por isso que William Park afirma que a regra da competência- competência é um mecanismo anti-sabotagem, por evitar que o réu possa utilizar a alegação de incompetência do tribunal com o objetivo de obstar o desenvolvimento do processo arbitral356.

George Bermann, levando em conta a jurisprudência norte-americana, que construiu uma visão mitigada da competência-competência, procurou agrupar dois tipos de matérias: as treshold e as gateway.

Por treshold issues, o autor pretende denominar o amplo leque de questões que poderiam ser designadas como “jurisdicionais” ou atinentes à competência do árbitro. Por gateway issues, o autor designa as questões que o Poder Judiciário americano deve julgar antes mesmo de ser oportunizada uma decisão pelo árbitro. As gateway seriam um conjunto mais restrito contido dentro das treshold issues.

As gateway issues não seriam alcançadas pelo efeito negativo da competência- competência357. O fato de uma questão ser do tipo gateway não impede que o árbitro decida a matéria, mas significa que o juiz também poderá (e deverá) fazê-lo com definitividade, sem ter que deferir uma prioridade temporal para o árbitro.

O autor, após analisar a jurisprudência americana, construída a partir de uma série de casos, concluiu que discussões relativas à arbitrabilidade em sentido estrito e as alegações de inexistência do contrato seriam gateway issues e deveriam ser determinadas pelo juiz imediatamente. Outras questões, incluindo a abrangência da convenção de arbitragem e a alegação de nulidade do contrato, deveriam ser previamente analisadas pelos árbitros.

356 PARK, William W.. Determining an arbitrator’s jurisdiction: timing and finality in American Law. In: Nevada Law Journal. v. 8. Las Vegas: University of Nevada, 2008, p. 138-139.

357 “This broad range of issues is more traditionally called “jurisdictional,” though I prefer, in denoting the

fullest range of such issues, to speak simply of “threshold issues.” Using the term “threshold issues” to denote this broad category of concerns allows us to reserve the term “gateway issue” for a narrower category consisting only of those threshold issues that, if raised before it, a court must resolve for itself rather than leave for decision to the arbitral tribunal. Like at least some members of the Supreme Court, I prefer to use the term “gateway issues” in this way, i.e. to denote only those jurisdictional issues that a court will decide at the outset. I then use the term “non-gateway issues” to denote those that are left initially to the arbitrators.” BERMANN, George. The “Gateway” Problem in International Commercial Arbitration. In: KRÖLL, Stefan Michael; Loukas MISTELIS, et al. (eds). International Arbitration and

International Commercial Law: Synergy, Convergence and Evolution. Haia: Kluwer Law