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O modelo da convenção de Nova Iorque jurisdição primária e secundária na Arbitragem

2. EXISTE UMA ARBITRAGEM AUTÔNOMA? A IMPORTÂNCIA DAS

2.3. O modelo da convenção de Nova Iorque jurisdição primária e secundária na Arbitragem

O adequado funcionamento da arbitragem depende necessariamente do apoio e controle exercido pelos tribunais nacionais, mas é fundamental delimitar os limites desse controle. A Convenção de Nova Iorque é o instrumento legal, que com maior sucesso, até pela sua ampla difusão, conseguiu construir as balizas para essa relação.

Além dos esforços de unificação e harmonização do Direito da Arbitragem98, a Convenção de Nova Iorque exerce grande papel, ao permitir um modelo internacionalmente partilhado de intervenção e reconhecimento estatal (através dos seus juízes) em relação à arbitragem. Para o objeto deste trabalho, significa definir qual Poder Judiciário é que poderá apoiar e controlar uma arbitragem em curso (inclusive no que diz respeito à alocação da competência do árbitro).

Pela ampla aceitação que teve (mais de 148 países ratificaram o texto), a Convenção de Nova Iorque representa um modelo de cooperação jurisdicional internacionalmente partilhado em matéria de resolução de disputas. A difusão da arbitragem representa a possibilidade de um modelo seguro para o tratamento de conflitos comerciais, evitando os riscos de forum shopping e, de certa maneira, racionalizando e dando segurança jurídica ao comércio internacional. Entretanto, para atingir esses objetivos é fundamental a construção de limites à intervenção estatal e de conflitos de jurisdições.

Dois deveres centrais são estabelecidos na Convenção: o de respeitar e o de

reconhecer. Esses deveres impõem-se para todos os Estados signatários da convenção.

O dever de respeitar impõe que todos os Estados contratantes deverão respeitar a convenção arbitral escrita das partes e, por força do efeito negativo dessa convenção, remeter as partes à arbitragem, exceto se for verificado que a convenção é nula e sem efeitos, inoperante ou inexequível (art. II). O dever de reconhecer impõe aos Estados contratantes necessidade de homologar e executar a sentença arbitral, observadas as regras estabelecidas na própria Convenção de Nova Iorque (art. V), sendo possível que escolham dar tratamento ainda mais favorável (art. VII).

98 Tal esforço cria, em algum grau, um consenso em nível internacional sobre como deve ocorrer a

condução de uma arbitragem e existe uma definição das linhas gerais do que significa uma legislação e prática arbitral modernas. Vide: BARKETT, John M.; PAULSSON, Jan. The Myth of Culture Clash in International Commercial Arbitration. In: Florida International University Law Review. Miami: FIU College of Law, 2009, 5., n. 1.

Isso significa que a convenção inicialmente estabelece a obrigação geral para os Estados contratantes de respeitar as convenções de arbitragem e de executar e reconhecer as sentenças arbitrais independentemente de onde tenham sido prolatadas. Daí ela propicia o desenvolvimento da arbitragem privada em nível global.

Como se vê, a Convenção de Nova Iorque volta-se particularmente para os aspectos concernentes ao reconhecimento entre os Estados signatários das sentenças arbitrais estrangeiras, entretanto, para fazê-lo, a Convenção adota como premissa uma distribuição de atuações cooperativas entre os diversos Estados em relação à uma arbitragem internacional.

Nesse sentido, A Convenção de Nova Iorque é uma norma atributiva de competência (jurisdição) para a atuação dos Estados em relação à arbitragem internacional99. Ela estabelece um controle da arbitragem em dois níveis, através de uma distinção entre uma jurisdição primária (da sede100) e uma jurisdição secundária (do local da execução).

A Convenção de Nova Iorque cria um modelo internacional de alocação de competências sobre uma arbitragem, a partir da distinção que é feita entre o papel da sede e dos demais países signatários da convenção. Convencionou-se (embora a própria convenção não utilize esses termos) falar em jurisdições primária e jurisdições secundárias em relação a uma determinada arbitragem.

A jurisdição primária é definida com a estipulação da sede. O papel de jurisdição secundária pode ser exercido por qualquer país no qual se pretenda homologar ou executar a sentença arbitral. Assim, há uma potencialidade latente de jurisdições

99 “The Convention, as a public international law regime that allocates jurisdiction, establishes the

conditions under which an arbitral event in one jurisdiction will be given full effect in another jurisdiction. By allocating among the various states competences to make and apply law for these persons, things and events, and recognizing and giving effect to the proper application of those competences by individual states, the Convention makes possible processes of interaction and exchanges between individuals and entities from different communities under expectations of neutral adjudication of disputes.” EISMAN, Michael; RICHARDSON, Brian. The Present – Commercial Arbitration as a Transnational System of Justice: Tribunals and Courts: An Interpretation of the Architecture of International Commercial Arbitration. In: VAN DEN BERG, Albert Jan. (ed.) Arbitration: The Next Fifty Years, ICCA Congress Series, v. 16. Haia: Kluwer Law International, 2012, p. 31.

100 Sugerimos que a sede seja a jurisdição primária pois, para a posição majoritária, a sede define a lex arbitrii aplicável ao caso. Conforme observado por Adriana Braghetta, a redação da convenção de Nova

Iorque, Artigo V, 1., e), permite a interpretação de que o país cuja a lei foi aplicada poderia controlar primariamente a sentença arbitral, o que, para a autora, seria um retrocesso em comparação ao texto do Protocolo de Genebra de 1927. BRAGHETTA, Adriana. A importância da sede da arbitragem: visão a partir do Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 52.

secundárias101. Em uma arbitragem internacional há sempre a possibilidade de atuação de pelo menos dois países102. O fundamental, para se evitar o conflito de jurisdições nacionais, está em definir quando tal atuação pode ser feita.

O Poder Judiciário da sede da arbitragem103 é que pode intervir para controlar o processo arbitral na pendência deste – e nenhum outro. O Judiciário de outros países poderá ser acionados para executar a sentença arbitral e poderão, para tanto, conhecer de um processo de homologação e controle desta, mas não pode intervir no processo arbitral em curso104. Exceto quando se proponha uma ação que tente ignorar uma convenção de arbitragem, não compete a Poder Judiciário diverso do da sede da arbitragem decidir sobre a competência dos árbitros para julgar determinado caso. Esse é o modelo construído na Convenção de Nova Iorque.

Para que se tenha um espaço internacionalmente adequado de funcionamento da arbitragem, deve-se evitar a possibilidade de controle prematuro de vários tribunais nacionais. Por isso, uma das principais importâncias da definição da sede da arbitragem é justamente determinar essa competência para uma intervenção adequada no processo arbitral.

A US Court of Appeals of the Fifth Circuit tem o interessante precedente Karaha

Bodas Company v. Perusahaan Pertambangan Minyak Dan Gas Bumi Negara et al. 105

no sentido de que a o Judiciário do local da sede possui uma jurisdição primária no apoio e controle do processo arbitral e que todos os demais Estados signatários da

101 REISMAN, Michael; IRVANI, Heide. The changing relation of national courts and international

commercial arbitration. In: American Review of International Arbitration. Nova Iorque: Columbia Law School, 2010, n. 21, v. 5, p.6.

102 REISMAN, Michael; RICHARDSON, Brian. The Present – Commercial Arbitration as a Transnational

System of Justice: Tribunals and Courts: An Interpretation of the Architecture of International Commercial Arbitration. In: VAN DEN BERG, Albert Jan. (ed.) Arbitration: The Next Fifty Years, ICCA Congress Series, v. 16. Haia: Kluwer Law International, 2012, p. 24.

103 Para Reisman e Irvani, também o Poder Judiciário do país cuja lei seja aplicável à convenção.

104 REISMAN, Michael; IRVANI, Heide. The changing relation of national courts and international

commercial arbitration. In: American Review of International Arbitration. Nova Iorque: Columbia Law School, 2010, n. 21, v. 5, p.7.

105 “The New York Convention provides a carefully structured framework for the review and enforcement of international arbitral awards. Only a court in a country with primary jurisdiction over an arbitral award may annul that award. Courts in other countries have secondary jurisdiction; a court in a country with secondary jurisdiction is limited to deciding whether the award may be enforced in that country. The Convention "mandates very different regimes for the review of arbitral awards (1) in the [countries] in which, or under the law of which, the award was made, and (2) in other [countries] where recognition and enforcement are sought." Under the Convention, "the country in which, or under the [arbitration] law of which, [an] award was made" is said to have primary jurisdiction over the arbitration award. All other signatory states are secondary jurisdictions, in which parties can only contest whether that state should enforce the arbitral award. It is clear that the district court had secondary jurisdiction and considered only whether to enforce the Award in the United States.” ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. United States Court of Appeals, Fifth Circuit. 335 F.3d 357. Relator: Weiner, Circuit Juge. j. 18 jun. 2003.

Convenção de Nova Iorque são apenas jurisdições secundárias, para as quais as partes só podem recorrer no momento de execução da sentença arbitral. Por isso, esse precedente se coloca no sentido de que o Poder Judiciário da sede é o único competente para julgar ação anulatória de sentença arbitral.

Por uma questão funcional, o controle da arbitragem antes da fase de execução ou homologação, conforme o caso, deve ser feito exclusivamente pelo local da sede. De modo distinto, é possível o apoio ao processo arbitral por qualquer Poder Judiciário, nos termos deferidos pela legislação de cada país106.

Mesmo quando um juiz distinto do da sede tem poderes, conforme sua própria legislação, para praticar atos de apoio a uma arbitragem estrangeira, há fortes motivos para que ele seja cauteloso nessa atuação. É que há um risco de se interferir indevidamente no processo arbitral e de conflito com a jurisdição de supervisão e controle dos tribunais da sede. Por isso, esclarece Gary Born, os tribunais americanos têm demonstrado cautela em praticar esses atos de apoio para arbitragens estrangeiras107. Evidentemente, as normas sobre competência em matéria internacional são particularmente afetas à soberania de cada país. Como regra, cabe ao direito interno regular em quais hipóteses é possível que o seu Poder Judiciário julgue um determinado caso. Contudo, a ausência de contenção causa sérios problemas funcionais para o desenvolvimento da arbitragem internacional, particularmente com o risco de surgirem decisões conflitantes e os efeitos nefastos daí decorrentes108 . São inegáveis a necessidade e a importância do reconhecimento e superação dos limites da cooperação internacional na delimitação das competências (jurisdições) nacionais. Não é possível o bom desenvolvimento da arbitragem internacional sem o mínimo de contenção e previsibilidade na atuação das jurisdições nacionais.

106 GUILHARDI, Pedro. Jurisdiction of National Courts for Interim Reliefs in Aid of Foreign Arbitral

Proceedings: a Proposed Solution under the New York Convention. In: Revista Brasileira de

Arbitragem. São Paulo: Comitê Brasileiro de Arbitragem & IOB, 2012, v. IX, n. 36, p. 61.

107 “Even if a national court has the power to issue provisional measures in connection with a foreign

arbitration, there are strong reasons for exercising such authority with circumspection. When a court in State A issues provisional measures in connection with an arbitration seated in State B, it runs a double risk, of interfering in (a) the arbitral proceedings, and (b) the (limited) supervisory jurisdiction of the courts in the arbitral seat. In these circumstances, courts have rightly demonstrated caution in granting provisional measures.” BORN, Gary B.. International Commercial Arbitration. Haia: Kluwer, 2009, p. 2059.

108108 DEBOURG, Claire. Les contrarieties de decisions dans l’arbitrage international. Paris: LGDJ,

A House of Lords da Inglaterra, ao julgar o caso Channel Tunnel Group Ltd v.

Balfour Beatty Constr. Ltd.109 estabeleceu precedente sobre a possibilidade de apoio dos tribunais ingleses a uma arbitragem estrangeira, no caso específico com sede na Bélgica. O contrato das partes estabelecia que qualquer disputa seria resolvida por arbitragem na Bélgica. No curso do processo arbitral, uma das partes propôs uma ação perante a justiça Inglesa pedindo uma injunction para que a outra não paralisasse os trabalhos e obra de engenharia.

Lord Mustill, em seu voto, manifestou entendimento segundo o qual, nesse tipo de situação, “os tribunais devem ter bastante cautela tanto na análise da existência de

poderes de apoio à arbitragem quanto no exercício destes”. E, mais adiante, estabeleceu

que o Poder Judiciário belga é o naturalmente habilitado para a prática de atos de apoio ao processo arbitral e que, se os autores desejam o apoio do judiciário inglês, é indispensável que demonstrem as razões que justificam tal intervenção. Entretanto, ressalvou no voto que em certos casos o apoio ao processo arbitral poderia ser concedido.

O caso Channel Tunnel Group Ltd v. Balfour Beatty Constr. Ltd. demonstra que a definição da sede da arbitragem é um fator importante na determinação do Poder Judiciário que poderá apoiar o processo arbitral e que, embora seja possível o apoio a uma arbitragem estrangeira, tal poder deve ser exercido com cautela.

A distinção entre jurisdição primária e secundária, segundo a posição de Michel Reisman, é fundamental, além de estabelecer qual o Poder Judiciário de supervisão da arbitragem, para definir a quem cabe anular a sentença arbitral para fins do Direito Internacional da Arbitragem. Tal prerrogativa é exclusiva da sede. A sede é que pode processar e julgar a ação anulatória de sentença arbitral110. O julgamento procedente da ação anulatória na sede implicaria a impossibilidade de execução da sentença arbitral em todos os países. Logo se vê que essa posição mantém, em alguma medida, uma visão “monolocalista” da arbitragem (vide item 2.4.2). A jurisdição secundária apenas poderia

não homologar a sentença arbitral, impedindo a produção de efeitos e a execução da

sentença em seu próprio território, mas não poderia anular com efeitos internacionais a sentença arbitral.

109 REINO UNIDO. House of Lords. [1993] AC 334. Relator: Lord Mustill. j. 17 fev. 1993.

110 SCHRAMM, Dorothée; GEISINGER, Elliot; PINSOLE, Philippe. Article II. In: NACIMIENTO,

Patricia et al. Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards: A Global Commentary on the New York Convention. Haia: Kluwer Law International, p. 42.

A Convenção de Nova Iorque é, sob este viés, norma atributiva de competência internacional para o exercício da ação anulatória de sentença arbitral.

A jurisdição primária tem a atribuição de controlar o processo arbitral e anular a sentença arbitral com definitividade para todos os países partes da Convenção de Nova Iorque (art. 5, 1., e, da Convenção de Nova Iorque). A jurisdição secundária apenas pode negar efeitos à sentença em seu próprio território. O artigo VI da Convenção de Nova Iorque, inclusive, permite a suspensão do pedido de homologação da sentença estrangeira, caso exista ação anulatória em curso na sede.

Adriana Braghetta esclarece que a anulação de uma sentença por um país outro que não o da sede da arbitragem não tem efeitos internacionais. Apenas “a anulação na

sede ou no país cuja lei foi aplicada tem, a priori, vocação para efeitos internacionais.”

Se a decisão anulatória for de um outro país essa decisão deve ser desprezada pelos demais111.

Para o direito brasileiro, o artigo 38, inciso VI, da Lei de Arbitragem estabelece a impossibilidade de homologação da sentença arbitral estrangeira que tenha sido anulada pelo Poder Judiciário competente para processar tal ação. Decorre de texto expresso de lei que a sentença arbitral estrangeira anulada na sede não pode ser homologada no Brasil112.

O artigo V (2) da Convenção de Nova Iorque permite que qualquer país que seja chamado a reconhecer e executar a sentença arbitral decida se essa mesma sentença, conforme suas concepções particulares, respeita as noções de arbitrabilidade e de ordem pública. Essa análise, entretanto, ocorre exclusivamente para fins de reconhecimento da sentença arbitral para esse país em questão. As jurisdições secundárias também têm uma participação no controle da arbitragem para fins de produção de efeitos no seu próprio ordenamento jurídico e exercem esse controle aplicando as suas próprias legislações.

O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o caso First Brands do Brasil LTDA. e outros v. Petroplus Sul Comércio Exterior S.A.113-114-115 que trata exatamente da

111 BRAGHETTA, Adriana. A importância da sede da arbitragem: visão a partir do Brasil. Rio de

Janeiro: Renovar, 2010, p. 195.

112 FONSECA, Rodrigo Garcia da. O Artigo VI da Convenção de Nova Iorque. In: WALD, Arnoldo;

LEMES, Selma Ferreira. (Coords.) Arbitragem Comercial Internacional: a Convenção de Nova Iorque e o Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 312.

113 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nº 0014578-23.2004.8.26.0100. Relator: Des.

Francisco Loureiro. j. 3 abr. 2014.

114 Em 18 de julho de 2014, ainda estava pendente de admissibilidade recurso contra essa decisão.

115 O caso First Brands do Brasil LTDA. e outros v. Petroplus Sul Comércio Exterior S.A. é, na verdade,

ausência de jurisdição (competência internacional) do Poder Judiciário brasileiro para julgar ação anulatória de sentença arbitral proferida em sede estrangeira. Nesse caso, as partes participaram de uma arbitragem administrada conforme as regras da CCI em Miami-FL, Estados Unidos, para dirimir conflito no âmbito de joint ventures constituídas pelas partes. As partes haviam escolhido a legislação brasileira para reger a validade, interpretação, construção e execução e cumprimento dos contratos de joint

venture por elas celebrados.

Proferida a sentença arbitral em Miami, foi feito pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira, o que foi deferido pelo Superior Tribunal de Justiça. Foi, então, proposta no Brasil ação anulatória de sentença arbitral. A ação foi julgada procedente no 1º grau, sob o argumento de que teria ocorrido uma injusta restrição aos limites subjetivos e objetivos da convenção de arbitragem pelo Tribunal Arbitral e pela indevida recusa de aplicação da lei processual brasileira ao processo arbitral, o que teria sido pedido consensualmente pelas autoras e rés.

Analisando o recurso de apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o Poder Judiciário brasileiro não teria jurisdição para julgar uma ação anulatória de sentença arbitral estrangeira, conforme estabelecido pela Convenção de Nova Iorque e pela Lei de Arbitragem. A ação anulatória apenas poderia ser processada pelo país no qual foi proferida a sentença arbitral ou pelo país cujo direito foi aplicável ao processo arbitral (lex arbitrii). Assim consignou o voto condutor do relator Des. Francisco Loureiro:

No caso em tela, uma vez a sentença arbitral que se visa a desconstituir foi proferida nos Estados Unidos, e as regras escolhidas para reger o procedimento arbitral foram as da própria Câmara de Comércio Internacional do mesmo país, forçoso reconhecer a impossibilidade de a Justiça brasileira apreciar o presente feito anulatório. Destaco que somente algumas regras de direito material relativas à interpretação, construção, execução e cumprimento dos contratos foram regidas pelas leis brasileiras.

vários processos arbitrais na CCI e ações judiciais em São Paulo, Mato Grosso do Sul e no STJ envolvendo o mesmo caso. Para uma descrição mais ampla do litígio vide: PEREIRA, Cesar A. Guimarães; TALAMINI, Eduardo. Interim Measures and Anti-Arbitration Injunctions in Brazil:

Answering the Actual Question at Issue. Disponível em: <http://kluwerarbitrationblog.com/blog/2014/09/03/interim-measures-and-anti-arbitration-injunctions-in-

brazil-answering-the-actual-question-at issue/?utm_source=feedburner&utm_med

ium=email&utm_campaign=Feed%3A+KluwerArbitrationBlogFull+%28Kluwer+Arbitration+Blog+- +Latest+Entries%29>. Acesso em: 10 set. 2014.

Esse precedente reconheceu que apenas o país da sede (local em que foi proferida ou conforme a lei do qual – lex arbitrii – foi proferida a sentença arbitral) é que poderia processar e julgar uma ação anulatória, cabendo aos demais países apenas realizar um controle para fins de homologação e execução da sentença arbitral estrangeira.

A Convenção de Nova Iorque, segundo tal precedente, delineia e limita a jurisdição internacional dos Estados signatários para intervir em arbitragens que tenham sede em outro país.

Deve-se registrar, entretanto, que tal posição não é unânime. Jan Paulsson, analisando o modelo da Convenção de Nova Iorque, critica incisivamente essa distinção entre jurisdição primária e jurisdição secundária, sob o argumento de que o real interesse da (sede) jurisdição primária sobre a causa e a arbitragem em questão pode ser bem menos relevante que o do local de execução, já que a escolha da sede, muitas vezes, se dá justamente tendo em vista um foro neutro116. Essa posição do autor decorre de sua compreensão sobre os fundamentos jurídicos da arbitragem internacional (vide item 2.4.4).

Dogmaticamente, entretanto, considerando o caso brasileiro, é difícil negar a atribuição e repartição de competências feita pela Convenção de Nova Iorque. Além disso, para o direito brasileiro, não é possível reconhecer e homologar sentença arbitral que tenha sido anulada na origem por expressa vedação legal, o que indica o territorialismo adotado.

Da análise dos trabalhos preparatórios da própria Convenção de Nova Iorque fica