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O contrato de arbitragem como opt out do Poder Judiciário Até que ponto é possível sair do

3. A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA NA ARBITRAGEM

3.3. O contrato de arbitragem como opt out do Poder Judiciário Até que ponto é possível sair do

Um dos pontos centrais para estabelecer a possibilidade de um caso ser julgado por arbitragem (bem como para aferir a competência e limites da atuação do árbitro) é determinar se o caso é arbitrável e se existe um contrato de arbitragem válido e eficaz que abranja a questão conflituosa. Como o poder de julgar do árbitro depende de um instrumento contratual, é preciso estabelecer se o árbitro tem competência para julgar o caso que lhe for posto.

A competência do árbitro implica a incompetência do juiz estatal. O efeito negativo da convenção de arbitragem determina o afastamento do Poder Judiciário para conhecer do mérito da disputa e a impossibilidade de as partes submeterem o mérito da disputa ao Judiciário.

Estabelecer que o árbitro é competente para julgar um caso é o mesmo que dizer que o juiz é incompetente para julgar esse mesmo caso. A convenção de arbitragem afasta a jurisdição estatal; há um opt out. Escolhe-se, por qualquer razão, não recorrer ao Judiciário, mas a um mecanismo privado.

203 DEBOURG, Claire. Les contrarieties de decisions dans l’arbitrage international. Paris: LGDJ,

As partes decidem que, em vezde terem o seu caso julgado pelo Judiciário, preferem subemtê-lo à decisão de um árbitro e assim o fazem como manifestação de sua autonomia privada. Auferir a competência do árbitro implica em decidir sobre a incompetência do Poder Judiciário.

A convenção de arbitragem é dotada de força ou efeito vinculante. Esse efeito vinculante possui dogmaticamente duas manifestações características: os efeitos positivo e negativo da convenção de arbitragem.

O efeito positivo da convenção de arbitragem volta-se para os contratantes. Pelo efeito positivo os contratantes estão obrigados a recorrer ao processo arbitral para o julgamento de seu conflito. Isso decorre diretamente do pacta sunt servanda. Como o contrato de arbitragem é bilateral, as partes reciprocamente aceitam e têm de se submeter à arbitragem. Do efeito positivo decorre, também, o poder de uma parte compelir a outra à solução arbitral, como expresso no artigo 7º da Lei de Arbitragem204. Ou seja, as partes estão obrigadas à se submeter à arbitragem. Firmado o contrato, não é possível sua resilição ou inadimplemento unilateral.

Esse efeito é chamado de positivo por efetivamente agir sobre os pactuantes, compelindo-os à adoção do processo arbitral para dirimir seus conflitos, conforme tinham anteriormente pactuado. Logicamente, o efeito positivo só se dá nos limites e na

extensão da convenção de arbitragem, como se verá adiante.

O efeito negativo da convenção de arbitragem impede que o Judiciário conheça das matérias submetidas à arbitragem. Existindo a convenção arbitral, as partes têm de se submeter a esta via de solução de conflitos205. Quer isso dizer que o efeito negativo é o que justifica a exceção de arbitragem. O Judiciário não poderá julgar a causa, observados os limites do que foi contratado. Assim, proposta uma ação judicial em desrespeito à convenção de arbitragem, poderá ser apresentada pelo réu uma exceção de arbitragem e deverá o juiz extinguir sem resolução de mérito o processo judicial proposto (art. 267, VII, e 301 do Código de Processo Civil de 1973). O efeito negativo,

204 “O efeito positivo da convenção de arbitragem determina que as partes estarão obrigadas a solucionar

eventual litígio, no caso da cláusula compromissória, ou litígio determinado, no caso do compromisso arbitral, da relação jurídica entre elas existente pela via arbitral.” GUERRERO, Luis Fernando.

Convenção de arbitragem e processo arbitral. São Paulo: Atlas, 2009, p. 121.

205 Veja-se trecho da posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Mandado de Segurança

MS 11308/DF – Mandado de Segurança: 2005/0212763-0: “Destarte, uma vez convencionado pelas partes cláusula arbitral, o árbitro vira juiz de fato e de direito da causa, e a decisão que então proferir não ficará sujeita a recurso ou à homologação judicial, segundo dispõe o artigo 18 da Lei 9.307/96, o que significa categorizá-lo como equivalente jurisdicional, porquanto terá os mesmos poderes do juiz togado, não sofrendo restrições na sua competência.” BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº MS 11308/DF. Relator: Min. Luiz Fux. j. em: 09/04/2008.

em verdade, prestigia o instituto da arbitragem, garantindo sua atuação útil, pois se as partes pudessem, paralelamente, recorrer ao Judiciário, caso este fosse competente para conhecer da matéria, o próprio instituto não teria razão de existir206.

A convenção de arbitragem, é um negócio de direito material, mas possui a eficácia negativa no direito pré-processual, por excluir a atuação dos juízes estatais, e eficácia positiva no direito processual, com a submissão das partes aos efeitos da sentença arbitral207. Ela é que dá poderes jurisdicionais ao árbitro, tornando o juiz estatal absolutamente incompetente.

A ausência de jurisdição do árbitro, entretanto, é uma das poucas situações que autorizam a anulação da sentença arbitral (art. 32 da Lei de Arbitragem e arts. II, 3., e V, 1., c), da Convenção de Nova Iorque). A questão da competência do árbitro para julgar determinado conflito pode surgir em vários momentos (antes, durante e após o processo arbitral) e pode, conforme o caso, ser enfrentada tanto pelo árbitro quanto pelo juiz.

A liberdade de contratar e a escolha das partes são elementos definidores da própria legitimidade do processo arbitral. Do ponto de vista das partes só será julgado por arbitragem quem assim escolher, do ponto de vista da matéria litigiosa, apenas questões arbitráveis é que podem ser conhecidas pelo árbitro. A vontade é a pedra angular que legitima o processo arbitral208.

Por isso, é preciso algum grau de controle judicial sobre a competência do árbitro, o momento e a maneira como esse controle será exercido é algo que varia de país para país. Num modelo de relação cooperativa entre juiz e árbitro, a intervenção judicial deve sempre ser feita com duas preocupações, preservar a higidez do processo arbitral e resguardar o direito das partes. Deve se estabelecer uma relação cooperativa de comunicação e suporte, mas, também, de controle.

206 “A eficácia negativa da convenção de arbitragem retira do Judiciário o poder jurisdicional para

conhecer as questões que estejam nos limites da convenção da arbitragem celebrada pelas partes. O poder jurisdicional é transferido do juiz para o árbitro por previsão legal amparada pela manifestação da vontade expressa e escrita das partes, ficando estas impedidas de utilizarem o judiciário de modo unilateral.” GUERRERO, Luis Fernando. Convenção de arbitragem e processo arbitral. São Paulo: Atlas, 2009, p. 125.

207 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008, t.

XV, p. 172.

208 PARK, William W.. Non-signatories and international contracts: an arbitrator’s dilemma. In:

PERMANENT COURT OF ARBITRATION (ed.) Multiple Party Actions in International