• Nenhum resultado encontrado

Anti-suit injunctions na Inglaterra e nos Estados Unidos

4. AS ANTI-SUIT INJUNCTIONS E A PROTEÇÃO DA COMPETÊNCIA DO ÁRBITRO

4.2. Características gerais das anti-suit injunctions

4.2.1. Anti-suit injunctions na Inglaterra e nos Estados Unidos

Embora seja um instituto conhecido nos países de tradição jurídica de common

law, a evolução e a feição jurídica do instituto não são monocolores. Existem mudanças

consideráveis nos requisitos para a concessão de uma medida antiprocesso se comparado o direito inglês e o americano e, no caso desse último, se comparados os diversos circuitos dos tribunais federais.

Na Inglaterra, a previsão legal para o uso de injunções e medidas antiprocessos está estabelecida no Supreme Court Act de 1981, Seção 37407, que traz o chamado poder

404 BOLFER, Sabrina Ribas. Arbitragem comercial internacional & anti-suit injunctions. Curitiba:

Juruá, 2007, p. 35.

405 CLAVEL, Sandrine. Anti-Suit Injunctions et arbitrage. In: Revue de l’Arbitrage. Paris: Comité

Français de l’Arbitrage, 2001, v. 2001, n. 4, 673.

406 CLAVEL, Sandrine. Anti-Suit Injunctions et arbitrage. In: Revue de l’Arbitrage. Paris: Comité

Français de l’Arbitrage, 2001, v. 2001, n. 4, 670.

407 “Section 37 Powers of High Court with respect to injunctions and receivers. (1) The High Court may by

geral de proferir injunções. Os limites em que podem ser utilizadas as injunções antiprocesso, contudo, ainda é alvo de divergência408.

Após lenta evolução jurisprudencial, o entendimento prevalecente é de ser possível conceder uma medida antiprocesso se preenchidos três requisitos, simultaneamente: a) a Inglaterra for o foro natural para julgamento da causa; b) a ação judicial estrangeira for prejudicial aos interesses da parte que pleitear a medida; c) a medida não poderá privar o autor de uma legítima vantagem ao propor a ação perante o tribunal estrangeiro409. Além disso, está subjacente a ideia de proteção da boa-fé e da expectativa legítima quanto ao foro que julgará uma disputa.

A noção de um processo vexatório e opressivo (vexatious and oppressive), considerada para a concessão de uma medida antiprocesso, está ligada à percepção de uma ação judicial proposta de maneira maliciosa, abusiva ou com o intento de prejudicar a outra parte. No mérito, isso poderia significar uma ação abusiva, utilizada como estratégia para dificultar o exercício do direito de defesa. O autor escolheria um foro que sabe ser mais vantajoso para si e que traga indevida dificuldade para o exercício do direito de defesa da outra parte (forum shopping). Ou, ainda, a ação judicial representaria uma quebra de contrato, violando os corolários da boa-fé.

Nos Estados Unidos, é bem estabelecida a concepção de que o Poder Judiciário possui um poder geral para emitir anti-suit injunctions410. Existe, entretanto, uma divisão entre os Circuitos411 da Justiça Federal Norte-Americana no tratamento dado ao instituto. Alguns circuitos têm uma postura mais liberal e outros uma postura mais conservadora e rigorosa na análise da possibilidade de concessão da medida.

Sempre são necessárias as mesmas partes e que o mesmo objeto esteja sendo discutido em dois processos. Para os circuitos com uma posição mais liberal, seria suficiente a inconveniência do prosseguimento do processo que se procura controlar. O risco de demora ou de aumento de custo para as partes, além de considerações relativas à

appears to the court to be just and convenient to do so. (2) Any such order may be made either unconditionally or on such terms and conditions as the court thinks just.”

408 DOWERS, Neil A.. The anti-suit injunction and the EU: legal tradition and europeanisation in

international private law. In: Cambridge journal of International and Comparative Law. Cambridge, 2013, v. 2, n. 4, p. 961. Disponível em: <http://www.cjicl.org.uk> Acesso em: 02 jul 2014.

409 ALVES, Rafael Francisco. A inadimissbilidade das medidas antiarbitragem no direito brasileiro.

São Paulo: Atlas, 2009, p. 106.

410 LEW, Julian D. M.. Does National Court Involvement Undermine the International Arbitration

Processes? In: American University International Law Review. v. 24 n. 3. Washington: Washington College of Law, 2009, p. 506.

411 A Justiça Federal norte-americana é dividida em diversos Circuitos com atribuições territoriais. É

equidade e sobre o processo ser vexatious podem ser suficientes para a concessão da medida. Para os circuitos com uma posição mais conservadora, seria preciso a demonstração específica da necessidade e de proteção da ordem pública ou do legítimo exercício da jurisdição pelo foro412.

Em uma análise típica para a concessão de uma medida antiprocesso, os tribunais norte-americanos iniciam o julgamento com considerações sobre a necessidade e conveniência do respeito ao processo estrangeiro (comity), para então analisar os demais pontos413. Entretanto, considerando a tessitura aberta do conceito (comity é um conceito jurídico indeterminado), a falta de clareza da Supreme Court na construção de seu significado e a falta de balizas para definir o que efetivamente viola a comity são fatores que justificam a divisão no entendimento dos circuitos da Justiça Federal norte- americana414.

As Court of Appeals dos Circuitos Segundo, Terceiro, Sexto e do Distrito de Columbia têm adotado a posição restritiva ou conservadora no tratamento da matéria e têm levando em consideração em seus julgamentos amplamente o respeito à comity. Não deveria ser concedida uma medida antiprocesso, exceto se estiver em questão diretamente a ordem pública dos Estados Unidos. Os processos paralelos devem se desenvolver até que um dos dois foros prolate uma decisão que produza os efeitos da coisa julgada.

As Court of Appeals dos Circuitos Quinto, Sétimo e Nono têm adotado a posição liberal. O critério essencial para a concessão de uma medida antiprocesso é estabelecer se o processo perante a jurisdição estrangeira é vexatious and oppressive. A mera inconveniência de existirem processos paralelos e o risco de demora ou aumento de custo para as partes é suficiente para configurar essa situação e permitir a concessão da injunção415.

A Court of Appeal do Quinto Circuito parece ter desenvolvido uma posição intermediária entre as duas anteriores. A comity seria um critério importante a ser

412 STACHER, Marco. You don’t want to go there – Antisuit injunctions in International Commercial

Arbitration. In: ASA Bulletin. Haia: Kluwer Law International. 2005, v. 23, n. 4, p. 643.

413 LAMM, Carolyn; HELLBECK, Eckhard; BRUBAKER, Joseph. Anti-suit injunctions in aid of

international arbitration: the American approach. In: International Arbitration Law Review. Londres: Sweet & Maxwell, 2009, v. 12, n. 6, p. 116-117.

414 LAMM, Carolyn; HELLBECK, Eckhard; BRUBAKER, Joseph. Anti-suit injunctions in aid of

international arbitration: the American approach. In: International Arbitration Law Review. Londres: Sweet & Maxwell, 2009, v. 12, n. 6, p. 117.

415 LEW, Julian D. M. Control of jurisdiction by Injunctions Issued by National Courts. GAILLARD,

Emmanuel. Anti-suit Injunctions Issued by Arbitrators. In: VAN DEN BERG, Albert J.. International

Arbitration 2006: Back to Basics? ICCA Congress Series. Haia: Kluwer Law International, 2007, v. 13,

considerando antes da concessão da injunção, mas ela poderia ser concedida se a “totalidade das circunstâncias” indicassem a adequação da medida. Essa análise incluiria a conduta das partes (incluindo a boa-fé), a importância da matéria litigiosa, o risco da ação estrangeira prejudicar o andamento célere e eficiente da ação proposta no foro416.

Assim, pode-se concluir que, mesmo nas principais jurisdições, que tradicionalmente concedem esse tipo de medidas existem divergências quanto aos requisitos autorizadores para a concessão da ordem.