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O Novo Código de Processo Civil e a definição da competência do árbitro

3. A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA NA ARBITRAGEM

3.7. O caso brasileiro

3.7.1. O Novo Código de Processo Civil e a definição da competência do árbitro

O Novo CPC adota como norma fundamental a resolução adequada de disputas. É premissa do Novo CPC a adoção de um sistema de justiça multiportas, no qual cada caso deverá ser encaminhado para o método ou técnica mais adequada para a solução do conflito.

Além disso, é notório no Novo CPC a valorização do papel das partes, com a possibilidade de negócios jurídicos processuais para a adequação do procedimento conforme os interesses delas. Trata-se de um código preocupado com um modelo cooperativo de justiça civil e desformalização do processo. São marcas do Novo CPC a valorização dos meios adequados de resolução de disputas e da flexibilização procedimental a partir dos interesses das partes.

A mediação e a conciliação passam, com o Novo CPC, a ser meios integrados de resolução de disputas com o processo judicial. O procedimento comum, como regra, terá uma fase prévia de esforço de resolução consensual do conflito, antes mesmo da apresentação da contestação pelo réu e o início da fase propriamente litigiosa. A primeira fase do processo será marcado pela presença do mediador ou conciliador e pelo afastamento da figura do juiz. O objetivo é que o julgamento estatal seja a ultima alternativa, devendo ser utilizada apenas quando não for possível a solução negociada do caso.

Quanto a arbitragem, o Novo CPC procura facilitar a relação e troca comunicativa entre juízes e árbitros, com a criação da carta arbitral. O Novo CPC, contudo, não alterou substancialmente a Lei de Arbitragem, preservando o tratamento legislativo anteriormente existente. Entretanto, durante a tramitação do Novo CPC, desde o relatório de anteprojeto apresentado pela Comissão de Juristas instituída pelo Ato n.º 379 de 30 de setembro de 2009, do Presidente do Senado Federal, até a sua aprovação definitiva, houve diversas propostas diferentes para a exceção de arbitragem e sobre as condições nas quais o juiz poderia decidir sobre a competência do árbitro.

O projeto para um Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010), na versão provada pelo Senado Federal (casa iniciadora do processo legislativo), em 15 de

prevented from interfering during the arbitral process. Thus, for instance, the “competence-competence” rule, whereby the courts cannot rule on the arbitrators' jurisdiction until the arbitrators themselves have had the opportunity to do so, can only exist because the courts are able to review the arbitrators' jurisdiction once the award has been made.” GAILLARD, Emmanuel; SAVAGE, John. (ed.) Fouchard

Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration. Haia: Kluwer Law International, 1999,

dezembro de 2010, estabelecia que a alegação de convenção de arbitragem deveria ser feita como preliminar de contestação pelo interessado, não podendo ser conhecida de ofício pelo juiz. O processo deveria ser extinto sem resolução de mérito quando o juiz verificasse a existência de convenção de arbitragem. A decisão que rejeitasse a alegação de convenção de arbitragem deveria ser impugnada através do recurso de agravo de instrumento. Não foram propostas, como se vê, alteração substanciais em relação ao modelo do CPC de 1973.

Na sequência, com a análise do então projeto de Novo Código de Processo Civil pela casa revisora, a Câmara dos Deputados, houve a elaboração de um Substitutivo. O Substitutivo, aprovado na Câmara dos Deputados em 26 de março de 2014 (PL 8.064/2010), trazia um regramento mais abrangente sobre a arbitragem. Particularmente, os artigos 345 a 350 do Substitutivo traziam um minucioso regramento sobre a alegação de convenção de arbitragem, que deveria ser apresentada através de petição autônoma.

Nessa versão, a alegação não mais seria feita através de preliminar da contestação, mas deveria ser apresentada por petição na audiência de mediação ou conciliação. Caso não fosse designada esta audiência, a alegação de arbitragem deveria ser apresentada por petição no prazo para contestar. Em qualquer hipótese, a alegação deveria se fazer acompanhar de documentação comprobatória da existência de convenção de arbitragem, sob pena de ser rejeitada liminarmente ou, caso apresentada no prazo para contestar, importar na revelia do réu.

Após a apresentação da alegação, deveria ser instalado o contraditório e, na sequência, o juiz decidiria a questão, extinguindo o processo sem resolução de mérito e, por conseguinte, remetendo as partes ao juízo arbitral na hipótese de acolher a exceção de arbitragem ou, caso contrário, intimando as partes da decisão que a rejeitou.

O Substitutivo expressamente consagrou a regra da competência-competência, em seu efeito negativo, ao propor a norma de que, uma vez iniciada a arbitragem, o juiz deveria –a pedido da parte interessada – suspender o processo e aguardar a decisão do árbitro sobre a sua própria competência.

A regra proposta pelo projeto de Novo Código de Processo Civil, na versão do Substitutivo da Câmara dos Deputados, era a de que antes de existir um processo arbitral o juiz poderia decidir sobra a existência de jurisdição do árbitro, caso uma das partes propusesse uma ação judicial e a outra alegasse convenção de arbitragem. Durante o curso de processo arbitral, entretanto, competiria apenas ao árbitro decidir sobre a sua competência. Depois da prolação da sentença arbitral o juiz poderia, novamente,

controlar a competência do árbitro, tanto através de ação anulatória quanto em sede de defesa na execução.

Caso fosse proposta uma ação judicial paralela ao processo arbitral, o juiz deveria suspender o processo e aguardar a decisão do árbitro sobre a sua própria competência. O Substitutivo não deixava qualquer dúvida: instalado o processo arbitral, apenas o árbitro poderia decidir sobre a sua própria jurisdição e competência para julgar determinado caso.

Após a aprovação do Substitutivo na Câmara dos Deputados, o Projeto de Novo Código de Processo Civil retornou à Casa Iniciadora, o Senado Federal, para deliberação sobre as emendas apresentadas ao texto originalmente aprovado por essa Casa. Foi, então, constituída uma Comissão Especial Temporária para a elaboração de parecer sobre as mudanças realizadas na Casa Revisora.

No Relatório Final apresentado pela Comissão Especial do Senado, a inovação trazida pelo Substitutivo da Câmara dos Deputados sobre o procedimento da alegação de convenção de arbitragem foi suprimida. O fundamento para essa supressão foi o de que se estaria “ressuscitando as ‘exceções’ que o Senado eliminou em prol da celeridade.

Não se justifica a apresentação de petição avulsa, com evidente atraso para o processo, quando tais questões cabem como preliminar de contestação”387.

O texto aprovado pelo Senado Federal, seguindo o relatório da Comissão Especial do Senado foi alvo de críticas contundentes da Ordem dos Advogados do Brasil e de setores da academia388, por entenderem que melhor teria sido a aprovação em definitivo da versão do Substitutivo da Câmara dos Deputados.

Inobstante tais críticas, o Novo CPC manteve a exceção de arbitragem como matéria que deve ser suscitada como preliminar da contestação. Entretanto, embora pudesse ter avançado mais na regulamentação da matéria, o Novo CPC traz uma clarificação importante sobre o efeito negativo da competência-competência no Direito brasileiro. Há um marcante avanço na questão.

387 Parecer nº 956/2014, da relatoria do Senador Vital do Rêgo, p. 66. Disponível em

<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=159354&tp=1>. Acesso em 30/12/2015.

388 A exclusão desses dispositivos foi objeto do Manifesto encaminhado ao Senado Federal pela

Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Colégio de Presidentes das Comissões de Mediação e Arbitragem das Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil e Entidades Nacional. O IV Fórum Permanente de Processualistas Civis, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, em Belo Horizonte/MG, entre os dias 05 a 07 de dezembro de 2014, aprovou uma Moção de Discordância sobre a questão.

Conforme o Novo CPC, a decisão do árbitro que reconhecer a sua própria competência terá por efeito externo ao processo arbitral ser causa de extinção do processo judicial. O artigo 485 do Novo CPC389, em seu inciso VII, estabelece que o juiz extinguirá o processo sem resolução de mérito quando “acolher a alegação de existência

de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência.”

A norma do inciso VII do artigo 485 do Novo CPC contém duas hipóteses alternativas. O juiz deve determinar a extinção do processo judicial (i) se acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem; ou (ii) quando o juízo arbitral

reconhecer sua competência. São situações alternativas. Verificada qualquer uma delas,

impõe-se a extinção do processo judicial sem resolução do mérito.

Ou seja, na hipótese do árbitro declarar-se competente para julgar determinado caso, a parte interessada deverá peticionar no processo judicial pendente que possua idêntico objeto e pedir a extinção do processo judicial. O juiz deverá, em face da decisão arbitral, determinar a extinção do processo.

Há, como se vê, uma condição externa que pode ser determinante para a extinção do processo judicial. A decisão do árbitro declarando-se competente para julgar determinado caso implicará a extinção do processo judicial em curso sobre idêntica matéria.

Há a criação de um novo pressuposto processual negativo390. Quando o árbitro decidir ser competente para julgar determinado caso, o juiz deverá determinar a extinção do processo judicial. O juiz deve apenas acatar a decisão do árbitro, não é possível que o juiz a questione ou desconheça essa decisão. Proferida a decisão do árbitro, deve ser extinto o processo judicial.

Iniciado o processo arbitral, o árbitro tem a prioridade para decidir a questão. O efeito negativo da convenção de arbitragem é prestigiado. Se não há processo arbitral, por outro lado, o juiz pode livremente decidir sobre a questão.

A regra procura evitar a existência de processos paralelos, com o risco de decisões conflitantes daí advindo. A predileção do Novo CPC é pela continuidade do processo arbitral. O árbitro pode decidir sobre a sua competência na sentença final do

389 O dispositivo foi citado conforme numeração constant do texto-base aprovado no Senado Federal em

17 de dezembro de 2014.

390 CREMASCO, Suzana Santi. O Novo Código de Processo Civil e o reconhecimento de competência pelo árbitro (ou pelo Tribunal Arbitral) como pressuposto processual negativo no processo judicial.

processo judicial ou, igualmente, por decisão proferida no curso do processo. Não há qualquer diferença. O que importa é que o juiz deverá acatar a decisão do árbitro.

Caso o magistrado, de maneira indevida, não determine a extinção do processo judicial, será cabível recurso de agravo de instrumento.

No modelo recursal adotado pelo Novo CPC, foi criado um rol tipológico das decisões agraváveis. Significa dizer que nem todas as decisões são passíveis de impugnação através de agravo. Apenas as decisões correspondentes aos tipos previstos no artigo 1.015 do Novo CPC e nas demais hipóteses previstas em lei é que são agraváveis. As demais decisões, contra as quais não cabe agravo de instrumento, podem ser impugnadas apenas na apelação, após a prolação da sentença.

Embora inexista previsão expressa, é aplicável o inciso III do artigo 1.012 do Novo CPC contra a decisão judicial que entender pela não extinção do processo judicial apesar de ter o árbitro se declarado competente. A literalidade desse dispositivo menciona apenas ser cabível agravo de instrumento contra a decisão que “rejeita a

alegação de convenção de arbitragem”. Entretanto, considerando que a razão que

justifica aplicação do tipo é a mesma, cabe agravo de instrumento contra a decisão que equivocadamente rejeita a extinção do processo apesar da decisão do árbitro.

O Novo CPC define com maior clareza o modelo brasileiro de competência- competência e avança substancialmente em relação ao CPC de 1973. O efeito negativo da convenção de arbitragem passa a ser expressamente reconhecido e o processo judicial, mesmo aquele iniciado antes da arbitragem, deverá ser extinto por decisão do árbitro.

4. AS ANTI-SUIT INJUNCTIONS E A PROTEÇÃO DA COMPETÊNCIA DO