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4. AS ANTI-SUIT INJUNCTIONS E A PROTEÇÃO DA COMPETÊNCIA DO ÁRBITRO

4.3. Medidas antiprocesso e medidas antiarbitragem

4.3.2. Medidas antiprocessos para proteger a arbitragem

Quando existe uma convenção estabelecendo contratualmente um foro (cláusula de eleição de foro ou convenção de arbitragem) existe, nos países de common law, uma presunção geral em favor da concessão de uma injunção que permita a execução específica ou que garanta a eficácia prática do acordo. A análise feita para a concessão da medida nessas hipóteses é consideravelmente menos rigorosa que em outras situações envolvendo conflitos de jurisdição (ou competência) e se peça uma medida desse tipo443. Há uma preocupação em resguardar a boa-fé contratual e o que foi pactuado.

Julian Lew observa que medidas antiprocesso concedidas para proteger uma arbitragem são amplamente aceitas e significam uma atribuição importante do Poder Judiciário da sede (ao menos nos países de common law). Elas seriam um mecanismo à disposição do Poder Judiciário da sede para impedir intervenções indevidas de outros países ou o uso de táticas dilatórias pelas partes444. Essa é uma visão tipicamente inglesa da utilização das anti-suit injunctions.

Para o mesmo autor, o Poder Judiciário da sede não precisaria se preocupar com alegações relativas à comity ou à conveniência da concessão da medida. O simples fato de as partes terem assinado um contrato que exclui qualquer jurisdição nacional e o reconhecimento internacional que se dá a esse tipo de contrato justificariam plenamente a concessão desse tipo de medida pela sede.

O julgamento do caso Welex A.G. v. Rosa Maritime Ltd. (“The Epsilon Rosa”) estabeleceu que, embora o Arbitration Act britânico não dê poderes expressos para a concessão de injunções para proteger convenção de arbitragem, existe um poder geral de emitir injunções, como uma espécie, talvez, de um poder geral de cautela em “todos os

casos em que a Corte entender ser justo e conveniente fazê-lo445”. Esse precedente assentou a possibilidade de serem concedidas injunções para proteger arbitragens.

443 DOWERS, Neil A.. The anti-suit injunction and the EU: legal tradition and europeanisation in

international private law. In: Cambridge journal of International and Comparative Law. Cambridge, 2013, v. 2, n. 4, p.962. Disponível em: <http://www.cjicl.org.uk> Acesso em: 02 jul 2014.

444 LEW, Julian D. M.. Does National Court Involvement Undermine the International Arbitration

Processes? In: American University International Law Review. v. 24 n. 3. Washington: Washington College of Law, 2009, p. 515.

445 REINO UNIDO. Court of Appeal of England and Wales. [2003] EWCA (Civ) 938. Relator: Lord

O caso Aggeliki Charis Companhia Maritima v. Pagnan (The Angelic Grace)446 trouxe as bases gerais sobre as medidas antiprocesso para proteger a arbitragem no Poder Judiciário inglês. Nesse caso, o navio Angelic Grace foi fretado para a Pagnan, sociedade empresária com sede na Itália, pela Aggeliki Charis Compania Maritima, uma sociedade com sede no Panamá. O contrato das partes estabelecia que as disputas seriam dirimidas por arbitragem com sede em Londres. O Angelic Grace colidiu com um outro navio de propriedade da Pagnan, em razão do que a Aggeliki começou uma arbitragem conforme contratualmente estabelecido. A Pagnan iniciou um processo judicial na Itália. A High

Court inglesa emanou uma medida antiprocesso para obstar a Pagnan de continuar com a

ação proposta perante a justiça italiana.

A Pagnan recorreu para a Court of Appeal para reverter a medida antiprocesso concedida, sob o argumento de que o Poder Judiciário italiano ainda não tinha decidido sobre a sua própria competência e que, por ser a Itália parte da Convenção de Nova Iorque, as partes seriam encaminhadas para arbitragem, se fosse este o caso. Além disso, afirmou que os tribunais ingleses estariam interferindo em uma prerrogativa da justiça italiana de maneira indevida.

A Court of Appeal, entretanto, entendeu que o artigo II, 3., da Convenção de Nova Iorque não conferiria jurisdição exclusiva ao Poder Judiciário italiano para decidir sobre a questão. Além disso, a Court of Appeal assinalou que não haveria ofensa na sua decisão a outro Estado parte da Convenção de Nova Iorque, pois a medida antiprocesso visa apenas garantir um acordo para não se recorrer à justiça estatal, o que não violaria a convenção.

A ratio decidendi do julgamento foi no sentido de que é possível proteger uma convenção de não recorrer à determinada jurisdição (obrigando-se ao julgamento por arbitragem) através de uma anti-suit injunction, por não precisar a parte aguardar o julgamento perante um tribunal de outro Estado sempre que este processo se mostre

vexatious and oppressive.

Na linha dos precedentes ingleses sobre as medidas antiprocesso em geral, o argumento foi de o que a concessão da injunção não ofenderia a soberania e atuação do Poder Judiciário estrangeiro, pois a medida apenas obrigaria a parte a cumprir exatamente aquilo que já havia contratualmente se obrigado. Seria, portanto, uma questão de interpretação e garantia do pacta sunt servanda para as partes. Entretanto, a decisão deixa

446 REINO UNIDO. Court of Appeal of England and Wales. [1995] 1 Lloyd's Rep 87. Relator: Leggatt LJ

consignado que, para poder ser concedida essa medida, é preciso que a parte interessada a requeira prontamente a antes que a ação perante o Poder Judiciário estrangeiro esteja consideravelmente avançada447.

Esse precedente, anterior ao julgamento do caso West Tankers pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, firmou uma posição liberalizante na concessão de medidas antiprocesso em apoio à arbitragem, significando a consolidação no Reino Unido de que considerações sobre comity devem ceder espaço à proteção do que for contratualmente estabelecido para a resolução de disputas448.

Rigorosamente, apenas a sede é que poderia prolatar uma medida antiprocesso em apoio a uma arbitragem, a intervenção prematura de qualquer outro país é contrária ao modelo estabelecido pela Convenção de Nova Iorque449. Como a sede é a jurisdição primária de supervisão, apoio e controle de uma arbitragem, está dentro de sua esfera de atuação proteger o bom andamento do processo arbitral.